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Professor de Arquivologia da UFSM recebe Prêmio Maria Odila na categoria Tese

Francisco Cougo Júnior foi premiado com a tese "A patrimonialização cultural de arquivos no Brasil", defendida na Universidade Federal de Pelotas



O professor adjunto do Departamento de Arquivologia do Centro de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Francisco Cougo Júnior, foi contemplado com o primeiro lugar na categoria Tese no Prêmio Nacional de Arquivologia. O trabalho vencedor é intitulado “A patrimonialização cultural de arquivos no Brasil”, e foi defendido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A premiação, que ocorreu em dezembro de 2021, é oferecida pelo Arquivo Nacional, órgão que objetiva a gestão do patrimônio documental do país e garante ao cidadão o pleno acesso à informação. 

 

Ilustração de homem branco de óculos de aros pretos e vestindo terno preto mexendo em arquivos de papel. Uma folha diz Prêmio Nacional de Arquivologia Maria Odila Fonseca 2021

O Prêmio Nacional de Arquivologia leva o nome de Maria Odila Fonseca, professora, pesquisadora e contribuidora para o desenvolvimento da Arquivologia no Brasil. Há três categorias que podem ser premiadas: Trabalho Conclusão de Curso (graduação); Dissertação (mestrado) e Tese (doutorado). Conforme o regulamento, para avaliar os trabalhos concorrentes, a Comissão organizadora utiliza critérios como ineditismo na abordagem do tema, além da relevância e contribuição da pesquisa para o desenvolvimento do pensamento crítico na área da Arquivologia.   

  Em seu trabalho de doutorado, Francisco busca compreender como ocorre o processo de conformação do patrimônio cultural arquivístico brasileiro a partir de suas dimensões políticas, sócio-históricas e técnicas. Como apresentado pelo professor, “o estudo busca identificar os agentes sociais envolvidos na patrimonialização, assim como suas práticas, discursos e ações”. É proposto também um debate crítico sobre o processo de patrimonialização de arquivos na contemporaneidade.

Francisco Cougo é Doutor em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (2021), Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010), Bacharel em Arquivologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015) e Graduado em História – Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande (2008). 

Em entrevista para a Revista Arco, o professor Francisco contou sobre o seu trabalho e a importância da premiação.

ARCO: O que motivou você a desenvolver esse projeto? 

Francisco Cougo: O meu movimento de montar um projeto de doutorado, pelo menos naquela fase da minha carreira, se deu por motivações profissionais, de busca por qualificação. Eu não era professor da Universidade naquela ocasião ainda e tinha essa ambição de me tornar professor do ensino superior. 

O projeto original da tese era bastante diferente do projeto final, e eu gosto de falar isso, até porque alguém que lê uma revista como a Arco geralmente circula no meio acadêmico, seja aluno ou professor. Às vezes existe uma idealização, principalmente por parte dos estudantes, sobre a pesquisa, e essa idealização ocorre no sentido de que as pessoas olham uma tese pronta e, mais ainda, uma tese premiada, e pensam que aquilo ali acontece como nos manuais de metodologia, tudo organizadinho, que tudo deu certo, foram cumpridas cada uma daquelas fases – e a vida real não é assim. 

“Eu sou militante de que os nossos trabalhos de pesquisa sejam mais honestos e transparentes com os leitores no sentido de contar também o que não dá certo e as coisas que vão se modificando no caminho”. 

Eu fui bancário entre os anos de 2012 e 2014, atuava como escriturário e trabalhei boa parte desse tempo no arquivo do Banrisul, isso na época em que eu cursava a graduação de Arquivologia. Esse arquivo passou por um processo chamado de externalização, que não é um termo técnico da Arquivologia, é um termo técnico da administração. A externalização nada mais é do que uma terceirização de serviço, só que a terceirização que a gente tá acostumado, por exemplo da limpeza, da manutenção, da portaria, fica a cargo de um trabalhador que vem e atua no espaço em que nós estamos. Já a externalização não é assim: a atividade que acontece em determinada instituição é mandada para uma instituição terceira. Em um certo momento, venderam o prédio em que nós trabalhávamos e externalizaram o serviço – e esse é um fenômeno que tá acontecendo em toda a América Latina. Esse movimento me chamou muito a atenção, de que uma coisa tão importante quanto a gestão de arquivos e a gestão de documentos no âmbito público estivesse sendo repassada para empresas privadas. 

