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Do descuido à cópia deliberada: o plágio na universidade

Ferramenta adquirida pela UFSM vai auxiliar na detecção do plágio, problema que afeta a trajetória acadêmica e a produção científica nas instituições



A adesão de recursos digitais para auxiliar nos trabalhos acadêmicos, embora benéfica, gera preocupações para as boas condutas universitárias em relação ao plágio. Isso porque textos de milhares de autores estão disponíveis online e o próprio teclado dos aparelhos digitais dispõe de atalhos para copiar e colar (ctrl+c e ctrl+v). Quando o recurso é utilizado sem a devida referência aos autores dos textos copiados, a ação de plagiar é configurada.

As universidades e os institutos de pesquisa são os principais envolvidos na tentativa de evitar o plágio, visto que a ação envolve o nome do aluno ou pesquisador, professores, orientadores e da própria instituição. Por isso, a UFSM destacou o plágio no Plano de Integridade de 2019, documento que mapeia mecanismos na Universidade para detectar, corrigir e buscar a responsabilização em fraudes, com objetivo de prevenir condutas em desacordo com os valores institucionais.

Sendo assim, busca-se conter o plágio nos âmbitos do ensino, por meio das salas de aula e disciplinas que ensinam a metodologia; pesquisa, onde os alunos têm um contato próximo com códigos de boas práticas acadêmicas, além de que algumas revistas científicas, como a do Centro de Educação, possuem suas próprias normas éticas de pesquisa; e a extensão, por meio projetos como o Plágio no ambiente acadêmico: conscientização e prevenção e Análise de Plágio no Ambiente Acadêmico

Mesmo com essas ações, quando o plágio ocorre, algumas ferramentas de acesso online estão disponíveis para os docentes, ao facilitar a detecção do problema. O pró-reitor substituto e coordenador de Pós-Graduação, Thiago Ardenghi, explica que a demanda para entender como o plágio pode ser evitado cresce na UFSM. Para compor os recursos em busca da integridade acadêmica na instituição, a Universidade aderiu ao Turnitin Originality no início de 2021. “O software usa tecnologia de ponta para fornecer ferramentas que apontam o plágio, facilitam o feedback formativo, apresentam relatórios acionáveis e verificam a incidência de má conduta acadêmica”, afirma Thiago. A ferramenta já está integrada nos principais sistemas de gerenciamento de aprendizagem da instituição, como o Moodle. Integrantes da comunidade acadêmica que tenham conta institucional @ufsm.br com acesso ao pacote de ferramentas do Google Workplace for Education poderão acessá-la pelo Google Docs.

Segundo Ardenghi, a Universidade já utiliza outros instrumentos de reconhecimento de plágio, porém estes, em sua maioria, envolvem operação manual ou acesso limitado: “A comparação textual para verificação de similaridades não ajuda em algumas práticas comuns que burlam a verificação de similaridade – como a compra de trabalhos acadêmicos, manipulações de texto e ferramentas online de inteligência artificial que alteram a ordem de textos copiados”. Nesse sentido, a licença ao Turnitin Originality aprimora essa questão, visto que o recurso, segundo o site da empresa, verifica a similaridade em uma base de dados mais robusta, revela manipulações de textos, identifica plágio de código nas tarefas e detecta a autoria do trabalho do aluno em possíveis casos de compra de trabalhos.

O software é utilizado por instituições referência no Brasil, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Segundo publicação da Revista Pesquisa FAPESP, após um balanço do uso do Turnitin na instituição, demonstrou-se que houve uma relevante efetividade do software:  “Das 3 mil teses e dissertações defendidas em 2014, 23% continham algum trecho copiado sem dar crédito à fonte original. Esse percentual caiu para 13% em 2016”. 

A nova tecnologia também integra o Turnitin Draft Coach, ferramenta que encontra no texto citações que não estão referenciadas e, a partir de uma avaliação do que já está exposto na internet, indica os sites que contêm os trechos em falta – assim facilitando que o pesquisador consiga chegar até eles de forma mais rápida e que possa referenciá-los corretamente. Além disso, o programa faz correções gramaticais em inglês. No Google Docs, a ferramenta pode ser acessada pela barra de ferramentas superior, no campo “Complementos”. O recurso aparece como uma barra vertical ao lado direito da tela, e nele, o usuário seleciona qual suporte quer utilizar.

Esther Costa Faria, discente do Programa de Pós-Graduação em Letras, acredita que a ferramenta auxiliará seus textos e os de toda a comunidade acadêmica: “É muito pertinente o desenvolvimento de buscas por plágio, já que se torna tão difícil encontrar todas as possíveis menções de outros textos. Sabendo dessa ferramenta, os alunos também podem conscientizar-se de que seu trabalho não deve ser uma cópia, mas o resultado de sua pesquisa e de suas reflexões.”

