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Histórias de vidas surdas

Vídeos sinalizados da história de vida de diferentes pessoas. Pessoas surdas sinalizando suas próprias histórias de vida, representantes da comunidades surdas nacionais e internacionais

Gabrielle Messerschimidt Schuster.

Narrativa em Língua Brasileira de Sinais – Libras – da História de Vida de Gabrielle Messerschimidt Schuster.

Fabiano Souto Rosa

Narrativa em Língua Brasileira de Sinais – Libras – da História de Vida de Fabiano Souto Rosa.

Abaixo, a tradução em Língua Portuguesa.

Bem, na verdade eu nasci em uma cidade muito pequena chamada Jacaré dos Homens, que fica no estado de Alagoas, e cresci nesta cidade. Eu tenho uma irmã mais velha, eu sou o caçula, então minha família percebeu que aquela não era a cidade adequada para que eu pudesse me desenvolver pois não havia educação para surdos lá. Mas a minha irmã mais velha estudou no Recife, mas como era muito longe, toda minha família resolveu se mudar para lá.  Mas meus pais continuaram na cidade de Jacaré dos Homens.

Em Recife, para onde me mudei, comecei a estudar em uma escola de surdos. As aulas duravam cerca de 5 horas e eu aprendia a escrever e ler. Mas era uma escola estadual, então havia uma série de problemas, aconteciam frequentes greves, manifestações e eu percebia que não estava conseguindo me desenvolver. Então fui estudar em uma escola regular na inclusão, ou seja, antes eu estudava em uma escola para surdos depois fui para a inclusão em uma escola particular, o que era bastante difícil. Mas era uma escola muito boa, os professores estimulavam muito e era possível se desenvolver, porém havia a dificuldade com os conteúdos. Sorte que a minha mãe se aposentou cedo e também foi morar em Recife junto comigo e começou a me ensinar. Então eu ia para a escola no período da manhã e aprendia os conteúdos e a tarde voltava para casa e estudava mais um pouco com o apoio de minha mãe. Entretanto, na sétima série, foi complicado porque minha mãe não dominava os conteúdos, pois ela era professora de séries iniciais, trabalhava com crianças pequenas. Então, na sétima série, eu resolvi e esforça e começar a estudar sozinho até completar o ensino médio.

Minha família sempre me incentivou a continuar os estudos porque todos os meus irmãos já tinham graduação. Fiquei pensando: já terminei o ensino médio, acho que eu vou entrar no mercado de trabalho. Mas não, resolvi começar a procurar oportunidades para estudar e entrei em contato com várias pessoas, até que e encontrei um lugar, porque antigamente, naquele tempo, a única universidade que tinha tradutores/intérpretes de Libras era a ULBRA (Universidade Luterana do Brasil)/Canoas. Então optei por prestar vestibular, fui aprovado e me mudei para o Rio Grande do Sul.

No começo foi muito difícil porque era um local diferente, uma cultura diferente o clima era muito diferente também, então eu aprendi muitas coisas morando aqui no Rio Grande do Sul.

E como foi essa minha passagem pela universidade?

Bem, quando eu iniciei a faculdade foi um choque porque antes, no ensino fundamental e no ensino médio, não havia tradutor/intérprete, eu estava sempre sozinho e precisava me esforçar muito para estudar e aprender. Já na universidade essa realidade era completamente diferente, era muito mais prazeroso, pois, como havia o tradutor/intérprete eu conseguia aprender muita coisa muito rápido. Então eu pensava sobre a minha escolarização anterior, e começava a criar links com os conteúdos que eu já havia estudado e eu aprendi muito mais. Com o tradutor/intérprete eu podia responder perguntas porque, antes, na escola, isso não era possível mesmo que eu quisesse responder alguma pergunta feita pela professora. Na universidade não havia problema quanto a isso, eu podia perguntar, a professora fazia a explicação e havia essa troca entre nós. Da mesma formas os meus colegas que se adaptaram com a minha presença no curso de pedagogia.

Então, no começo eu ia aprendendo e me desenvolvendo, depois consegui uma bolsa de pesquisa sobre a escrita da Língua de Sinais (Sign Writing) e também tinha uma bolsa da própria instituição para pesquisar sobre literatura surda juntamente com a professora lodenir Karnopp. Neste momento eu comecei a aprender a pesquisar e estudar como se adaptava a literatura surda porque eu trabalhava em uma escola estadual para surdos e eu percebia que as crianças tinham muita dificuldade. E por este motivo, comecei a pensar em sobre essas questões. Os meus colegas e amigos professores também começaram a estudar e pesquisar como poderia ser feita a adaptação da literatura. Então nós criamos 4 livros: Cinderela Surda, Rapunzel Surda, Patinho Surdo e Adão e Eva surdos e, a partir destas publicações, percebemos o quanto isso era importante. Este tipo de publicação em livro ou DVD não existia antigamente. Mas o que marcou mesmo a minha história foi o livro “Tibi e Joca”. Quando me deram essa ideia, o nosso grupo pensou em criar esse material em livro adaptado e já iniciamos os estudos e pesquisas para que ele fosse realizado, até que nós conseguimos publicá-lo.