Então eu decidi fazer o meu primeiro projeto sobre isso e fui aprovado no Programa de Pós-Graduação (PPG) de Memória Social e Patrimônio Cultural na UFPel. Eles gostaram do projeto, naquela fase intermediária. Porém, quando fui fazer o doutorado de fato, começamos a discutir o projeto e ficou claro que ele dificilmente poderia ser analisado em um PPG que tem como intuito discutir Memória e Patrimônio, porque eu estava falando de coisas mais ligadas à administração, gestão e ciência da informação. Fiz várias tentativas de buscar uma mudança no projeto sem mudar o objeto da pesquisa e, durante essas tentativas, comecei a fazer muitas leituras a respeito da relação entre patrimônio e arquivos com foco no Brasil. Nesse momento, me dei conta dessa relação, que é muito falada na Arquivologia, que arquivo é patrimônio, que faz parte do Patrimônio Cultural. Essa relação era muito falada e pouco estudada na sua essência e, principalmente, que havia uma lacuna de compreensão. Não só sobre o que é considerado patrimônio arquivístico no Brasil, mas principalmente sobre como conjuntos de documentos comuns do dia a dia se tornam um patrimônio cultural. 

Com essas leituras e esse estudo, dei início a uma pesquisa mais fundamentada e sistematizada, que me levou à compreensão de que mais importante do que estudar o processo de externalização de arquivos — que eu continuo achando muito interessante e agora, como professor, estou prestes a começar um projeto para estudar esse tema .

“Ainda era necessário tentar fazer esse exercício de entender como os documentos do nosso dia a dia, sendo públicos e privados, foram sendo transformados em patrimônio cultural no Brasil”.   

A transformação de documentos do nosso dia a dia em patrimônio começou a me despertar muito interesse e aí eu fiz esse movimento, vi que existem alguns trabalhos que tentam pegar um conjunto de documentos, geralmente de arquivos pessoais, por exemplo, documentos que pertenceram ao presidente Getúlio Vargas, e analisam como foi o processo que levou à transformação daqueles documentos em patrimônio ou qual foi o processo para garantir que aquilo não se perdesse. Existe um trabalho muito interessante do Darcy Ribeiro a respeito desses arquivos, mas não havia ainda um trabalho que abordasse isso do ponto de vista do Estado Nacional Brasileiro. Quis entender como o Brasil, enquanto Estado, país, nação, se mobilizou, mobilizou os seus agentes, suas forças simbólicas, políticas, culturais e dos mais diferentes setores, no sentido de patrimonializar esses arquivos e como foi se criando ao longo do tempo um certo regime de patrimonialização que hoje está mais ou menos constituído. 

Como eu tenho formação dupla, sou arquivista e historiador, eu recorri à História. Busquei antes da chegada da família real portuguesa no Brasil, que é quando começa a haver as primeiras iniciativas de garantir a preservação de determinados documentos, que naquele momento eram vistos como um monumento da história à pátria, até o momento atual, que é um momento super complexo porque envolve essa questão das externalizações. Além disso, traz o digital, que é super complexo, e envolve esse momento que estamos vivendo há alguns anos de austericídio — que é a retirada de um investimento econômico das instituições de cultura, o que nunca foi tão grande, mas agora vive um colapso. 

O que me motivou a fazer esse trabalho foi esse movimento de pesquisar algo, mas vi no meio do caminho que havia uma lacuna a ser preenchida que era muito mais importante do que aquela pesquisa que estava fazendo antes. Acho que o prêmio tem um pouco desse significado. 

“Escrevi um trabalho que eu queria ter lido quando comecei a fazer essas pesquisas. E como eu sou professor, escrevi um trabalho que quero que os meus alunos leiam”.

ARCO: A partir da perspectiva histórica em seu trabalho, como foi desenvolver as buscas sobre a patrimonialização cultural de arquivos no Brasil?

Francisco Cougo: As buscas se dão principalmente a partir das instituições centrais do trabalho. O IPHAN  foi um local de fácil acesso para conseguir os arquivos que eu precisava, na Biblioteca Nacional foi relativamente fácil, o IIHGB tem muita coisa disponível na internet, o que eu precisava do Arquivo Nacional eu consegui a maioria, mas eu tive que pagar por isso, a digitalização é cobrada. A partir disso vem os desafios da busca por documentos mais contemporâneos, e isso é o contraditório, pois quanto mais tu se aproxima da época atual, mais difícil fica de contar a história. Um exemplo é que, a partir de 1971, o Brasil teve a Associação de Arquivistas Brasileiros, que era o grande órgão representativo de arquivistas no país, porém essa associação foi extinta em 2015. Com isso, surge o périplo sobre os documentos da associação. Na teoria, estão no Arquivo Nacional, mas quando fui checar descobri que está dividido entre pessoas que trabalham lá. Outro ponto dificílimo de entender o funcionamento — e eu  não digo isso com orgulho — é sobre o papel dos cursos de graduação em arquivologia, porque esses cursos não têm arquivos  — faço a ressalva de que o curso da UFSM tem um belo arquivo. 

