Precarização do Teatro Caixa Preta impacta na formação dos estudantes das Artes
Fundado em 1988, o Teatro Caixa Preta é um espaço artístico que integra o Centro de Artes e Letras (CAL) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Idealizado no modelo black box (caixa preta), conta com uma estrutura totalmente modulável, o que proporciona maior versatilidade e liberdade criativa na construção do espetáculo e na configuração do palco. O Caixa Preta recebe espetáculos de conclusão de curso e abriga atividades de ensino e pesquisa cênica, como aulas, ensaios e práticas laboratoriais associadas aos cursos de Artes Cênicas, Teatro, Música Licenciatura, Bacharelado, Música e Tecnologia, Artes Visuais e Dança Licenciatura e Bacharelado.
Após quatro anos fechado, em 2023 o espaço passou por reparos e manutenções para que pudesse retomar suas atividades artístico-pedagógicas e atender às demandas dos estudantes. A coordenadora do Teatro Caixa Preta, Raquel Guerra, conta que o local integra o currículo dos cursos de artes do CAL para atividades acadêmicas e extensionistas. Raquel explica que o espaço cultural é um lugar que tem uma vida e é como uma casa: “é que nem a tua casa. Tu tem que limpar todo dia, tem que cuidar da tua casa do dia. E o espaço cultural também é isso. Ele precisa de manutenção constante. Quando ele está fechado, essa manutenção além de não existir, ela só vai piorando”.
Ocupar o espaço tornou-se um desafio para os estudantes do Centro de Artes e Letras, devido às reivindicações e ao crescimento dos cursos do CAL, associado à saída da graduação em Dança Licenciatura do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD). A coordenação do Caixa refere que a prioridade de uso é para trabalhos de conclusão de curso performáticos – ou seja, que contam com apresentação artística. Ainda assim, estudantes dos cursos de Dança enfrentam empecilhos para reservar o espaço.
A bacharela em Dança, Anna Beatriz Souza, apresentou seu trabalho de conclusão de curso no Teatro Caixa Preta com a colega Jéssica da Silva em novembro de 2024. Anna conta que seu orientador já previa que as alunas enfrentariam impasses para reservar uma data no Caixa e que foi necessária muita insistência para que conseguissem utilizar o espaço. Enquanto formandas em Dança Bacharelado, aquela poderia ser a única oportunidade de se apresentarem no local: “desde o início do curso nos foi dito que, pelo menos, o nosso trabalho de formatura poderia ser apresentado no Caixa, o que não é verdade, porque muitas colegas nossas não conseguiram apresentar no Caixa”, cita a artista.

As dificuldades em reservar o Caixa Preta ao longo do curso também acarretaram em barreiras para montar o espetáculo. Anna Beatriz reforça que idealizar uma obra exclusivamente dentro da sala de aula prejudica o processo de montagem: “a sala de aula não é própria para que a gente pense o espetáculo, […] porque não tem o tamanho, a estrutura e os elementos necessários para que a gente consiga pensar ou fazer um espetáculo lá dentro”.
O curso de Dança Licenciatura integrava o CEFD até 2024, o que prejudicava o acesso dos acadêmicos ao Teatro. Assim, espetáculos e coreografias associadas ao curso e às disciplinas eram restritas ao Complexo Didático Artístico (CDA), um espaço não-convencional para pensar dança e performance pois, apesar de pensado para receber apresentações, não segue o formato tradicional de palco italiano – em estilo auditório. Como a caixa cênica do CDA não é pré-montada e tão estruturada , espetáculos no complexo implicam em ter alguém para adaptar a estrutura.
Em seis anos de graduação, a egressa do curso de Dança Licenciatura, Esther Ávila, nunca se apresentou no Caixa Preta. Ela reflete que o curso, por ter maior foco na parte pedagógica, não gerava oportunidades de performance por parte dos alunos: “depois de um tempo, eu me sentia só professora. Ser artista já não era mais uma coisa tão importante no curso (…) Mas, para eu estar numa licenciatura em arte, primordialmente, é porque eu sou artista. Porque eu quero estudar arte e fazer arte, para poder ensinar isso também”.
Os estudantes que seguem no curso reforçam as percepções sobre ser artista e o local da dança. Lauren Diel, formanda da Licenciatura em Dança, relata que a mudança de centro evidencia que a transformação na forma como a dança é vista e quais lugares ocupa são fatores determinantes para saber onde ela deve estar. Para a artista, a Dança é um curso das Artes da Cena, como todos os outros, e não uma modalidade de esporte.

Segundo o diretor do Centro de Artes e Letras, Gil Negreiros, a transição da licenciatura do CEFD para o CAL é uma correção histórica: “não tem fundamento você abrir dois cursos de Dança e cada curso ficar em um Centro, sendo que a dança é uma arte”. Ele destaca que a Arte não é só diversão e entretenimento, mas sim, objeto de pesquisa. Por isso, a necessidade de fornecer aos estudantes a infraestrutura necessária para potencializar suas pesquisas, seja dentro do Caixa Preta ou em novos espaços.
A direção de centro elucida que o Teatro Caixa Preta tem um grande espaço pedagógico dentro do CAL e é primordial para a formação dos artistas da Universidade. Dessa forma, o Centro pretende reformar outros espaços até o final do ano, a fim de comportar performances e ensaios, como uma forma de aliviar a demanda do Caixa e garantir que todos os discentes possam utilizá-lo durante sua passagem pela UFSM. A retomada do funcionamento do Teatro é um ganho imenso para os estudantes e para a comunidade externa: “o CAL precisa de muitos espaços. O artista precisa do espaço “, destaca Gil. Ao fechar um local artístico-cultural, ele começa a se desmanchar e, para o artista, é essencial estar em cena – e é necessário cuidar do palco como quem cuida da própria casa.
Repórter: Julia Zucchetto