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A insegurança também mora aqui



REPORTAGEM: CALINE GAMBIN, MAYARA SOUTO E MIRELLA JOELS

Chovia, não tinha ninguém passando pelos blocos, estava caindo uma tempestade na hora. Fui tomar banho no banheiro do meu bloco. Quando já estava terminando, olhei pra cima para pegar minhas coisas, que estavam na divisória do box, e vi um celular. A princípio, pensei que fosse alguém que esperava um telefonema ou escutaria música. Depois, percebi que aquele celular estava virado para mim. Aí me assustei, me vesti, coloquei o meu roupão e sai do box. Foi quando dei de cara com o homem que me filmava, ou tirava fotos, com o celular. Não tive nenhuma reação na hora, só fui para casa e falei para minha colega de quarto.

Fotografia: divulgação

O relato é de J.U, vítima de assédio no banheiro de seu bloco na Casa do Estudante (CEU) do campus sede da UFSM, e foi um dos precursores na discussão sobre a segurança. A partir disso, acadêmicos passaram a conviver com a insegurança que circunda os corredores da Casa. Um grupo fechado no Facebook dos moradores da CEU II virou uma ferramenta  para estudantes denunciarem e alertarem os assédios e tentativas de furto que ocorrem no local. Foi através dessa rede social de comunicação, que se começou a ter ciência dos assédios que aconteciam dentro dos banheiros, como o de J.U., e a busca por quem os cometia. Além disso, também foram compartilhados no grupo vários casos de furto e tentativas de arrombamento das portas.

Um desses casos, foi o roubo da bicicleta de Diogo Nardi, no 3º andar do bloco 15, onde mora. O estudante de Engenharia Elétrica saiu para a aula por volta das 13h30 e, quando retornou, às 17h30, não encontrou sua bicicleta. Ao perceber que se tratava de um furto, chamou os vigilantes que prestam serviço para a Universidade e solicitou o registro de um Boletim Interno (BI). Num primeiro momento, seu pedido foi negado e só com muita insistência os seguranças registraram a queixa. No outro dia, o estudante fez um Boletim de Ocorrência (BO) na Polícia Civil (PC). Com o documento em mãos, pediu para olhar as imagens captadas pelas câmeras de segurança instaladas em volta do prédio. Diogo considerava que seria fácil a identificação da sua bicicleta, que diferentemente das outras do bloco, tinha suspensão na frente e atrás. Mas apenas o vigilante pôde ter acesso às filmagens e, ao assisti-las, relatou que não identificou qualquer furto.

Diogo considera que há falta de preparo dos vigilantes e afirma ter sofrido negligência no atendimento: “O vigilante disse que não faria o registro do furto, pois não era sua obrigação. Foi assim também quando tentei registrar na Polícia Civil e o cara me disse que era para ir à Polícia Federal. Mas a bicicleta era minha, não da UFSM”, detalha o acadêmico.

Na semana seguinte, as vizinhas de Diogo tiveram seu apartamento invadido. A acadêmica de Filosofia, Jéssica Ribas, estava em casa, acompanhada da sua colega de quarto, quando ouviram um barulho. Elas se depararam com um homem dentro do apartamento, que fugiu assim que as viu. “Eu saí para correr atrás dele e ele começou a correr também”, relatou a estudante. A primeira reação de Jéssica foi informar a uma das responsáveis pela Diretoria da Casa que tinha visto o suposto “tarado” que filmou J.U. O homem até chegou a ser localizado pelas estudantes e levado ao posto dos seguranças, mas quando questionado sobre o ocorrido, alegou que não havia roubado nada. Segundo Jéssica, ele tentou se justificar e, conforme percebia que a história não era convincente, contava outra versão. As vítimas relataram que ao contatar a Polícia Militar (PM), os policiais invalidaram o ocorrido sob o argumento de que a culpa seria das estudantes, que haviam deixado a porta do apartamento apenas encostada.

Fotografia: divulgação

Uma semana depois, ocorreu um caso curioso no bloco ao lado. Desta vez, uma pessoa escalou a parede de um banheiro de acessibilidade, passou por uma pequena abertura e roubou a bicicleta de G.F. Ela mora no apartamento em frente, e é a única que tem acesso a esse banheiro. Como apenas ela possui a chave, julgava ser um local seguro e usava o espaço para guardar sua bicicleta. Durante o furto, G.F. estava no seu quarto e ouviu barulhos de objetos que caíam. Com medo, não quis intervir. Contudo, quando notou que não havia mais ninguém, avisou os vigilantes, que, segundo ela, fizeram pouco caso da situação: “Por ser final de semana, o prédio estava bem vazio. Eu fui chamar os guardas, mas ninguém atendeu, ninguém quis nem anotar o número do apartamento”, afirma.