Agora eu acho que vou dar o pior exemplo possível em relação a tudo isso que foi comentado. Ao chegar na parte final do trabalho, eu busquei estabelecer um quadro geral — denominei como esquema interpretativo — a respeito do processo de patrimonialização cultural de arquivo no Brasil hoje. Mapeei as características e os problemas desse esquema e identifiquei que o processo de patrimonialização através da doação de documentos — isso é quando uma entidade ou uma pessoa doa os seus arquivos para uma instituição patrimonializada — ocorreu sem historicamente ter documentação. Ou seja, era chegar, entregar os documentos e não fazer nada em relação a isso, nem mesmo anotar quem foi que doou. Descobri que, em 2015, o Arquivo Nacional criou uma portaria — se não me engano — normatizando como é que deveria ser esse processo. Isso foi só em 2015, o Arquivo Nacional existe desde 1838 e não se tinha isso estabelecido em uma norma. O detalhe é que eu descubro isso através de um anexo de uma tese de doutorado que por algum motivo tratou desse tema. Essa norma não é encontrada no  site do Arquivo Nacional – e olha que falamos de um documento de 2015 e super importante. Eu acho que a pandemia traz um agravante nisso tudo porque estamos passando por um processo de desinstitucionalização aqui no Brasil que impacta diretamente nos arquivos e no acesso à informação pública. Em relação à pandemia, embora eu já estivesse na reta final do trabalho, o formato remoto me impossibilitou de ter acesso a certos documentos que eu queria. Houve uma redução muito grande na carga horária de trabalho das pessoas nos locais em que os documentos estavam, mas acho que não chegou a comprometer o resultado final.

ARCO: O que a sua tese pode trazer ao campo da Arquivologia e para a sociedade em geral em relação a resultados e impactos?

Francisco Cougo: A partir desses impactos, identifiquei dentro da história da patrimonialização cinco atos, que na tese chamei de atos performativos, que são mais ou menos conhecidos da sociedade em geral. Talvez o mais comum seja o ato da aquisição. É quando as instituições que têm potencial de patrimonialização adquirem documentos, comprando, através de doações ou outros mecanismos. Outro ato é conhecido como recolhimento, que no caso esse ato se dá de duas formas. Uma delas é quando acontece compulsoriamente, quando por exemplo uma lei determina, que é o caso dos documentos que foram produzidos e acumulados pela Comissão Nacional da Verdade, que aconteceu a partir de 2011. E existe ainda o recolhimento mediante a avaliação de documentos que é eminentemente arquivístico. Ele ocorre a partir de um procedimento da arquivologia que estabelece tabela de temporalidade para definir prazos de guarda e destino dos documentos. Além da aquisição e do recolhimento, ainda temos outros três atos que também servem para patrimonializar arquivos, como o tombamento, que acho que é o mais popular, que é o mesmo utilizado para casas e objetos, mas que é muito pouco empregado para arquivos. Os outros dois atos, que não são muito conhecidos, é a declaração de interesse público social dos arquivos, que é bem nova, criada em 1991; o outro é o registro de arquivos, como o Programa Memória do Mundo da Unesco, que serve como um reconhecimento do que existe de patrimônio cultural da humanidade. 

Esses cinco atos funcionam com algumas diferenças, tanto nacionalmente, quanto no âmbito de estados e municípios. Entrando nas questões de contribuição e de crítica, eles possuem uma efetividade reduzida. Primeiro porque no Brasil existe uma ausência de políticas públicas para a preservação do patrimônio em geral, mas principalmente do patrimônio arquivístico. Segundo, porque esses atos não são compreendidos pela sociedade e também porque alguns deles têm características que datam de um longo período, como a ausência de critérios claros para definir o que é patrimônio e o que não é. É muito comum que as instituições recebam doações sem ter critérios. 

