Na atual era da informação, tem-se observado o vasto potencial da análise de dados para tomadas de decisões nas mais diversas áreas. Seja para treinar algoritmos que desempenham tarefas complexas, maximizar lucros de empresas ou prever falhas de segurança, dados são a pedra bruta fundamental que, ao serem lapidados e transformados em informações relevantes, têm transformado a sociedade como um todo.
Alguns espaços, contudo, ainda não dispõem de ferramentas eficazes para usufruir desses benefícios. No campo da saúde pública, especialmente na saúde mental, percebe-se uma dificuldade, já bastante documentada na literatura, de produzir dados que retratem, de maneira fidedigna, a realidade desempenhada nos serviços especializados. Nesse aspecto, o tipo de serviço mais atingido são os CAPS, que possuem uma dinâmica de atendimento bastante diversa do atendimento ambulatorial tradicionalmente exercido em outros estabelecimentos de saúde.
Dentre os empecilhos levantados, os profissionais destacam a utilização dos instrumentos de registro, relatando dúvidas e/ou desconhecimento quanto aos códigos e indicadores apresentados. Ainda, mencionam a falta de transparência quanto à utilização desses dados, acarretando na desmotivação dos trabalhadores em produzi-los, em meio a tantas outras demandas de saúde mais urgentes. A consequência são subregistros e registros equivocados dos procedimentos realizados.
Segundo o Portal da Transparência do governo federal, 45,53% do orçamento nacional em saúde é direcionado para a Atenção Especializada em Saúde – na qual a Saúde Mental está incluída. Ainda assim, estudos apontam que a avaliação dos serviços em saúde mental não acompanhou a expansão dos mesmos.
Nesse sentido, embora se observem as causas multifatoriais desse fenômeno, ressalta-se a importância de uma boa aplicação dos Sistemas de Informação para facilitar e agilizar esses registros, uma vez que são a principal ferramenta para a coleta e levantamento de dados. O fato de profissionais optarem por realizar registros físicos dos atendimentos, em papel, é um possível indicador de que os softwares utilizados não atendem os requisitos desses trabalhadores e não minimizam as dificuldades relatadas por eles.
Estudos no campo da Engenharia de Software têm defendido a indissociabilidade entre os aspectos técnicos e sociais/humanos quando tratamos de desenvolvimento de software. Segundo esse olhar sociotécnico, a prática de ES impacta em fatores humanos, organizacionais, éticos, políticos e sociais, e também é transformada por estes.
Assim, no contexto de políticas públicas, o desenvolvimento de sistemas adaptados à realidade dos serviços de saúde poderia não apenas contribuir para a apreensão de dados mais fidedignos, como também otimizar o tempo despendido pelos profissionais na produção desses dados. Como consequência, possibilita uma alocação de recursos mais eficiente e que possa, de fato, ampliar o acesso e a qualidade do atendimento em saúde mental.
Autor: Nathália de Almeida Zófoli
Referências
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