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Maternidade governada

Pesquisa questiona a normatização da relação mãe-bebê a partir dos manuais de maternidade



“Deu positivo. Estou grávida. Vou ser mãe. E agora?” As mudanças no corpo, na rotina diária e as alterações hormonais mexem com o psicológico da gestante. Como se não bastasse todo esse impacto, a futura mamãe ainda se depara com a pressão social que questiona sua saúde, forma física, seu humor e disposição em receber o novo bebê da maneira mais perfeita possível. Em meio a isso, qualquer dica – seja em manual médico, livros sobre gestação ou um bate-papo entre mães – surge como uma alternativa para adquirir informações e tranquilizar a mulher nesse momento delicado.

 

Uma pesquisa realizada pela professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Ana Laura Godinho Lima, e pela obstetra formada também pela USP, Barbara Caroline Vicente, busca fazer apontamentos e analisar a diferença existente entre os manuais científicos com discursos sobre cuidados e educação dos filhos e as experiências compartilhadas pelas próprias mães. O estudo aponta que, nos manuais escritos por pediatras, valoriza-se o conhecimento especializado, técnico e profissional na assistência à mãe e ao bebê; já em textos escritos por mães, em livros, colunas de jornais e blogs, sobressai o relato sobre as vivências, nos quais o bebê aparece como protagonista.

“Minha própria experiência como mãe e minha aproximação com o curso de Obstetrícia contribuíram para intensificar o meu interesse pelas orientações dos especialistas que buscam governar a relação mãe-bebê”, explica Ana Laura. A pesquisadora, que é professora da disciplina  Psicologia, Educação e Temas Contemporâneas no curso de Obstetrícia da USP, conta que a literatura escrita por mães é um campo ainda inexplorado e que, ao iniciar a pesquisa, procurou se inteirar sobre trabalhos feitos no país e no exterior sobre o tema da maternidade nas ciências humanas.

 

 

As mulheres não nascem mães

No estudo realizado pelas pesquisadoras da USP, constata-se que “no discurso dos manuais de puericultura, o empenho materno em acertar, quando se torna excessivo, pode levar à depressão pós-parto, condição patológica em que a mãe se mostra excessivamente angustiada ou ansiosa por se sentir incapaz ou sem vontade de atender às exigências do filho”.

 

Para a  jornalista Silvia Lisboa, é comum haver divergências sobre  as maneiras de encarar a maternidade e a criação dos filhos, sendo que não existem receitas ou fórmulas corretas para seguir nessas fases da vida. Contudo, Silvia ressalta que alguns manuais muito técnicos, com linguagem rebuscada, causam certa angústia para as mães. Isso porque elas são pressionadas, inconscientemente, a agir de determinada maneira: “Esses manuais são apresentados em linguagem de regras, do tipo ‘faça isso, faça aquilo’, e você não sabe muito bem como agir. Não existe certo ou errado, mas nessa época é muito difícil para a mãe diferenciar. [Ela] embarca numa receita que, muitas vezes, não é aquilo que, como mãe, gostaria de fazer”, explica.

 

Durante o período da gestação e do pós nascimento dos filhos, Silvia não encontrou complicações. No entanto, conta que teve uma amiga próxima que foi diagnosticada com depressão pós-parto, uma vez que sentia dificuldades em nutrir um sentimento profundo pelo recém-nascido. “Todo mundo diz que você tem que adorar a maternidade e se apaixonar pelo filho assim que o ver. Mas as coisas são muitos mais complexas do que isso”, relata a jornalista.

 

É o que constatou a psicóloga Taís Vieira, durante sua primeira gestação. Taís conta que, no primeiro mês depois do nascimento da filha, se sentiu “perdida” em meio aos palpites e informações antiquados de alguns manuais. Em seu caso particular, Taís abriu mão de manuais e resolveu  compartilhar todas as experiências, aprendizados e desabafos em um grupo de gestantes na Internet, que ainda permanece se reunindo, mesmo após o nascimento dos bebês.

 

A lista infinita de atribuições destinadas às mães pode causar sérios problemas, ao estimular uma certa cobrança pessoal e fomentar a concorrência entre as mães. A pedagoga Caroline Arcari acredita que tudo isso se deve a um problema conjuntural maior, em que valores são pré-dispostos e fazem a mulher acreditar e lutar por seu “instinto materno” com vistas a alcançar sempre um título de “melhor mãe”. “A depressão pós-parto tem a ver com essa impossibilidade da mãe de entender seus próprios sentimentos e também porque criou expectativas e foi socializada dessa forma durante toda a vida”, ressalta a pedagoga.

 

 

Cadê o pai dessa criança?

A pedagoga Caroline Arcari afirma também que existem muitos manuais exemplares, que colocam o processo de nascimento da criança como algo a ser aproveitado pela família toda, mas ressalta que a tendência continua a ser aquela que coloca a mãe como principal, senão a única, cuidadora: “De modo geral, esse manuais ainda seguem a ideia de que o papel é da mãe e, ao mesmo tempo em que tiram a responsabilidade do pai e essa possibilidade de ele criar vínculo com o bebê, com o próprio processo de gestação, colocam um peso ainda maior na mãe e [criam] uma romantização [da maternidade]”.

 

Caroline, juntamente com a psicóloga Nathália Borges, administra a página no Facebook “Já falou para seu menino hoje?”, que tem o intuito de mostrar pequenos detalhes no cotidiano e promover reflexões e mudanças a respeito do machismo no ambiente escolar e também doméstico. Ela afirma que os discursos midiáticos, muitas vezes, reforçam ideias machistas e contribuem para aumentar a pressão nas mulheres no momento da maternidade: “Quanto mais esses veículos, seja rede social, seja material impresso, cartilhas, filmes, novelas, reproduzem e insistem nesse estereótipo da mãe perfeita, da mãe que é uma santa, paciente, amorosa, linda, que está maquiada na hora do parto, que está plena e feliz na hora do parto… tudo isso contribui para que a mulher não entenda os seus sentimentos ou não consiga expressá-los assim que o bebê nasça”, ressalta Caroline.

Reportagem: Claudine Friedrich e Tainara Liesenfeld
Infográficos: Nicolle Sartor

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