No fim da tese, eu trago algumas propostas de debates que precisamos ter a partir dessas informações, como a transparência nesse processo de patrimonialização, na pluralização da definição de dados. Hoje, onde estão os negros e a população LGBTQIA+? Eles estão nos arquivos da polícia, historicamente. De certa forma, isso é irreversível. Eu não tenho como voltar atrás, tentar recuperar em algum outro lugar onde eles possam estar e provavelmente eles não estavam em outros lugares, porque não eram alfabetizados, por exemplo. Daqui para frente, nós temos que ter um pensamento a respeito disso, porque isso precisa mudar. Essa população aprendeu a ler, ela ocupa os espaços públicos, produz e gera documentos. 

Minha tese não só traz uma visão histórica como também tenta jogar uma luz para o futuro. Isso diz muito sobre que país nós queremos construir. É uma questão de projeto, de que memória e patrimônios nós queremos ter a nosso respeito. “Pensar o hoje para entender o amanhã”, pode parecer clichê, mas é necessário entender como isso foi feito ao longo do tempo, onde estamos, quais são os problemas e entender porque a sociedade não se mobiliza para buscar esses arquivos. A partir de políticas públicas, como a educação, cultura e tudo mais, é preciso ter um olhar mais abrangente. Uma ambição minha que também faço dentro de sala de aula é diminuir o que eu chamo de arquivotecnia. Essa expressão se refere a um arquivista que não consegue olhar para os problemas da sociedade, por defeito de formação ou qualquer outro motivo, que acaba sendo um operador de instrumentos frios, que continua repercutindo esses critérios dúbios ou patrimonialização das elites. Meu sonho com essa tese é lançar uma luz e mostrar que precisamos estar mais atentos com o que acontece mundo afora. Esse debate hoje, de alguma maneira, já é vencido em alguns lugares.

ARCO: Em relação ao Prêmio Maria Odila Fonseca, o que significa para você ter sido contemplado com o primeiro lugar? 

Francisco Cougo: É uma enorme alegria. Primeiro, porque o prêmio presta homenagem a uma das professoras mais importantes que nós tivemos na Arquivologia no Brasil, que infelizmente nos deixou mais cedo do que gostaríamos, e acho que teria dado contribuições gigantescas, mais do que ela já deu.  É uma honra receber esse prêmio e parece que ele te coloca noutro lugar, né? E isso é muito bom. Da mesma maneira, é um prêmio que vem do Arquivo Nacional, que é uma instituição pela qual a gente nutre uma relação de carinho e até de preocupação. É uma satisfação ser premiado pelo Arquivo Nacional por um prêmio que é julgado por pessoas do mais alto gabarito. Eu sei das qualidades do meu trabalho, mas eu não imaginava que ganharia. Sei também da qualidade de outros trabalhos que foram feitos no mesmo período, de teses muito boas de colegas extremamente talentosos e competentes e eu fiquei muito feliz de ter sido o escolhido. O prêmio também ajuda a difundir o meu trabalho. 

Há ainda outros dois motivos para destacar a importância do prêmio. O primeiro é que eu fiz o meu trabalho estando em um lugar periférico. Eu fiz uma tese num PPG de uma universidade do interior do país, Pelotas. Sou professor de uma universidade da periferia do país. Nós somos da periferia da periferia, porque o centro do país é Rio de Janeiro – São Paulo e, na Arquivologia, é Rio de Janeiro – Brasília. Isso faz de Porto Alegre a periferia e faz de Santa Maria a periferia da periferia. É muito bom pra mim, mas também é muito bom para o curso onde eu trabalho, para os nossos alunos. Recebi muito carinho dos meus colegas e dos nossos estudantes e isso mostra que nós também estamos no jogo. 

Não é uma questão de disputa, mas parece que às vezes é destinado apenas para quem está nos centros, e temos que quebrar essa lógica. O pessoal fica espantado quando eu falo isso, mas eu fiz toda a tese, que o principal objeto de estudo é o Arquivo Nacional, sem nunca ter pisado no Rio de Janeiro. Não digo isso com orgulho, porque eu gostaria de ter ido. Quando chegou a possibilidade de ir, veio a pandemia, mas mostra que é possível fazer grandes pesquisas de caráter nacional estando aqui. Eu sou a favor de que a gente pesquise a região e acho que a UFSM tem que cumprir esse papel, mas nós não podemos ficar só regionalizados, a gente tem que abrir nosso horizonte e pesquisar o país, e dar contribuições ao país. Não posso ficar esperando que só Rio, São Paulo fale o que é o Brasil. Eu tenho que falar o que é o Brasil também. Eu comprei o desafio, escrevi uma tese de quase quinhentas páginas, foi uma loucura, o recorte temporal que eu fiz deu trabalho, e isso me deixa feliz. Já fui chamado em vários lugares pra discutir a tese, mas o prêmio chancela isso, sabe? O prêmio te coloca na vitrine, e eu acho muito importante isso.

