Nesta semana, a UFSM sediou o 8º Congresso Brasileiro e 5º Congresso Latino-Americano de Bioética e Direito Animal, que ocorreu de quarta (8) a sexta-feira (10) no auditório do Colégio Politécnico. O evento contou com 61 palestrantes e coordenadores de mesa, e também com 871 inscritos. As palestras também foram gravadas, e estão disponíveis online no canal da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) no Youtube.
O congresso é organizado pelo Instituto Abolicionista Animal (IAA), associação civil de direito privado sem fins lucrativos, criada para promover a discussão científica e educacional do direito e da ética animal. Além de reunir pesquisadores, estudantes, ativistas e defensores dos animais do Brasil e outros países da América Latina, o congresso também oportuniza a submissão de artigos para publicação nos anais do evento. A edição de 2025 teve como tema “Natureza, animais e desastres”, e como subtema “Entre a vulnerabilidade e a resiliência”.
Em 2024, a professora Nina Trícia Disconzi Rodrigues, do Departamento de Direito da UFSM, tornou-se diretora do IAA, sendo a organizadora da edição deste ano. A docente também é coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito dos Animais (GPDA) da universidade.
Programação – A abertura do evento, na quarta-feira, contou com a apresentação online de artigos científicos, lançamento de livros, palestras, e apresentação do DTG Noel Guarany (departamento de tradições gaúchas da UFSM) e do grupo de flamenco de Etiane Viana. No dia seguinte, ocorreram diversas palestras nos períodos da manhã, tarde e noite, com pesquisadores e palestrantes de várias universidades do Brasil, além de profissionais que atuam nessa área. Pela manhã, a temática foi “Políticas públicas e direitos animais em desastres”, explorada nos âmbitos nacional, estadual e municipal. As palestras de nível estadual contaram com manifestação do vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza.
O último dia do evento, na sexta-feira, contou com mais palestras no período da manhã e da tarde. Pela noite, ocorreu a solenidade da posse dos novos membros da Academia Brasileira de Direito Animal, a entrega do “Prêmio Tobias Barreto” para os melhores trabalhos apresentados e a solenidade de encerramento.
Essa é a primeira vez que a UFSM sedia o evento. A docente Nina Disconzi conta que o congresso é normalmente realizado em capitais, tornando essa edição ainda mais significativa. “Foi um desafio muito grande. Tivemos que contar com a equipe dos alunos da UFSM, da graduação e dos programas de pós-graduação. Foi um trabalho coletivo, vemos o engajamento dos alunos em todos os momentos, aqui presentes e ajudando”, comenta.
Segundo a docente, além da realização do evento, também está em planejamento um projeto para a criação de um observatório da causa animal na universidade. “Nós queremos que a UFSM seja um polo, digamos assim, de proteção animal, e sirva de modelo para todas as outras universidades públicas federais do nosso país.”, explica Nina.
Vice-governador – Em sua manifestação, o vice-governador comentou a nova proposta do governo estadual para a causa animal: o Fundo Estadual do Bem-Estar Animal. Reforçou ainda que o Rio Grande do Sul seria o primeiro estado brasileiro a ter uma ação como esta. “Não há dúvida que essa é a maior ação dos últimos tempos, um grande avanço. O governador Eduardo Leite enviou à Assembleia Legislativa, e nós estamos aguardando a votação desse projeto. Tenho certeza que ainda esse ano será votado e sancionado pelo governador, e com isso vamos ter condições de ter um financiamento das políticas públicas de maneira mais organizada e perene dentro do orçamento do Estado”, explica.
O fundo utilizaria uma parte do orçamento para recursos na área de bem-estar animal, além de repassá-los aos municípios, para que criem os seus próprios fundos, posteriormente. “Vamos manter políticas não só para cães e gatos, mas para outras espécies, como é o caso dos equinos também, que demandam maior atenção do poder público. Realmente é um avanço significativo, e isso vai criar também os fundos municipais, para que os municípios possam receber recursos, além de viabilizar recursos também para entidades de proteção animal.”
Sobre propostas do governo estadual para situações de desastres, como as enchentes, o vice-governador falou de uma nova parceria com o Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo (IMVC), para auxiliar na criação de um plano de contingência para animais, tendo em vista estes cenários.
Legislação – A bioética e o direito animal ainda são ramos relativamente novos, e transdisciplinares. No Brasil, a crueldade contra os animais foi considerada crime pela primeira vez pela Constituição de 1988, pelo artigo 225. Já os estudos da bioética, que relaciona a ética e a biologia para pesquisar as questões morais entre os animais e seres humanos, surgiram entre as décadas de 1960 e 1970, e no Brasil na década de 1990.
Maus-tratos aos animais é crime, segundo a Lei de Crimes Ambientais (Lei Nº 9.605/1998), que prevê penas de três meses a um ano de detenção, além de multa. Em 2020, a pena para maus tratos a cães e gatos aumentou para detenção de dois a cinco anos, de acordo com a Lei Nº 14.064/2020. Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, no Brasil 71% das pessoas que cometem agressões contra animais também cometem crimes contra humanos.
Outro marco para a evolução dos direitos animais foi a Declaração de Cambridge sobre a Consciência. Lida publicamente no dia 7 de julho de 2012 em Cambridge, no Reino Unido, o texto foi assinado por um grupo de cientistas do mundo todo, e afirmava que diversos animais tinham a capacidade de ter senciência. Ou seja, animais vertebrados e cefalópodes (classe de animais aquáticos invertebrados: polvos, náutilos, lulas e sépias), têm a capacidade de sentir alegria e de sofrer, por exemplo.
Trecho da Declaração de Cambridge:
“Nós declaramos o seguinte: a ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos.”
(Tradução de Moisés Sbardelotto, publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos)
Por isso, o Congresso destaca-se como um evento que amplia o debate sobre a causa animal. “Quando falamos em vulneráveis, falamos também do animal. Já existe uma legislação em relação a maus-tratos, mas que tem que ser ampliada. Hoje, só cães e gatos têm uma pena maior; equídeos, por exemplo, não têm. Estamos nesse processo de criação de políticas públicas e de legislações para proteger os animais, pelo menos os sencientes. Para isso, é preciso profissionais do Direito, da Veterinária, de vários ramos, para conseguir entender a complexidade do tema.”, explica a professora Nina Disconzi.
Texto: Giulia Maffi, estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Paulo Baraúna, estudante de Desenho Industrial e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Lucas Casali