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Quando chove lá fora



Escuto o barulho nas telhas, vejo clarões lá longe, sinto o vento começar a apertar. Acho que vai chover, diz minha melhor amiga, Helena, e minhas pernas começam a tremer. Me forço a sorrir e continuar com o assunto que estávamos conversando ― a prova de matemática de amanhã, que achamos complicada.

Mas minha cabeça volta naquele começo de maio que mudou tudo. 

Helena vai embora antes que a chuva aperte e eu fico em casa sozinha. Bem, sozinha não… eu e minha amiga chuva. Minha respiração começa a falhar, minhas mãos começam a suar. De novo, não… De novo, não, eu penso. Mas não tem o que fazer. 

Minha cabeça volta naquele começo de maio que mudou tudo. 

Estava em casa, depois da escola, brincando com minha irmã mais nova, quando começou a chover. Só víamos os raios pela janela e o vento nas árvores. Minha mãe mandou a gente para o banho, antes que faltasse luz ou água (ou os dois) ― porque aqui sempre falta luz ou água (ou os dois), quando chove. 

Conseguimos tomar banho aquele dia. Também foi o último dia naquela semana que conseguimos tomar banho. Na madrugada daquele começo de maio, a luz caiu. Acordei assustada, com a chuva batendo forte na janela e só os relâmpagos iluminando o quarto. Voltei a dormir ― ou pelo menos tentei.  No outro dia parecia tudo igual. Os outros dias pareciam todos iguais. 

Chuva forte (muita chuva) batendo na janela e vento, (muito vento). 

Chuva forte (muita chuva) batendo na janela e vento, (muito vento). 

Parecia que nada mudava, um loop infinito de chuva e vento. Algumas horas o sinal voltava e minha mãe, preocupada, conseguia falar com alguém. Naquelas ligações rápidas, conseguimos falar com meu pai. 

Ele não tinha voltado do trabalho desde o dia em que a chuva tinha chegado. 

Ele nos falou para ficar em casa, que estava muito ruim na rua. Algumas casas próximas ao rio estavam sendo arrastadas pela água. Eu amo vocês, foi a última coisa que ouvimos antes da ligação cair. 

Ele não voltou do trabalho desde o dia em que a chuva chegou.

Aquelas lembranças, daquele começo de maio que mudou tudo, vinham na minha cabeça sempre que chovia. Não contei para ninguém. Nem a minha mãe, nem a minha avó, nem a minha irmã… Contei somente ao meu pai. Sempre que chovia, eu pensava nele. E acabava chovendo junto.

Meu pai amava chuva. Ele cresceu na roça, ajudando meus avós e os cinco irmãos a plantar e a colher. Chuva, para eles, era bênção. Para nós, agora, é terror. 

Terror de abrir os olhos e ver a água caindo sem parar. 

Terror de ver o rio transbordar. 

Terror de não ter onde parar. 

Terror de, de novo, mais alguém não voltar. 

Naquele dia, no entanto, a chuva não veio. O barulho nas telhas acalmou, os clarões pararam e o vento descansou. Eu respirei aliviada. Se não chovia lá fora, não chovia aqui dentro. 

Era hora de voltar a pensar na prova de matemática. 

 

Por Bruna Einecke | Bolsista PET Educom Clima

*Essa crônica foi inspirada na vivência de uma pessoa afetada pelas enchentes. 

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