Com essa nova ferramenta, a UFSM visa uma maior agilidade no combate ao plágio dos trabalhos acadêmicos e, portanto, melhorar o sistema de gerenciamento de riscos internos da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa no que tange a fraudes e plágio nos trabalhos científicos. O uso do software é optativo por parte dos docentes e não há estudos ainda que prevejam a obrigatoriedade deste no futuro. O manual de uso dos instrumentos pode ser acessado no site da empresa do software.

O que pode ser considerado plágio?

O plágio é a apropriação de textos ou de ideias de outros autores como se fossem suas. As autoras Roseclea Duarte Medina, docente do Departamento de Computação Aplicada da UFSM, e Catiane Priscila Barbosa Arenhardt, mestre em Informática pela mesma instituição, expõem alguns exemplos do que pode se configurar plágio, no trabalho publicado na Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, em 2013:

Como o plágio impacta a ciência e o pesquisador

No ambiente acadêmico, plagiar gera consequências que podem deixar marcas nas trajetórias acadêmicas dos pesquisadores, das instituições e até levar a processos judiciais: 

1)  Na trajetória do pesquisador

A primeira consequência é a escassez de reflexão que o pesquisador acumulará em sua trajetória. Isso porque a necessidade de citar autores existe, na produção científica, para que o cientista, a partir de textos já consolidados, crie novas ideias, estudos e argumentações. Quando o plagiador utiliza apenas de reflexões já existentes, pode significar que ele não soube desenvolver ideias próprias com base em seu estudo. Como consequência, ele não estimula o aumento da produção científica, pois apenas está replicando algo já existente. Janaina Gomes, professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM no campus de Frederico Westphalen, menciona que, para ela, a apropriação dessas pesquisas é o mais preocupante: “Trato a questão como algo que fere a própria atividade científica. Ou seja, a pessoa perde a chance de produzir conhecimento novo ou aprender, de forma organizada, com o que já foi produzido”.

Já no autoplágio, o pesquisador consegue refletir sobre o assunto que aborda, porém, é uma jornada única. Janaina explica que o autoplágio segue os problemas éticos do plágio. “Este aluno está sempre rodeando seus próprios conhecimentos adquiridos, nunca avança. Nunca experimenta novas perspectivas. É plágio, e também o manterá preso a ‘certezas’”. Desta forma, a principal consequência para a trajetória do aluno ou pesquisador será a lacuna no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento de pesquisa, visto que quando ele não desenvolve e amplia seus conhecimentos, seguirá com dificuldade de conseguir refletir de forma crítica sobre os temas que escreve, se limita ao básico.

O que está interligado a essas questões é a consequência da conduta na produção científica em geral: uma vez que o pesquisador não evolui em seus pensamentos e na academia, há um prejuízo no próprio campo da pesquisa e na construção do conhecimento científico. Suas obras serão uma mera reprodução já consolidada cientificamente, sem novas contribuições para a área que o cientista atua. Para a professora do Centro de Educação, Cláudia Ribeiro Bellochio, à medida que o plágio se instaura, apenas pelo copiar e colar, ele não produz conhecimento científico. “Todo e qualquer plágio me parece que não produz conhecimento do ponto de vista de uma pesquisa mais aprofundada e em consequência, a construção do conhecimento científico e da ciência fica altamente prejudicado”.

2) No nome do pesquisador e da instituição vinculada

Na música, quando algum artista é acusado de plágio, logo a polêmica vira de conhecimento público, afetando a reputação da celebridade e da sua produção. Como por exemplo, o caso em que a cantora Adele foi notificada por cometimento de plágio na sua música “Million years ago”, pelo cantor brasileiro Toninho Geraes, que ocorreu neste mês de setembro e já viralizou na internet. Na pesquisa, embora sem a excessiva midiatização da indústria musical, não é diferente. Sendo assim, o segundo principal problema elencado é que a conduta, quando descoberta ou denunciada, atribui má fama ao autor no âmbito acadêmico e no seu círculo social de pesquisadores.

Mais que apenas o autor, o plágio “mancha” o nome e status no campo científico dos orientadores, professores e da própria instituição a que a pesquisa está vinculada. Isso porque o plágio é considerado um problema ético, moral e legal. E o aluno que plagia, mal intencionado ou desprovido do conhecimento metodológico necessário, leva o nome destes indivíduos e da universidade quando submete seus trabalhos em congressos, eventos e sites externos à sua instituição.

3) Juridicamente

Entre as consequências jurídicas, a docente do Departamento de Direito e líder do grupo de pesquisa em Propriedade Intelectual na Contemporaneidade, Isabel Christine Silva De Gregori, explica que a Lei 9.610/98, que trata dos direitos de autor, não refere em seu texto a expressão “plágio”. Entretanto, a doutrina especializada – livros e autores com foco em direitos do autor e da propriedade intelectual – entende o plágio como toda forma desautorizada de utilização de obra de terceiro sem indicação do nome do autor. Nesse sentido, a professora explica as consequências jurídicas que podem ser causadas se o autor original se sinta lesado pela ação: “Na esfera civil, o plagiário estará sujeito a sanções cíveis, como retratação pública e indenização pecuniária por dano moral e/ou patrimonial. Na esfera administrativa, as sanções aplicadas poderão acarretar desde a reprovação e até o desligamento da instituição quando o plagiário for estudante e, demissão, no caso de professores/pesquisadores”.