A acadêmica pediu, então, orientação à Polícia, que deslocou viaturas até a UFSM para registrar o BO. Ao contrário do caso de Diogo, desta vez as câmeras de segurança capturaram o momento do furto. Pela baixa qualidade das imagens, só foi possível ver a movimentação de um vulto, que entrou no bloco do apartamento da jovem e saiu sete minutos depois, pedalando a bicicleta.

G.F. também diz já ter encontrado no banheiro de seu bloco o homem que é chamado pelos alunos de “o tarado”. Ela concluiu isso após perceber que as características e o horário se aproximavam aos que foram relatados por uma vítima.

Quando o apartamento de Jéssica foi invadido, na semana anterior, G.F. e J.U. foram tentar identificar se o homem detido por invasão era o “tarado”. Entretanto, o suspeito não foi reconhecido como tal e, após horas de discussão se ele seria levado ou não para a delegacia, o homem foi liberado pela polícia.

Segurança e jurisdição no Campus

A CEU II é a moradia dos estudantes que declaram carência econômica e é composta por cinco prédios divididos em blocos, com apartamentos de seis, quatro e dois lugares. Os prédios 30, 40 e 50 têm apartamentos para quatro ou seis pessoas, e incluem banheiros. Já nos de número 10 e 20 há pequenos quartos de duas pessoas e um banheiro coletivo por andar. Não há portas nas entradas, então, há livre circulação de pessoas estranhas nos blocos. Isso acontece principalmente nos primeiros edifícios, onde ocorreram os casos.

Conforme dados do secretário geral do Gabinete do Reitor, Marionaldo Ferreira, dos 230 vigilantes que trabalham na UFSM, 42 são concursados; os demais são terceirizados contratados pela empresa “Vigillare Sistemas de Monitoramento”. Os profissionais atuam em postos de vigilância espalhados pelo Campus, inclusive em frente à CEU II. Todavia, mesmo com a proximidade, os alunos relatam a indiferença dos vigilantes diante das necessidades de segurança nos prédios da Casa do Estudante.

Fotografia: divulgação

A UFSM conta, também, com o monitoramento de 210 câmeras: 88 móveis e 122 fixas. Segundo o chefe de vigilância, Simões, atualmente três delas não funcionam e estão em reparo. Os estudantes, entretanto, defendem que esta também não é uma medida efetiva devido à baixa qualidade das imagens captadas.

O chefe da Vigilância da UFSM, Eduíno Simões, explica que “a função dos vigilantes é a segurança patrimonial, ou seja, ela não envolve pessoas. O que a gente faz é um extra, mas não é obrigação nossa”. Como não integram a definição de “patrimônio” da Universidade, a segurança aos estudantes não existe oficialmente. Em casos de furto, o vigilante é instruído a fazer um Boletim Interno, no qual são registrados todos os ocorridos de seu turno de serviço. Posteriormente, os registros são repassados ao superior e faz-se um levantamento de tudo que aconteceu na Universidade quinzenalmente. Se for da vontade da vítima que haja uma investigação, ela pode acionar a PM ou fazer um BO.

Como não compete aos guardas agir diretamente contra o criminoso, surge o questionamento: qual órgão oficial da área de segurança pode interferir nessas situações? O delegado da 4ª Delegacia de Polícia de Santa Maria – Camobi, Antonio Firmino, que atende aos chamados feitos pelos estudantes que moram no Campus, diz que: “a Polícia Federal pode interferir em crimes de interesse da União, por exemplo, se alguém furta um bem da universidade. O resto não é território federal, é um território comum. Tanto a Polícia Militar, quanto a Polícia Civil podem ir lá”.

Nos casos de furto ou assédio, é dever da Polícia Militar se deslocar até o local e relatar o ocorrido à Polícia Civil. Firmino esclarece que a vítima deve registrar o Boletim de Ocorrência para dar início à investigação do crime, pois a Polícia não tem acesso ao Boletim Interno realizado pela segurança do Campus. Além disso, o B.O. não garante o direito à vítima de acessar as imagens das câmeras de vigilância da universidade. Quem pode assisti-las é a Polícia, enquanto investiga. Segundo o delegado, a ocorrência registrada por Jéssica é considerada um crime de violação de domicílio, e a pena é detenção de um a três anos.

