Diante das enchentes de maio de 2024, um grupo de professores e estudantes vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação (Poscom) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) percebeu a necessidade de realizar ações de extensão em comunicação. A primeira iniciativa foi a coleta de pilhas e rádios para distribuição às famílias afetadas pelas chuvas na Quarta Colônia. A partir daí, a proposta evoluiu com a criação de um projeto contemplado pelo edital do Programa de Extensão da Educação Superior na Pós-Graduação (PROEXT-PG).
Assim surgiu o projeto ‘Comunicação de proximidade: memória, resiliência e adaptação social a riscos climáticos e catástrofes naturais na Quarta Colônia’, coordenado pela professora Aline Roes Dalmolin, do Poscom da UFSM. A docente destaca que o objetivo principal é reconhecer o ecossistema de comunicação que já existe nos nove municípios da região, formado por comunicadores populares profissionais (das rádios comunitárias), de agentes institucionais (como a Defesa Civil e prefeituras) e mesmo agentes comunitários (vinculados a igrejas, comunidade escolar, associações, sindicatos e cooperativas).
O levantamento ocorre por meio de uma cartografia de mídias tradicionais e digitais, perfis institucionais e grupos em redes sociais. “Proporciona um panorama sobre como se dá a comunicação dentro desses espaços. Dentro do escopo das mídias tradicionais, identificamos a presença de jornais e emissoras de rádio situadas nestes espaços, bem como a presença de antenas retransmissoras ou cobertura de canais de televisão”, explica Aline. Já em relação às mídias digitais, a professora ressalta que foram mapeados vários perfis em redes sociais, sites e grupos de WhatsApp e que tiveram papel importante na comunicação comunitária durante as enchentes. Atualmente, o projeto está na fase de consolidação da coleta e fechamento dos dados da pesquisa. Os primeiros resultados do levantamento dos veículos de comunicação da Quarta Colônia foram publicados no capítulo 8 do livro ‘Jornalismo e Desenvolvimento’, disponível neste link.
Coleta dos dados
Phillip Gripp é jornalista e pesquisador no projeto ‘Comunicação de Proximidade’. Ele é bolsista de pós-doutorado vinculado a um dos projetos parceiros, o ‘Territórios Conectados pela Sororidade’. Gripp explica que a coleta dos dados de pesquisa ocorre de duas maneiras: a primeira é, justamente, o mapeamento da malha de comunicação da Quarta Colônia. “Consiste em identificar os meios de comunicação e a atuação de profissionais da área nestas cidades. Estamos fazendo um levantamento para descobrir onde as pessoas buscam informações sobre os acontecimentos do território”, detalha Phillip.
A segunda forma de coleta é realizada por meio de entrevistas com moradores da região, como agricultores, gestores da administração pública, professores, entre outros. A intenção é produzir diferentes materiais midiáticos de divulgação da pesquisa. “Também temos esse teor qualitativo, de entendermos, a partir das entrevistas, como se deu a atuação dessas pessoas e qual foi o impacto das enchentes”, afirma.
A recepção da comunidade ao projeto tem sido positiva, destaca Camila Rodrigues Pereira, publicitária e pós-doutoranda em outro dos projetos parceiros, o ‘Governança e multidimensionalidade dos riscos climáticos: abordagem multidisciplinar em Comunicação de proximidade, Interpretação geopatrimonial e Economia Ecológica aplicada aos Geoparques Unesco no Rio Grande do Sul’. Para ela, isso se deve ao fato de o projeto abordar temas importantes para a comunidade, como memória, adaptação social a riscos climáticos e catástrofes naturais. “São questões que estão muito próximas e que os afetaram recentemente”, observa Camila.
Comunicação em contextos de crise
Para Aline Dalmolin, coordenadora do projeto ‘Comunicação de Proximidade’, refletir sobre como a comunicação acontece em contextos de crise climática é fundamental. “Ela está na essência e serve como base para qualquer das ações que pretendemos desenvolver”, enfatiza. A pesquisadora destaca que, no caso da Quarta Colônia – uma das primeiras regiões atingidas pelas chuvas de 2024-, a população vivenciou a crise climática de uma forma muito intensa, e as respostas também tiveram que ser imediatas, inclusive na comunicação.
“Foram várias comunidades desalojadas, pessoas que tiveram sua mobilidade extremamente reduzida, falta de alimento, falta de luz, várias dimensões da escassez, e algumas delas, inclusive, infelizmente, chegaram a perder a vida. Nesse sentido, a comunicação conduz respostas imediatas aos eventos extremos”, ilustra Aline. Exemplos são a emissão de alertas, atualização de informações checadas e apuradas – inclusive como resposta à propagação de desinformações e fatos desencontrados, o que é bem comum em situações de crise.
Além disso, para a pesquisadora, a comunicação também tem papel central na conscientização da população sobre os fenômenos ambientais, por que eles acontecem e como impactam as comunidades. “Nosso projeto envolve essas duas dimensões e está estruturado em três eixos: o primeiro dedicado ao mapeamento, o segundo voltando à prevenção de eventos climáticos – buscando formas de mobilizar melhor as comunidades para responder a situações semelhantes no futuro- e o terceiro eixo centrado na educomunicação, preparando as novas gerações para compreender essas mudanças.”
O projeto na comunidade
Para Camila, o desafio do projeto está na complexidade do campo de pesquisa. São nove municípios, com características, histórias e memórias distintas, o que se reflete nos impactos provocados pelas chuvas de 2024. “Embora a memória dessas comunidades se entrelace, ao dialogar e ouvir as pessoas de cada município, surge sempre a vontade de aprofundar ainda mais as conversas”, destaca.
Em 2024, o projeto atuou por meio da educomunicação, com oficinas de fotografia, desinformação climática, audiovisual e mapas conceituais para três escolas, localizadas em Agudo e Nova Palma (fase 1). No primeiro semestre de 2025, foram realizados grupos de discussão para tratar de temas relacionados à comunicação do território e para elaborar protocolos para a constituição da malha de Comunicação de Proximidade da região (fase 2).
Neste semestre, os projetos estão atuando na capacitação de comunicadores locais e no fortalecimento dos agentes da malha de comunicação de proximidade (fase 3). De maneira concomitante, também em 2025 são desenvolvidos produtos editoriais e ações de educomunicação, que envolvem as entrevistas com moradores (fase 4), e que seguem até julho de 2026. Por fim, de junho a julho de 2026, o projeto será finalizado, com entrega dos produtos, seminários e elaboração do relatório final.
Entre os produtos previstos, está a elaboração de policy papers junto à comunidade, que consistem em propostas para aperfeiçoar os protocolos. “É importante para que as comunidades possam transformar essas práticas de prevenção e de comunicação de resiliência climática em políticas públicas”, destaca Aline.
Expediente:
Reportagem: Samara Wobeto, jornalista
Edição: Luciane Treulieb, jornalista
Fotos: Divulgação