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Prof. Dr. Júlio César Cossio Rodriguez concede entrevista ao Nexo Jornal: ‘Confiança nas instituições gerou erro na percepção de risco’

Prof. Júlio Rodriguez, coordenador do Grupo de Estudos em Capacidade Estatal, Segurança e Defesa (GECAP), concedeu entrevista ao Nexo analisando os acontecimentos do último domingo em Brasília.



Em entrevista concedida ao Nexo Jornal no dia de ontem (08/01/23), para a jornalista Isabela Cruz, o Prof. Dr. Júlio César Cossio Rodriguez falou sobre o papel que o enraizamento do bolsonarismo em aparatos de segurança e inteligência teve nas invasões golpistas em Brasília.

 

Um trecho da análise do Prof. Júlio pode ser conferido abaixo, para conferir a matéria na íntegra acesse aqui

 


O que explica a atuação da polícia, que não conteve os invasores? Havia pouco efetivo?
Júlio César Cossio Rodriguez: Vejo muito mais como um problema político. Me parece que o problema maior foi conivência, porque poucas forças policiais, com bombas de efeito moral, com um pouco de cavalaria, conseguem afastar manifestantes.

Há uma ligação ideológica muito forte não só com o governo do Distrito Federal, mas com o governo do ex-presidente Bolsonaro, que se enraizou ideologicamente no conjunto das forças de segurança e nos aparatos de inteligência nacionais. Há ideias nitidamente golpistas. Eles não são maioria, mas são uma boa parte.

Tudo isso fica nítido quando as forças policiais são muito duras, reprimindo muito facilmente com uso excessivo da força, manifestações populares com demandas sociais que em tese são muito mais legítimas. Enquanto isso, essas manifestações de cunho golpista, de tentativa de tomada de poder, de invasão de patrimônio público federal, foram escoltadas, tiveram o acesso permitido. Ao chegarem na primeira barreira, essa barreira fica imóvel e eles passam por cima. Foi uma falta de ação proposital.

Isso é muito grave, tanto porque o governo do Distrito Federal não fez o que estava ao seu alcance para impedir isso, quanto porque houve uma falta de percepção pelo governo federal dos riscos decorrentes dos anos todos de bolsonarismo e de enraizamento dessas ideias nas forças policiais e de inteligência. Houve uma ideia de que se poderia confiar nessas forças.

Houve negligência ou inocência por parte do governo federal?
Júlio César Cossio Rodriguez: Não dá para chamar políticos experientes de inocentes. Mas acho que foram levados pelo contexto político do final de ano: houve uma boa vontade do Congresso, tivemos uma posse sem grandes problemas e instaurou-se um governo, que começou a trabalhar. Só que se esqueceram dos alertas de acadêmicos e profissionais da área sobre a profundidade dos desafios na área de segurança pública, de defesa e de inteligência que o governo Lula teria, em função de que esses foram setores muito próximos ideológica e politicamente do governo Bolsonaro. Eles entraram para dentro do governo.

Tivemos ministro militar da ativa. Tivemos um governo que, por não ter força de um partido político forte, recorreu e trouxe para dentro do governo os militares e as forças policiais. Depois, por meio do Ministério da Justiça, houve uma deturpação grande das funções da inteligência, que não são proteger as famílias dos governantes, proteger os filhos e o próprio presidente das ameaças de serem punidos por corrupção. As funções da inteligência são defender a instituição presidencial.

O governo iniciar confiando no conjunto das forças policiais de que alertariam para os riscos, de que conteriam os riscos desse tipo de ação golpista, me parece irresponsável. Agora talvez o governo vá ter que acelerar processos de expurgo, de demissão de determinadas áreas, de reformas desses setores, para que o comando das forças policiais, das forças de segurança, das Forças Armadas e de setores de inteligência do país seja de fato instituído. Nós vemos uma desarticulação e uma destruição dessas instituições nas suas funções constitucionais. Essa é uma herança maldita desse período de governo Bolsonaro, algo que faz mal para o Estado, para o governo e, em última análise, para as próprias forças, que não sabem de suas funções.


