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Algumas vacinas podem causar autismo?

Desinformação permanece um desafio para alcançar altas taxas de imunização e proteger a população de doenças perigosas



As vacinas são um dos principais avanços da ciência no combate a infecções preveníveis e no controle de epidemias. No entanto, nos últimos anos, tem sido um desafio manter os índices de imunização da população brasileira dentro dos níveis ideais, em parte devido à disseminação de desinformação sobre seus possíveis efeitos. Mesmo sem evidências científicas que sustentem essa crença, a ideia de que “algumas vacinas podem causar autismo” ainda divide opiniões. Segundo a pesquisa “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil” de 2023, quase 35% dos entrevistados concordaram, total ou parcialmente, com essa afirmação.

O movimento antivacina, que voltou a ganhar força especialmente após a pandemia de Covid-19, tem contribuído para esse cenário. Entre os argumentos frequentemente resgatados pelos opositores da vacinação está a polêmica em torno de um artigo publicado, em 1998, pelo médico inglês Andrew Wakefield.

No estudo, ele sugere uma ligação entre a vacina tríplice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) em 12 crianças. O artigo foi desmentido em 2004, e Wakefield perdeu sua licença médica, porém essa associação levou a uma queda nas taxas de vacinação e ao fortalecimento de grupos contrários à imunização.

O que é autismo?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dois grupos principais de sintomas: déficits na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento e/ou interesses. 

A psicóloga Franciele Farias explica que algo que auxilia no entendimento das causas do autismo é saber diferenciar Doença e Transtorno: “Quando falamos em doença, falamos de uma causa específica e definida que a gente consegue muitas vezes detectar por meio de exames, como por exemplo uma gripe que é causada por um vírus. Agora, quando falamos de transtorno, trata-se de algo multifatorial e que não possui uma causa tão bem definida”.

Ela especifica que o TEA é considerado um espectro devido à grande variabilidade de apresentações do transtorno: “atualmente classificamos em Nível 1, 2 e 3 de suporte, sendo  que, quanto maior o nível, maior o suporte necessário”. A psicóloga explica que cada indivíduo terá um conjunto único e uma apresentação única do transtorno. Ou seja, algumas pessoas podem ter mais dificuldade na leitura social, outros podem apresentar grandes alterações sensoriais, alguns podem apresentar comprometimento intelectual e/ou de linguagem, entre outras características. 

Segundo ela, existem muitas pesquisas que investigam as possíveis causas do autismo e, hoje, constatou-se que o autismo tem uma base genética importante. Isso explica porque não é incomum que, em uma família, mais de uma pessoa seja diagnosticada com o transtorno, aponta a psicóloga. Além de causas genéticas, pesquisas indicam problemas na gestação ou no parto como fator de risco. 

Sobre tratamentos e intervenções, Franciele explica que, muitas vezes, os familiares ao identificarem que algo não vai bem no desenvolvimento das crianças optam por “esperar mais um pouco para ‘ver se melhora’ por medo de um possível diagnóstico. Ou, até mesmo, recebem essa orientação de pediatras desatualizados: ‘cada criança tem seu tempo, vamos esperar, não é nada demais’”. Ela reforça que, embora seja um medo compreensível, na realidade, o diagnóstico precoce é um dos melhores preditores de um prognóstico positivo no transtorno do espectro autista: “quanto antes iniciarmos a intervenção, melhor para o desenvolvimento da criança. Isso acontece por causa de algo que chamamos de neuroplasticidade: a neuroplasticidade é a capacidade do nosso cérebro de se moldar e aprender a partir das experiências. Temos capacidade de aprendizagem durante toda nossa vida, mas essa capacidade é muito aumentada nos primeiros anos de vida”. 

A psicóloga esclarece que, atualmente, existem muitas pesquisas que mostram as potencialidades da intervenção, “especialmente quando realizada de forma precoce, intensiva, com uma equipe multiprofissional e com o envolvimento da família para dar continuidade às estimulações em casa”. Ela reforça que, apesar de o diagnóstico muitas vezes ser um momento de angústia para os responsáveis, trata-se de um “ponto de partida para o desenvolvimento de novas habilidades e possibilidades de formação de novos aprendizados, de trabalhar a funcionalidade e melhorar a qualidade de vida da criança e sua família com as intervenções adequadas”.

Alexandre Schwarzbold, médico infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica da UFSM, conta que, depois do estudo de Wakefield, inúmeros outros trabalhos científicos foram realizados para investigar a suposta relação entre vacinas e autismo. A conclusão foi sempre a mesma: vacinas não causam autismo. Muitos desses estudos utilizaram a meta-análise, metodologia que reúne e analisa dados de diversas pesquisas sobre um mesmo tema, priorizando aquelas com maior rigor científico. Um exemplo dado pelo docente é um estudo publicado na revista científica Vaccines, em 2014, conduzido por pesquisadores australianos. Eles analisaram dados de mais de 1 milhão de crianças e confirmaram que não existe associação entre vacinas e o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Mesmo sem evidências científicas que sustentem essa crença, a ideia de que algumas vacinas poderiam causar autismo ainda divide opiniões. Segundo a Pesquisa de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil de 2023, quase 35% dos entrevistados concordaram, total ou parcialmente, com essa afirmação.

Rigor na aprovação das vacinas

Antes de uma vacina ser liberada para a população, ela passa por diversas etapas para ser aprovada por uma agência reguladora. No Brasil, essa função cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O professor Alexandre Schwarzbold explica que as vacinas precisam ser embasadas em estudos e documentos submetidos, pelas instituições responsáveis, à agência que então avalia sua eficácia e segurança.