No âmbito do direito penal, a partir de queixa, o plagiário pode responder pelo crime de violação dos direitos autorais pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro, em que violar direitos de autor e os que lhe são conexos pode levar a pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa, porém, o conceito é mais amplo que a ação de plagiar. “Depende da extensão e da forma como o direito do autor foi violado. Os títulos acadêmicos, por exemplo, são documentos públicos e, uma vez tendo sido obtidos por meio da prática de plágio, configuram falsidade ideológica e/ou peculato”, explica a docente.

Já o autoplágio não se enquadra como violação à lei de direitos autorais, mas também pode implicar em consequências jurídicas na prática. Segundo a pesquisadora, “sob ponto de vista jurídico, deverá ser analisado no caso concreto se tal prática gerou vantagens indevidas para o autor”.

Os problemas que vão além da má-conduta

O plágio também precisa ser pensado como a consequência de uma possível dificuldade que o aluno recém chegado enfrenta ao se adaptar ao universo do Ensino Superior – normas, prazos e deveres – e, às vezes, ele pode ocorrer de forma não-intencional, por o autor acreditar que está efetuando a referenciação de forma correta, quando na verdade não está. Ou seja, a entrada no âmbito acadêmico como todo, por ser novo para os alunos, muitas vezes gera a necessidade de um suporte maior no que tange ao envolvimento do aluno com produções científicas. “Nós vamos constatando que as citações são a verdadeira base de autoria em trabalhos científicos somente quando entendemos que a ciência é o acúmulo de experimentos e experiências de pesquisa, historicamente contextualizadas”, explica Janaina Gomes.

João Pedro Souza, ingresso do curso de Jornalismo no primeiro semestre de 2021, relata que, quando entrou no ambiente da pesquisa, sentiu uma grande diferença no que se refere aos padrões de escrita e normas que estava acostumado. Segundo ele, no meio acadêmico, os trabalhos são mais técnicos, a leitura é mais complicada e a linguagem é mais científica do que no Ensino Fundamental e Médio. “Na escola, são ensinados conteúdos básicos e, ao meu ver, não tem um ensino científico. Na universidade, os trabalhos são mais complexos e cheios de padrões, ou seja,  os trabalhos são mais sistemáticos”, explica.

Nesse sentido, é de extrema importância a contribuição dos professores ao entenderem esses desafios e procurar novas soluções para transmitir tal conhecimento. A professora Isabel acredita que “é fundamental que as instituições de Ensino Superior percebam o plágio como uma questão a ser enfrentada através de estratégias pedagógicas e invistam em uma educação voltada para o desenvolvimento científico”.

No mesmo sentido da professora, Esther Costa Farias acredita que é necessária uma atenção maior no ensino das normas acadêmicas e formas de citar para os acadêmicos: “É importante que o discente entenda a escrita acadêmica não apenas como uma atividade para passar em determinada disciplina. Entendo a escrita como um processo denso de formação, em que o resultado da pesquisa deve contribuir para o desenvolvimento da ciência”.

Dicas para citar sem plagiar

Uma citação é utilizada quando se quer mencionar uma ideia ou texto que não é seu, mas é fundamental para embasar um pensamento que você propõe. Elas são importantes, pois a pesquisa funciona de forma contínua, ou seja, cada trabalho é realizado a partir de pontos já estudados e entendidos, a fim de explorar ainda mais o tema. É aí que entram as citações e referências.

São diversos os manuais que padronizam esses processos e explicam como você pode inserir os autores que quer referenciar em seu trabalho sem que a utilização se configure como plágio. No caso da UFSM, o manual utilizado é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Nele, uma série de regras são expostas sobre como formatar, escrever e estruturar artigos, dissertações, teses, trabalhos de conclusão de curso, entre outros. 

Por fim, além de ler as normas, ao estudar metodologia, pesquise também artigos e fique mais próximo da área de pesquisa – entenda na prática a importância das normas estudadas. Isso pode ser feito tanto no âmbito da UFSM, pelo site do Repositório Digital, onde estão anexados os trabalhos de conclusão de curso da Universidade, como em âmbito nacional e internacional, pelo Google Acadêmico, que expõe desde artigos curtos até grandes textos, funcionando através do filtro de palavras; ou por outros repositórios disponíveis e bibliotecas.

Expediente

Repórter: Paula Appolinario, acadêmica de Jornalismo e voluntária

Ilustrador: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista

Mídia Social: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Eloíze Moraes, estagiária de Jornalismo e bolsista; e Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária

Edição de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista

Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas

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