Se o governo imaginava que teria desafios nessa ordem, com o que aconteceu hoje, acho que o alerta vermelho de fato soou. Estarrece que Flávio Dino [Ministro da Justiça], José Múcio [Ministro da Defesa] não tenham percebido esses riscos. Nós alertamos muitas vezes.

Dissemos que não tínhamos mais capacidade de produção de informações confiáveis de inteligência, em razão de muita desinformação, fake news, aparelhamento. A subordinação ao GSI [Gabinete de Segurança Institucional] foi terrível para a Agência Brasileira de Inteligência [Abin]. Ela tem de sair desse órgão, de forma que as informações sejam repassadas diretamente ao presidente.

Quando desarticulamos os aparatos de segurança do Estado, que ficam subordinados a interesses políticos, eles perdem a capacidade funcional de prestar boas informações sobre os riscos da integridade e da segurança nacional, tanto externos quanto internos. Qual é a qualidade dos relatórios da inteligência da Polícia, do Exército, da Abin, para os órgãos tomadores de decisão? Não há confiança na qualidade desses relatórios, porque houve uma desorganização enorme desses serviços. Confiança de que as instituições estão funcionando, de que os serviços estão funcionando, pode levar a essas percepções erradas sobre os riscos, o tamanho e o radicalismo das manifestações.


O ministro Flávio Dino, da Justiça, autorizou o uso da Força Nacional em Brasília na véspera da invasão. Por que a medida não foi suficiente para conter o movimento?
Júlio César Cossio Rodriguez: A tomada de decisão foi tardia. A Força Nacional tem capacidade de contenção. Deveria ter sido um efetivo maior. Mas o tomador de decisão faz escolhas em função das informações que chegam para ele. Se a percepção de risco era baixa e se as informações estavam chegando imperfeitas, a tomada de decisão é imperfeita.

Não se teve ideia de que havia uma adesão maior de grupos no entorno de Brasília, de que a ação era mudar da frente dos quartéis para dentro dos prédios dos Três Poderes. Houve uma falha de percepção do risco. E aí as forças que foram deslocadas pelo governo federal foram menores do que deveriam ter sido, a preparação foi insuficiente e o governo do Distrito Federal não agiu como esperado.

Flávio Dino percebeu tarde demais o enraizamento do Bolsonarismo nas Forças Armadas e nas forças policiais do país. Ao menos agora parece, pela entrevista que deu hoje [domingo], que acordou.

E como avalia a atuação de Múcio, que chegou a visitar acampamentos golpistas?
Júlio César Cossio Rodriguez: Eu não diria que a escolha de Múcio foi acertada, mas ela foi prudente. Nós passamos por um período em que as Forças Armadas foram chamadas para governar junto, e precisamos fazer uma transição que não pode ser intempestiva, não pode ser radical. Era necessário alguém com a confiança das Forças e com a confiança do presidente. Uma pessoa moderada, com trânsito, era necessária neste momento.

Claro, algumas declarações, algumas questões de apaziguamento, me parece que estão sendo um pouco excessivas, no sentido de que as manifestações seriam legítimas. Não há nada de legítimo, são manifestações golpistas.

Mas, no caso de hoje, Múcio é o que tem menos responsabilidade, ainda que tenha desafios logo ali [no futuro]. Me parece que não estava claro para o governo, nem para o Ministério da Defesa, nem para o Ministério da Justiça, que essas pessoas sairiam da frente dos quartéis para invadir, de forma tão direta e tão rápida. O que é uma falha de percepção dos riscos, frente a esses apoiadores do antigo presidente, que são nitidamente golpistas, do pior tipo, agindo com terrorismo, tentando acabar com as instituições pela força.

De quem era a responsabilidade primária pela segurança das sedes dos Três Poderes?
Júlio César Cossio Rodriguez: A segurança dos prédios, cada um tem sua segurança. Mas são forças muito incipientes, muito restrita à segurança interna dos prédios.

Na movimentação dentro de Brasília, até chegar na Praça dos Três Poderes, é do Distrito Federal. A não ser quando a Força Nacional é chamada. Até na posse do presidente Lula, a maior parte da escolta era feita pelas forças policiais do Distrito Federal. Foi uma falha gravíssima de segurança pública envolvendo todos os atores que deveriam estar agindo ali, principalmente as forças do Distrito Federal.