ARCO: Os cortes de verbas para as áreas de pesquisa brasileira têm afetado o desenvolvimento científico no país. Qual a importância de uma premiação como essa neste momento? E o que pode ser feito para obtermos um maior reconhecimento da ciência – principalmente as sociais e humanas?

Francisco Cougo: Que bom que teve essa pergunta porque eu acho ela bastante importante. Esses cortes fazem parte de um projeto que se intensificou nos últimos anos, é um projeto muito perverso que nos últimos trinta anos desconsidera cada vez mais as Ciências Sociais e Humanas. Não há relato de país que tenha se desenvolvido só com as engenharias, só com as áreas médicas. O desenvolvimento tem que ser integrado. Eu não posso te dar um depoimento de ter sido atingido por isso. Porque quando eu fui fazer o doutorado, eu era professor da rede pública estadual, tinha meu salário parcelado e ganhava uma miséria, mas poucos meses depois eu me tornei professor da Universidade e a minha vida econômica ficou mais confortável e eu consegui fazer o trabalho. Não tive bolsa. Não precisei, até tinha o direito, porque eu passei em primeiro lugar na seleção, mas eu abri mão porque havia colegas que precisavam mais do que eu. Eu estava empregado e consegui desenvolver o projeto. 

Evidentemente eu gastei um dinheiro enorme. O dinheiro do prêmio, que são dez mil reais, preenche, talvez, um terço do que eu gastei. Houve pedido de documentos, cada digitalização que faziam para mim era 250 reais. Comprei livros, alguns raros, porque não estavam disponíveis em nenhum lugar. O jeito era comprar, participar de leilões de espólio, de pessoas que haviam morrido e lá teria um livro que seria importante. O prêmio é fruto desse esforço. Evidentemente, eu fiz porque eu quis, poderia ter feito outra tese. Uma pessoa sem as minhas condições financeiras de um professor do ensino superior não teria conseguido fazer esse trabalho. E isso já é um sinal de injustiça que nós estamos vivendo. O prêmio é em dinheiro e o Arquivo Nacional assume o compromisso em publicar o livro como e-book. 

Falamos muito em pós-graduação, que é um setor de suma importância, e que está pagando todos os pecados que possa ter com esses cortes, mas também é dramática a dificuldade de financiar pesquisa na graduação. Se for para colocar estudante estagiário dentro da universidade, a gente consegue bolsa, mas se o estudante tiver que participar de um projeto de pesquisa, leitura sistemática, fazer fichamento, para ir a arquivos, levantar documentos, fazer entrevistas, é muito mais difícil. As verbas são diminutas e isso cria um garrote na pesquisa, porque o sujeito não será atraído para esse ramo. O Brasil precisa se reencontrar com a importância das Ciências Sociais e Humanas. E também destaco que as Ciências Sociais e Humanas precisam entender mais o seu papel no país.

                  

“Nós precisamos pesquisar Arquivologia no Brasil. Não que não se faça pesquisa no país, mas ela é muito tímida e precisa ser de grande porte. Entender que os arquivos têm um papel invisível, mas fundamental na sociedade”.

ARCO: Gostaria de acrescentar mais alguma coisa que não foi perguntado?

Francisco Cougo: Acho importante ressaltar, focando nos meus alunos que irão ler a entrevista aqui na Arco: nós precisamos pesquisar Arquivologia no Brasil. Não que não se faça pesquisa no país, mas ela é muito tímida e precisa ser de grande porte. Entender que os arquivos têm um papel invisível, mas fundamental na sociedade. Não é só o papel da memória, do patrimônio, até porque cada vez amplia-se a área. Vivemos numa sociedade de dados, da informação, das conexões rápidas e nós temos um papal a cumprir nisso. Eu espero que tudo isso que está acontecendo em decorrência do prêmio, como essa entrevista, possa servir de incentivo para o pessoal que está no início da jornada. Devemos entender que sim, temos que organizar arquivos, mas também precisamos destinar uma parte dos nossos esforços para entender como isso funciona. Até porque estamos repetindo métodos, técnicas e ideias há 70 anos, sem muitas vezes problematizar  de onde elas vêm. 

Expediente:
Reportagem: Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário
Design Gráfico: Renata Costa, acadêmica de Produção Editorial e bolsista;
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.
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