Sob o pátio do Museu Gama d’Eça e Victor Bersani, em plena Rua do Acampamento, pesquisadores da UFSM abrem uma janela para o passado de Santa Maria. Coordenados pelo professor André Luis Ramos Soares, do Departamento de História, estudantes e profissionais do Laboratório de Arqueologia, Sociedades e Culturas das Américas (LASCA) conduzem uma escavação arqueológica que tem como objetivo encontrar indícios das origens do povoamento da cidade de Santa Maria.
Dirigido atualmente pelo Museólogo Bernardo Duque de Paula, o Museu Gama d’Eça e Victor Bersani, o museu possui um acervo que engloba coleções de paleontologia, arqueologia, numismática, animais taxidermizados, objetos e documentos históricos, entre outros importantes artefatos. Porém, a importância histórica do local onde o prédio se situa antecede a fundação do museu.
A Rua do Acampamento, antes de estar organizada como a conhecemos hoje, foi um dos locais fundamentais para a história e desenvolvimento de Santa Maria. A área, que era originalmente ocupada pelos povos indígenas das tribos Minuano e Tapes, foi eventualmente utilizada como local de acampamento para os militares da Comissão Demarcadora de Terras do Tratado de Santo Ildefonso (1777), movimento que tinha como objetivo a demarcação dos limites entre terras de domínio espanhol e português. Assim, esses militares estabeleceram acampamento definitivo em um largo que daria origem à Praça da Matriz, atual Praça Saldanha Marinho, e onde começou um trecho de via que depois veio a ser denominado Rua do Acampamento.
O prédio onde atualmente funciona o museu foi construído em 1913 para o Doutor Astrogildo César de Azevedo, e ao longo dos anos o espaço passou por diversas transformações e ocupações, o que torna o local um valioso sítio histórico para a realização de pesquisas arqueológicas.
A origem do acervo remota à 1913, quando foi fundado o Museu Victor Bersani, pela SUCV (Sociedade União dos Caixeiros-Viajantes do Rio Grande do Sul), sendo um dos museus mais antigo do Estado. Em 1968, foi fundado pela UFSM o Museu Educativo Gama d’Eça. Em 1981, o Museu Victor Bersani passou para a tutela da UFSM, sendo fundido com o Gama d’Eça, passando a ocupar a sede atual, palacete do Dr. Astrogildo de Azevedo, em 1985.
A equipe do projeto é formada por bolsistas e voluntários dos cursos de bacharelado e licenciatura em História da UFSM, além da Museóloga Aline Vargas, responsável pelo tratamento de salvaguarda das peças em laboratório. Os estudantes envolvidos (em campo e em laboratório) são: Patrick Silveira Ventura, Larissa Bondarenko, Marco Antônio Bottega, João Pedro Meinen, Gabriela Costa, Vitória Langortt e Pedro Napoleão.
De acordo com como o Professor André Luis Ramos Soares, o projeto surge dentro de uma perspectiva de viabilizar, ao mesmo tempo, para os alunos da disciplina de Arqueologia do Curso de História, uma atividade prática e empírica onde eles pudessem ver como funciona o exercício da Arqueologia de campo, nesse caso, em um sítio histórico. “Dessa forma, nós temos elementos históricos que comprovam que esse local, que hoje é o Jardim do Gama d’Eça, passou por diversas ocupações humanas anteriores ao Museu. Então, nesse sentido, o que a gente está escavando é um pouco da história da cidade, que pode ser materializada ali”, comentou o docente.
O processo de escavação inicia-se com a delimitação do espaço que será escavado, que nesse caso é uma área de 25m², localizada no pátio do museu. “Temos uma área bastante pequena, que são apenas 25m², mas isso é o que chamamos de amostragem, ou seja, nós não vamos escavar todo o jardim, mas vamos fazer, a partir dessa amostragem, um diagnóstico do que poderia ser encontrado”, informa. Durante esse processo, o professor explica que a amostragem apresentou elementos que apontam que aquela área foi aterrada, ou seja, que o terreno foi preenchido com terra ou outros materiais. “Então nesse aterro, que estamos identificando, o que a gente faz? Nós quadriculamos a área, no caso os 25 metros quadrados, e nessa malha quadriculada fazemos um exercício de decapagem, no caso, retiramos as camadas mais finas possíveis para evidenciar os objetos e ter a localização deles no momento da escavação. Então fazemos uma coordenada geográfica, assim como uma batalha naval, onde temos dois eixos, o eixo X e o eixo Y, para registrar onde esses artefatos foram achados. E depois, em relação à profundidade, nós temos um eixo Z”.
Dessa forma, esses elementos serão organizados em uma planilha, onde será examinada a dispersão dos artefatos, e, onde eles serão classificados conforme a matéria-prima, como vidro, louças, metais, madeira, carvão, entre outras. Ao chegarem no laboratório, as peças são removidas dos sacos plásticos onde foram previamente armazenadas e são higienizadas. Os materiais são agrupados de acordo com as materialidades,e acondicionados em invólucros individuais ou em grupos de até 5 peças. Cada peça recebe um número de registro — inscrito no próprio material ou em etiquetas que acompanham o invólucro — no banco de dados. Informações como dimensões, materialidade e estado de conservação acompanham o número da peça e o acervo é armazenado em caixas de polipropileno 1012 e disposto em estantes metálicas na Reserva Técnica. Até o momento foram encontradas 424 peças, sendo que 312 já foram tratadas e catalogadas no banco de dados.
Espera-se que o projeto possa oportunizar uma experiência em arqueologia acadêmica aos alunos de graduação e pós-graduação envolvidos na ação, assim como obter exemplos físicos da cultura material existente nessa região do centro de Santa Maria, mas especificamente nesta parte do Jardim do Museu.
Texto: Luísa Soccal, bolsista de jornalismo da Subdivisão de Comunicação do CCSH.
Fotos: Aline Vargas.