A intervenção federal era necessária? Como ela deverá ocorrer?
Júlio César Cossio Rodriguez: Uma intervenção é possível quando há falha gritante de capacidade de gestão da segurança pública, oferecendo risco às instituições. Em geral, se espera esse limite. E estamos diante de uma ultrapassagem desse limite.

Pelo que ficou provado pela conivência das forças policiais, até chegarmos nesse limite de invadirem os Três Poderes da República, não havia mais condições de o governador ficar com o comando da segurança pública do Distrito Federal, em função do risco que há sobre o funcionamento das instituições. Há um fracasso concreto da segurança pública.

É uma intervenção pontual, em que o governo federal assume para si a responsabilidade sobre a segurança pública no Distrito Federal. Isso é justamente para que serve a intervenção federal, que é temática, e não política. Não é para deposição de governo, golpes, como pessoas pediam na frente de quartéis. Aquilo que eles chamam de intervenção federal chama-se golpe de Estado.

O que fica de interrogação com essa intervenção é: quais são as forças que vão ser de fato fiéis e capazes de fazer a contenção desses manifestantes, tendo em vista esse enraizamento do bolsonarismo e dessas ideias no conjunto das forças policiais, das forças de inteligência e das Forças Armadas.

Além da intervenção, o afastamento de Ibaneis Rocha do governo, era necessário?
Júlio César Cossio Rodriguez: Me parece que há indícios, que foram surgindo ao longo do dia, de clara omissão, algo que resultou em ampla destruição dos Três Poderes. No entender de Alexandre [de Moraes], a intervenção se justifica porque não há segurança confiável. Só depois de decretada a intervenção é que o governador convocou o restante das forças policiais e de fato começou a retirar os terroristas e prendê-los.

E os agentes policiais que deixaram de conter os manifestantes golpistas, como devem ser responsabilizados?
Júlio César Cossio Rodriguez: Agora teremos que apurar se foi uma ação própria das forças, pela vinculação ideológica, ou se foi o comando. Se houve insubordinação da base, é um tipo de problema. Se houve ordem de cargos mais acima da cadeia hierárquica, do secretário de Segurança, do governador, é um outro tipo de questão a ser apurada. Mas no mínimo há um problema de comando do governo, o que justifica a mudança de comando a partir de uma intervenção.

Tenho dificuldade de perceber comandos de forças, chefes de brigada militar, por exemplo, ordenando suas forças a apoiarem. Mas o silêncio e a omissão nesses casos dão um sinal verde. Expurgos podem ser feitos em cargos de chefia – não se sai da força, só se perde o cargo de comando. Nos outros casos, é necessário abertura de processo disciplinar para averiguação e punição.

É necessário que quem deixou de agir seja responsabilizado por isso, porque isso é exemplar para as forças. Aqueles que se negarem podem ser afastados temporariamente até que se averigue. Há esses mecanismos. Mas os processos disciplinares das forças se mantêm. Existem âmbitos legais a serem respeitados.

O senhor vê como algo possível a responsabilização de empresários que financiaram essas caravanas e até mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que por vezes incentivou esses movimentos?
Júlio César Cossio Rodriguez: Esse é o grande desafio. Vai precisar ser feita uma grande investigação, com coleta de imagens, identificação de financiadores, de quem invadiu, o que fez. Isso depende de qualidade das informações, do devido processo, da eficiência da polícia na coleta e identificação.

O que der para fazer rápido, para ser exemplar, pode ser feito. Quem financiou, quem pagou os ônibus, aqueles que têm vídeos sobre a destruição, dá para responsabilizar mais rápido. Mas em geral será necessária toda uma capacidade de operação e de investigação que vai demandar um certo tempo. Não é uma coisa rápida, infelizmente é assim.

Quanto a Bolsonaro, vejo dificuldades em se provar sua responsabilidade. Teria que averiguar. O problema é que ele foi para os Estados Unidos para se livrar do rótulo de grande organizador. Inicialmente a responsabilidade do Donald Trump, por exemplo, ficou mais clara. A de Bolsonaro é indireta, ele terceirizou para o [governo do] Distrito Federal.

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