Durante muito tempo, os povos indígenas foram mantidos à margem das instituições de ensino superior no Brasil. Hoje, esse cenário começa a mudar. Com passos firmes e objetivos claros, estudantes indígenas têm ocupado espaços nas universidades públicas, trazendo consigo saberes, vivências e perspectivas que enriquecem o ambiente acadêmico. Sua presença não apenas amplia o acesso à educação, mas também convida a universidade a repensar suas estruturas, suas práticas e seus próprios sentidos.
Eles não vieram só para aprender o que está no currículo. Vieram para relembrar que o conhecimento não é monopólio de ninguém. Que sabedoria também é saber escutar a mata, decifrar o tempo pelas nuvens, ler o mundo pelas marcas do chão. Vieram para mostrar que os saberes ancestrais e a ciência podem caminhar juntos. Que a terra não é recurso, é parente.

A universidade, que por muito tempo foi marcada por uma lógica eurocêntrica e excludente, ganha novas perspectivas a partir da diversidade de experiências, línguas, visões de mundo e formas de conhecimento trazidas por esses estudantes. A presença indígena amplia o diálogo intercultural, quebra estereótipos e desafia os padrões estabelecidos, promovendo uma educação mais crítica, reflexiva e conectada com a realidade brasileira.
Em abril de 2024, um marco importante aconteceu em Frederico Westphalen: formou-se a primeira turma de Licenciatura em Educação Indígena EAD do Brasil, composta por estudantes Kaingang de diferentes aldeias da região Norte do Rio Grande do Sul. Mais do que uma cerimônia de colação de grau, o momento representou o florescer de um novo ciclo, em que os saberes tradicionais ganham espaço formal sem abrir mão de sua essência. Ao formar-se na universidade sem precisar se distanciar de seus territórios, esses novos professores reafirmam que a educação indígena não deve ser apenas um direito garantido, mas também um reconhecimento de que outras formas de ensinar e aprender já existiam muito antes das salas de aula. Essa conquista não é apenas individual ou acadêmica, ela simboliza o avanço de um país que, pouco a pouco, aprende a reconhecer a profundidade dos saberes que sempre estiveram aqui. Atualmente, o curso é chamado de Licenciatura Intercultural Indígena e conta com uma turma de 100 alunos. Segundo a coordenadora do curso, a professora Aline Ferrão Custodio Passini, neste ano o curso registrou um marco histórico de mais de 200 inscrições para concorrer a uma vaga na graduação.
Entre os nomes que constroem essa história está o de Daniela Kaingang, mulher indígena, professora e egressa da primeira turma do curso. Hoje, ela retorna à universidade como formadora da segunda turma de licenciandos indígenas. “Estar hoje aqui como professora formadora da segunda turma é mais do que uma conquista individual”, afirma. “É um símbolo de resistência, de continuidade e de compromisso com o nosso povo e com a luta coletiva.”
Para Daniela, a presença indígena na universidade precisa ir além do acesso. Deve ser também uma política de permanência e de valorização dos saberes ancestrais. “Formar professores indígenas é fortalecer a autonomia das nossas comunidades. É reafirmar que temos o direito e a capacidade de ensinar a partir das nossas cosmovisões, das nossas histórias, dos nossos territórios.” Segundo ela, quando parentes de diferentes regiões chegam com suas línguas, espiritualidades e modos de vida, e encontram espaço para se formar como educadores, é a universidade quem mais tem a aprender.
Ao assumir o papel de docente, Daniela também assume um gesto político. “Nós estamos aqui, ocupamos esses espaços e queremos construir com eles uma educação verdadeiramente plural e justa. Seguimos firmes porque formar é também transformar.”

A universidade só se torna verdadeiramente pública, democrática e representativa quando todos os povos que compõem o país têm voz, vez e espaço dentro dela. Cada diploma conquistado não é apenas um avanço individual, mas uma semente plantada no chão de onde vieram. E talvez, um dia, a universidade entenda: não se trata de incluir. Trata-se de reconhecer que sempre estiveram aqui, mesmo quando não foram vistos.
Por Franchesco de Oliveira Y Castro | Bolsista PET Educom Clima.