As etapas de segurança monitoram a frequência e a incidência de eventos adversos e sua gravidade – ou seja, se são leves, moderados, severos, se apresentam risco de vida ou se houve, por exemplo, morte nos estudos clínicos de teste de vacinas. Assim, pode-se avaliar estatisticamente se um evento adverso ocorre ao acaso ou se pode ser atribuído exclusivamente à vacina.

“Todas as vacinas passam por testes rigorosos de segurança”, reforça Alexandre. “Os estudos clínicos, que em geral demoram de meses a anos, envolvem vários voluntários em etapas diferentes antes da aprovação para a população em geral. Então, todo país que registra e distribui vacinas, como o Brasil, tem que atender a rigorosos padrões tanto de qualidade quanto de segurança”, defende o especialista.

Esse controle rígido em relação aos processos de segurança garante que a maioria dos efeitos colaterais sejam leves e temporários, como dor no local da aplicação e febre, que costumam durar de um a três dias. Por outro lado, as doenças que as vacinas previnem, como poliomielite, sarampo, caxumba, pneumonia e meningite, podem ter consequências muito mais graves do que qualquer efeito colateral decorrente da imunização.

Estratégias para combater a hesitação vacinal

Para Alexandre, a disseminação de informação correta e a educação em saúde são fundamentais para reduzir a hesitação vacinal. Ele destaca que a uniformização do discurso com base científica entre sociedades médicas é essencial, ressaltando a importância das estratégias adequadas de comunicação: “É importante que a linguagem seja uniformizada, especialmente entre os profissionais de saúde que indicam vacinas, como pediatras, infectologistas e pneumologistas”, reforça o médico.

Hoje, a circulação de fake news se tornou mais fácil, pois qualquer pessoa pode publicar conteúdos na internet sem passar por filtros ou avaliação de especialistas quanto à qualidade e veracidade. “A pessoa pode ter uma boa comunicação e não ter consistência científica. Por isso, é importante o julgamento de pares. Não se pode acreditar que um único médico seja detentor da razão”, enfatiza Alexandre Schwarzbold. O infectologista defende que não se pode tomar casos isolados de efeitos colaterais graves como regra ao abordar a vacinação com a população. Segundo ele, é fundamental que os profissionais de saúde enfatizem o impacto positivo das vacinas, destacando que a imensa maioria das pessoas se protege com segurança por meio da imunização.

Queda na adesão às vacinas no Brasil

Apesar de o Brasil já ter sido referência mundial, a adesão às campanhas de vacinação tem caído significativamente no país. Como consequência, doenças erradicadas, como sarampo e poliomielite, voltaram a circular. Desde 2016, o Brasil não atinge as metas de cobertura vacinal para grande parte das vacinas da rede pública, expondo novamente a população a problemas que já estavam controlados e aumentando o risco de surtos.

Para reverter esse cenário, é essencial que pais e responsáveis recebam informações claras e baseadas em evidências científicas. O professor Alexandre Schwarzbold destaca que os riscos da vacinação são mínimos diante dos benefícios: “o número de crianças que têm complicações com vacinas é ínfimo e nem se compara com o de crianças afetadas por doenças imunopreveníveis quando não vacinadas.” 

Como exemplo, ele menciona o sarampo, uma doença com alto índice de mortalidade: “O impacto positivo da vacinação supera infinitamente qualquer risco de efeitos colaterais. Vacinas funcionam, protegem e salvam vidas”, afirma o infectologista. Ele destaca que, no caso do sarampo, a imunização evitou mais de 23 milhões de mortes em duas décadas no mundo todo. “A vacinação é essencial para proteger crianças e adolescentes, pois eles ainda não têm um sistema imunológico totalmente desenvolvido. Sem essa proteção, estão vulneráveis a doenças que podem ter consequências graves, incluindo a morte”, reforça o infectologista.

O Programa Nacional de Imunizações (PNI)

Criado em 1973, o PNI tem levado mais de 20 tipos de imunizantes aos brasileiros e acumulado conquistas notáveis, como a erradicação da varíola e da poliomielite. O Brasil consolidou-se mundialmente como um dos países com a política de vacinação mais abrangente e bem-sucedida.

Antes da criação do PNI, as ações de imunização no país eram episódicas, sem continuidade planejada e com cobertura limitada. A partir do programa, passou-se a adotar um plano nacional unificado e equitativo, garantindo o acesso às vacinas em todas as regiões do país, independentemente da distância ou do tamanho da população.

Em 1980, uma grande mobilização contra a poliomielite fez com que a incidência da doença caísse de 1,2 mil para pouco mais de 100 casos em um ano. Outro exemplo bem-sucedido foi a Campanha Nacional de Vacinação contra o Sarampo, que, em 1992, imunizou quase 50 milhões de crianças em apenas quatro semanas – um êxito sem precedentes em um país de dimensões continentais.

O Brasil recebeu o certificado de eliminação da poliomielite em 1994 e implementou estratégias para controlar doenças como sarampo, tétano neonatal, tuberculose, difteria, tétano acidental e coqueluche. Atualmente, o PNI oferta gratuitamente 17 vacinas para crianças, sete para adolescentes, quatro para adultos e idosos e três para gestantes, além das vacinas contra a Covid-19 e a gripe. Mais de 300 milhões de doses são distribuídas anualmente em cerca de 40 mil salas de vacinação espalhadas por todo o país.

VEREDITO: MITO! Vacinas não causam autismo. As causas do Transtorno do Espectro Autista têm origem genética e não estão associadas às tecnologias de imunização.

Texto: Júlia Zucchetto
Ilustração: Evandro Bertol
Edição: Luciane Treulieb
Revisão: Fabiana Coradini

 

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