Se um homicídio fosse cometido dentro da instituição, o responsável seria culpado e a Universidade poderia pagar indenização pela falta de proteção. “Em princípio, a UFSM deveria oferecer segurança ali dentro”, declara o delegado.

Já o secretário geral do Gabinete do Reitor, Marionaldo Ferreira, afirmou que a Universidade tem dever de cuidar da educação e não de zelar pela segurança dos alunos: “O estatuto da Universidade não toca nessa questão de segurança, o estatuto é geral. Nós não garantimos a segurança”. Quanto à possível criação de um projeto interno de segurança, Marionaldo diz que são promovidas palestras educativas para os vigilantes, e ele acredita que essa seja a única medida ao alcance da UFSM: “nós estamos fazendo reuniões com a empresa Vigillare, porque é um processo educativo do servidor vigilante, e também tem que ser um processo educativo com a comunidade”.

Soluções apontadas e prazos

Quem defende os interesses dos moradores da casa são os responsáveis pela Diretoria da CEU II que, em conjunto com os órgãos reitores da Universidade e as vítimas, começaram a pensar em medidas reais e eficazes.

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) sugeriu a colocação de portas de vidro com travas de emergência no hall de entrada dos prédios, além de câmeras em cada bloco e sistemas de interfone. O horário de fechamento das portas seria definido pelos estudantes de cada bloco. Haverá, também, a colocação de tijolos perfurados em cima das portas dos banheiros, chamados cogobós, que garantem a ventilação higiênica e dificultam a visão de quem tenta “espiar” de fora. A Diretoria da CEU II convocou assembleias para a votação dessas sugestões, que foram acatadas pelos moradores.

Alguns alunos, entretanto, não aprovaram a instalação das câmeras. Segundo Emileidi Gonçalves e Jeison de Paula, membros da Diretoria da Casa do Estudante, a ideia era manter as filmagens em arquivos, e o acesso a elas só seria liberado quando necessário. Mesmo assim, foi argumentado contra a medida: “alguns moradores dizem que se sentiriam ‘presos’ com as câmeras no corredores”, afirmou Emileidi. Então, chegou-se ao consenso das câmeras não ficarem voltadas para o corredor, e sim, para o lado da rua, por ser considerada uma medida menos repressiva.

Mas as melhorias sugeridas pela Prae, como as portas de vidro e interfones, vão demorar para sair do papel. O integrante da Coordenadoria de Planejamento Acadêmico (Copa) da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), Benoine Josué Poll, diz que, em um primeiro momento, é necessário fazer um levantamento das condições das portas em cada bloco da CEU II, de modo a orçar os custos para uniformizá-las seguindo o planejamento de prevenção de incêndio. Após essa verificação, será necessário elaborar um edital para só então começar as reformas. A previsão de Poll é de que todas as etapas desse processo aconteçam ainda este ano, em um prazo de três ou quatro meses. Segundo a Prae, o pedido para licitação já foi encaminhado, e deve demorar cerca de 90 dias para ser finalizado.

O Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, Clayton Hillig, reforça que o Projeto de Segurança da UFSM é patrimonial: “essa situação está mais vinculada a legislação de forma geral, do que propriamente a um estatuto específico  de dentro da Instituição.”. A respeito da segurança dos alunos, Hilling afirma: “a liberdade e a segurança são antagônicas, quanto mais segurança tiver menos liberdade tu vai ter.”.

O chefe de Vigilância, Eduíno Simões, afirma que a UFSM vai investir na ampliação e melhoria dos equipamentos de segurança no Campus. Uma das medidas é a substituição das câmeras de segurança que, segundo ele, têm baixa resolução. O projeto, desenvolvido em parceria com a empresa Vigillare, iniciará em setembro deste ano.

Os estudantes que integram a Diretoria da CEU II pretendem promover um fórum para discutir questões de segurança no campus, e sugerem a criação de um projeto institucional de segurança. Eles afirmam: “A estrutura física muda, mas se o projeto de segurança for bem aplicado, ele pode durar anos”. As atividades iniciarão após a resolução das medidas estruturais.

Enquanto os moradores aguardam as prometidas reformas, o clima na CEU II é de preocupação. Jéssica não fica mais em casa com a porta destrancada, G.F não passa mais os finais de semana no campus, e várias meninas convivem com o medo de tomar banho ou até mesmo de ir ao banheiro. Entre o receio de estar na CEU e a expectativa de ver as promessas concretizadas, G.F desabafa: “embora a UFSM saiba o que está acontecendo e as licitações para auxiliar na segurança ainda possam demorar muito tempo, espero que essa situação se resolva ou que, ao menos, possa ir ao banheiro sem medo”.

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