Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado desastres ambientais recorrentes como enchentes, deslizamentos de terra, queimadas e secas que deixam marcas profundas, sobretudo nas regiões mais vulneráveis. Embora as mudanças climáticas e a má gestão do território sejam fatores evidentes, há um elemento crucial muitas vezes negligenciado: a falta de preparo e de consciência da população para lidar com os riscos. Diante da repetição dessas tragédias, é urgente olhar para além das medidas emergenciais e das obras de contenção. Em ano de COP no Brasil, a Educação Ambiental surge como um caminho capaz de formar cidadãos mais conscientes, engajados e preparados para prevenir e enfrentar esses desafios com responsabilidade coletiva.
Educação Ambiental como prática de escuta e transformação
A educação ambiental vai além de ensinar conceitos sobre natureza e sustentabilidade. Para quem vive essa prática no dia a dia, como a bióloga Maria Clara Pinheiro, supervisora do Projeto Meros do Brasil no Pará, ela é um processo de acolhimento, troca e transformação. “Educação ambiental não é só levar conhecimento técnico para as comunidades. É antes de tudo criar um espaço de escuta, entender os modos de vida, os saberes que muitas vezes são passados de geração em geração e que a gente, da universidade, nem sempre conhece”, diz. À frente das ações de educação ambiental do projeto na região de Belém, Maria Clara atua com crianças, jovens e adultos em comunidades tradicionais. Nessas localidades, a pesca é a principal atividade econômica e de subsistência, mas também um setor marcado por dificuldades. “Os pescadores são fundamentais para a nossa região, mas são os que menos recebem apoio e políticas públicas. Quando se fala em conservação marinha ou em evitar desastres, muitas vezes se aponta para eles como vilões. Mas a realidade é outra. São eles que mais sentem os impactos das mudanças no ambiente”, explica.

O Projeto Meros do Brasil tem como foco a preservação do mero (Epinephelus itajara), conhecido também como bodete, canapú, badejão, merote ou “senhor das pedras” na tradução tupi-guarani, espécie que há mais de 20 anos está em processo de extinção e que ainda é capturada na região. Maria Clara conta que, ao trabalhar a educação ambiental com os pescadores, o objetivo nunca é culpabilizar. “Eles não são os responsáveis pelo desaparecimento do mero. O nosso papel é sensibilizar, mostrar como cada um pode contribuir, mas sempre com respeito e diálogo. Muitas vezes, o que a gente acha que vai ensinar, eles já sabem de outra forma, porque aprenderam com os pais, com os avós.” Para ela, a educação ambiental em comunidades tradicionais deve ser construída de dentro para fora. Quando o assunto são os desastres climáticos, como as enchentes e queimadas que se intensificam no Brasil, Maria Clara defende que a educação ambiental deve ser feita com cuidado, principalmente com crianças. “Não podemos tirar das crianças o direito ao livre brincar, sobrecarregando-as com um peso que não cabe a elas. Com os adultos, o desafio é outro: mostrar que podemos transformar nossa realidade local, sem gerar aquele sentimento de impotência diante de problemas tão grandes”, afirma.
Maria Clara também critica a forma como as decisões sobre o meio ambiente costumam ser tomadas pelos governos. “As leis e normas vêm de cima para baixo, sem diálogo com quem vive na base, com quem está na linha de frente dos impactos. Isso precisa mudar. Precisamos dar voz às comunidades para que elas participem das decisões que vão afetar suas vidas”, reforça. Para transformar essa realidade, Maria Clara acredita que o primeiro passo é cultivar a empatia e o senso de comunidade. “A gente só vai avançar na preservação ambiental e na prevenção de desastres quando entender que o problema do outro também é meu. É ajudando o vizinho, cuidando do nosso entorno, que a mudança acontece. A educação ambiental deve despertar esse olhar coletivo”, defende. Além disso, ela destaca a importância de projetos que levem conhecimento prático e despertem novas perspectivas em crianças e jovens. “Às vezes, um simples exemplo, como construir um terrário ou observar o ciclo da água, já acende uma chama de curiosidade. Isso abre um mundo novo para quem vive em realidades muito duras, onde a perspectiva muitas vezes se limita ao que está ao redor.”