Depois eu me formei na faculdade e fiquei pensando: “como seria possível adaptar esses materiais (livros) para DVD?” Aí eu iniciei o mestrado e comecei a pesquisar como eram as regras para a produção desses materiais, porque eu queria fazer um dvd, mas como seria isso? Quais regras deveria seguir? Então nós, do grupo de pesquisa tivemos a ideia de pensar isso dentro do mestrado.  Mas eu percebi que já havia produções em dvd em todo o Brasil, produções ótimas em Libras, inclusive, mas nada que fosse voltado ao  público infantil.  

Sendo assim, fiz o mestrado na UFPel (Universidade Federal de Pelotas), onde fui orientado pela Professora Madalena Klein. Depois que terminei o mestrado, pensei: que continuar pesquisando porque eu trabalho no curso de Letras/Libras à distância com a turma de 2008 e eu percebi que a maioria dos alunos tinham muita dificuldade em saber como fazer as atividades, produzir materiais. Então eu entendi que isso se devia a ausência de regras específicas para estas produções, bem como faltava saber com ensinar os conteúdos porque no Brasil as pesquisas são muito recentes no que diz respeito à literatura surda, não há muito material sobre o assunto. Por isso a disciplina de literatura surda é de suma importância.

Mas como construir o ensino a partir destes materiais?

Este então foi o inicio dos meus estudos e pesquisa do doutoramento até hoje, mais exato até dezembro quando vou concluir o doutorado. É necessário difundir metodologias de produção de literatura surda. Muitas vezes as pessoas veem a literatura surda como obsoleta, desimportante, como algo infantil e bobo. Mas na verdade não é! A literatura surda é uma marca própria da comunidade surda. Uma marca cultural e linguística muito importante. Por este motivo eu resolvi trabalhar sobre isso.

Então, você viu que eu já falei sobre a minha história de vida. Na verdade, naquela época, já havia a comunidade surda, mas como eu participava?

Bom, a minha irmã mais velha também é surda e eu estava sempre junto com ela, onde ela ia, eu ia atrás. Ela participava da associação de surdos de Pernambuco. No começo eu ia até lá e ficava observando, era curioso, ficava aprendendo tudo entrando em contato com outras pessoas surdas. Se eu não tivesse participado da associação de surdos, hoje eu não estaria aqui. Essa relação com outros surdos com os quase eu fiz amizade, viajei junto, conheci outra comunidades, participei de atividades esportivas foi importante por também ter sido possível conhecer o trabalho da Feneis, que oferecia cursos e eu comecei a buscar coisas novas e a desenvolver a comunidade surda.

Outras coisas muito importantes na associação são a cultura, o contato com surdos de outros estados porque dentro da associação há essa troca, há a Língua de Sinais viva, em funcionamento. E por isso eu consegui contato com pessoas e pude vir estudar no Rio Grande do Sul e quando eu me mudei pra cá eu aprendi muito com tudo que era diferente. Porque no nordeste há mais contato entre os surdos em atividades esportivas ou festas.

Aqui no RS é diferente porque os surdos tem mais contato com surdos argentinos, uruguaios o que não acontece no nordeste. Aqui no RS, em Porto Alegre, eu comecei a ver que os surdos tinham esse tipo de contato e também adquiri esses conhecimentos, sendo assim até hoje.

Eu sou casado com uma mulher surda e nós temos uma filha surda e pra nós é um orgulho termos como base uma família surda porque isso garante que a nossa língua não vai desaparecer. Por isso até hoje eu continuo lutando pela comunidade surda para que acesse a literatura surda e para que estes materiais cheguem nas escolas, que as pesquisas continuem e se ampliem. Eu não vou desistir porque isso é muito importante para a educação dos surdos! E também para que as crianças surdas possam se desenvolver diferente do que aconteceu comigo na infância quando não havia tradutores/intérpretes e tudo era mais difícil.

Hoje não, hoje as crianças surdas podem desenvolver suas capacidades e eu luto pra isso possa acontecer cada dia mais.