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Além da rotina



Alberi dedica uma vida à Universidade, de segunda a segunda, 24 horas por dia.

Jéssica Ribeiro – ribeirojessica77@gmail.com
Kelem Freitas Duarte – kelemdf@gmail.com

Na casa simples de cor azul, o caseiro sonhador faz planos para o futuro. Já próximo da aposentadoria, cultua um sonho da mesma cor, a vontade de seu Alberi é morar “perto de água e pescar”. Leva uma vida humilde, porém, tem seu diferencial: o que é um centro de estudos, pesquisas e experimentos para muitos, a ele representa sua própria moradia.

Todos os anos cerca de cinco mil alunos ingressam na Universidade com o objetivo de concluir uma graduação, curso técnico ou pós-graduação. Seja em sala de aula, laboratório ou em outros tantos espaços disponíveis para o aprendizado. Assim, é a rotina da maioria das instituições, e na UFSM não é diferente. A cada semestre observamos e nos encantamos com novos rostos, sonhos e perspectivas. No entanto, há quem permaneça na Universidade por um período maior de tempo, como os professores e servidores, mas há também, aqueles que vivem no Campus. Esse é o caso de Alberi Francisco Barbosa, 51 anos, caseiro do Departamento da Zootecnia, que há 15 anos reside na UFSM.

Com a perda da mãe aos quatro anos de idade, seu Alberi viu sua vida mudar e passou a viver apenas com o pai. Aos sete, outra grande mudança aconteceu, foi morar em Porto Alegre. Voltou à terra natal, Santa Maria, com 17 anos, quando casou-se pela primeira vez. Aos 18 encontrou a possibilidade de entrar na Universidade, mas de um jeito diferente: não para estudar, mas para trabalhar. Inicialmente, Alberi acompanhava como motorista os mestrandos e doutorandos do curso de Zootecnia em viagens de estudos. Nesta função, ele viu a necessidade de morar mais próximo do trabalho. E a proximidade foi tanta que Alberi encontrou no próprio Campus um lar para residir. Mudou-se, então, com a esposa e o filho, inicialmente para uma casa próximo ao Cefd, e, hoje, já soma 33 anos de dedicação à Universidade.

Algumas concepções mudaram ao longo do tempo, pois o motorista que carregava zootecnistas, agora, trabalha em outro Departamento da UFSM. A fim de auxiliar nas aulas práticas de regulagem e implemento de máquinas agrícolas ele foi “emprestado’’ a outro setor. Atualmente, integra a equipe do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas (Nema). Alberi é operador de máquinas, o que lhe proporciona o contato direto com os alunos. Através de pesquisas de campo e trabalhos em sala de aula, interage com mestrandos e doutorandos. Esse contato é um dos diferenciais que impulsionam o caseiro: “Aqui a gente tem uma segunda família. Entre funcionários, professores e alunos […] todo mundo se dá bem, se trata bem. A convivência é muito boa e a gente tem até gosto de trabalhar. Aqui a gente não tem do que se queixar, é tudo tranquilo. É uma mania do setor, isso já foi implantado pelos professores antigos”.

Além disso, seu Alberi desempenha outra função na Universidade, no Laboratório de Avicultura, onde é responsável pelo funcionamento correto de um gerador. O caseiro tem apenas 40 minutos para reestabelecer a energia elétrica do setor em caso de queda de luz, para que os animais não sejam prejudicados. Esta ocupação faz com que ele pouco se desloque para outras regiões da cidade, pois o plantão é contínuo: de segunda a segunda. Este se tornou um dos motivos para a sua permanência no Campus, mas isso não parece um empecilho ou desgaste para ele. A sua rotina diária se confunde com a dos estudantes e servidores da UFSM, pois passa 24 horas envolvido no trabalho.

Apesar de viver em um lugar que oferece educação de nível superior, seu Alberi possui somente ensino médio. Com simplicidade, se mostra uma pessoa serena e que almeja apenas o sossego. Satisfeito com a vida que leva, ele diz que a melhor oportunidade que teve em sua vida foi morar na Universidade. E reconhece que com a escolaridade que possui não haveria como ambicionar muito mais do que conquistou: “Nunca joguei nada para ter esse desejo de ficar rico, porque com segundo grau tu não enriquece”.

Ao lado do Laboratório da Cunicultura (nutrição e manejo de coelhos), fica localizada a atual residência de seu Alberi, onde moram também sua atual esposa e seu filho, de 16 anos. O caseiro tem a Universidade como pátio da residência, de onde pode observar a movimentação dos alunos que circulam pelos Laboratórios ali próximos. Seu sonho jamais foi ter posses materiais, mas sim poder desfrutar de um lugar tranquilo para que possa aproveitar a vida, como a beira de um rio, açude ou até mesmo a imensidão do mar.

Bastidores da .txt

Na tarde quente de quinta-feira, dia 02 de maio, seu Alberi nos recebeu no prédio do Nema (Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas), local onde trabalha. Embaixo das árvores, ao lado prédio, o operador de máquinas reservou algum tempo da sua tarde para nos atender.

Reparamos, então, que, quando a pauta foi sugerida, tínhamos pré-estabelecido um estereótipo de quem trabalha como caseiro. Mas, quando encontramos seu Alberi, podemos observar que ele não correspondia às características imaginadas, algo que não comprometeria a matéria, pois suas histórias prevaleceriam sobre isso.

A ideia para o perfil surgiu do interesse em contar a história de pessoas que vivem na UFSM. Pois, nós, como estudantes, normalmente costumamos ficar entre 4 e 5 anos na instituição, onde  aprendemos os conhecimentos necessários à vida e seguimos nosso caminho profissional. Porém, através dessa pauta, pudemos refletir sobre aquelas pessoas que permanecem integralmente na instituição desempenhando várias atividades importantes.

Em apurações para outras matérias feitas durante o curso, tivemos contato com zeladores que residiam na Universidade. Tais pessoas despertaram-nos curiosidade, pela possibilidade de terem histórias de vidas que pudessem ser compartilhadas com o público. São exemplos de pessoas que mesmo anônimas têm muito a contribuir para o funcionamento correto da nossa Universidade.

Durante a análise das edições anteriores da revista, notamos que pautas desse cunho não haviam sido abordadas ou, pelo menos, não com esse foco. Vimos, então, que na edição 17 da .txt esta pauta poderia ser  apurada. A escolha de seu Alberi como fonte surgiu através de contatos com alunos do curso de Zootecnia, que já haviam trabalhado com ele. Foi de fundamental importância as referências desses alunos, que destacaram a personalidade do caseiro: uma pessoa tranquila, acessível e muito simples.

Através da entrevista, conseguimos obter todas as informações que serviram como base para a matéria. Em conversa descontraída, ele contou-nos detalhes sobre o trabalho e a sua rotina dentro da Universidade, além de nos fornecer informações sobre sua história pessoal.

Aprendemos com seu Alberi, não só um modo de vida dentro da UFSM, mas também pudemos conhecer como funciona o dia-a-dia dos caseiros que dedicam a sua vida para atender o público universitário. A Universidade para nós (estudantes) é uma fase na vida em que decidimos o que queremos para o nosso futuro, mas para as pessoas que vivem nela, e que dela sobrevivem, representa o seu presente.

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