A professora Cláudia Rodrigues Castro, jornalista, doutora em Educação e pesquisadora da área de comunicação e questões sociais, destacou a importância da educomunicação socioambiental como ferramenta essencial na formação de professores e na conscientização das comunidades. Segundo ela, o trabalho que desenvolve busca orientar docentes para atuar em parceria com a população, utilizando as mídias comunitárias como forma de alerta e prevenção a desastres. “A educomunicação socioambiental é um processo que vai além do conhecimento técnico. É um trabalho que visa preparar professores para atuar em comunidade, criando espaços de escuta e aprendizado mútuo, onde se compreendam os riscos e se desenvolvam ações preventivas antes, durante e depois de desastres”, explica.
Cláudia também trouxe uma reflexão crítica sobre como a educação ambiental ainda é tratada nas escolas. “Enquanto a gente trabalhar a educação ambiental com conceitos duros, técnicos, sem estimular uma consciência crítica, vamos continuar só na superfície. Falta o que eu chamo de reforma íntima, uma consciência ética de pertencimento ao meio ambiente”, afirmou. Para ela, o ser humano precisa se enxergar como parte do ecossistema e abandonar a visão de superioridade que, muitas vezes, ainda predomina na sociedade e no próprio ambiente escolar. “Foi um choque quando percebi em minha pesquisa que muitos professores ainda veem o ser humano como algo à parte da natureza, como se fosse um ser supremo”, contou. Sobre o papel das universidades, Cláudia ressalta: “A universidade precisa formar profissionais conscientes, que atuem de forma transformadora na sociedade. Isso vale para professores, comunicadores, assistentes sociais, engenheiros, todos que lidam diretamente com questões socioambientais”. Ela também destaca a urgência de levar o debate ambiental para além das escolas e das situações de emergência. “Infelizmente, muitas vezes só se leva educação ambiental às comunidades mais vulneráveis quando ocorre um desastre de grande proporção. A gente precisa atuar antes, com uma pedagogia que ensine a contemplar, observar, sentir o ambiente para preveni-lo de chegar à degradação”.
Espaço de escuta
As expectativas de Maria Clara Pinheiro e Cláudia Rodrigues para a COP 30 se encontram no desejo comum de que o evento vá além das palavras e promessas. Maria Clara demonstra preocupação com a exclusão das populações que mais deveriam ser ouvidas no processo, como as comunidades periféricas e tradicionais. “Infelizmente, quem deveria ser ouvido não vai ser. A cidade está sendo modificada sem considerar a realidade de quem mora aqui. Minha esperança é que a gente consiga usar esse momento para fazer barulho, sensibilizar mais pessoas e reivindicar o direito das periferias, que são as mais impactadas, de participar das decisões sobre o próprio futuro”, relata a bióloga, que atua diretamente junto às comunidades na região amazônica.
Cláudia reforça essa crítica ao destacar que discussões e articulações, por si só, não bastam para transformar a realidade socioambiental. “Vai haver muita discussão, muita articulação, e isso é importante. Mas só o discurso não resolve. É preciso formar consciência e mudar a prática. A natureza não é só biologia; é também relação social. E a maior dificuldade que temos hoje é que o ser humano ainda não se entende como parte desse contexto”, afirma a pesquisadora. Ambas defendem que a COP 30 precisa ser um espaço de real escuta e de construção de caminhos concretos, que integrem as vozes das populações mais afetadas e promovam mudanças efetivas na forma como a sociedade se relaciona com o meio ambiente.
Por Franchesco de Oliveira Y Castro | Bolsista PET Educom Clima