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Ciência do Second Life

Antropóloga defende a aproximação entre o mundo virtual e as pesquisas acadêmicas



“Se a antropologia não se aproximar destes ambientes imersivos, é ela quem vai estar perdendo”, arremata a professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense Laura Graziela Gomes. Pós-doutora por Paris-X e Nanterre e coordenadora do Núcleo de Estudos da Modernidade (NEMO/UFF), a antropóloga estuda, desde 2007, o Second Life: um mundo virtual em três dimensões. Diferentemente dos games, no Second não há objetivo definido, metas a serem cumpridas ou punições. A plataforma conta com cerca de um milhão de usuários ativos, de acordo com a empresa criadora, Liden Lab.

Embora visto popularmente como um jogo ou uma rede social, o Second Life é, na verdade, um ambiente imersivo. Funcionaria como uma espécie de mergulho, onde o usuário, ao entrar na rede, deixaria de lado os estímulos externos para se conectar com sons e imagens virtuais.

 

Estudiosa e usuária da plataforma há quase uma década, a professora Laura Graziela considera que um dos aspectos mais importantes promovidos pelo Second é a desconstrução da tese tradicional de que o sujeito é “uno”. Nem sempre a identidade offline está representada na realidade online. A própria estudiosa possui vários avatares — personagens no mundo virtual — de gêneros e idades distintas.

 

Apesar de a pesquisa ainda estar em desenvolvimento, ela também identificou que a plataforma gera um nível de engajamento diferente das demais redes sociais: os usuários desenvolvem níveis de comprometimento com seus avatares, desde o cuidado com a construção de um corpo quanto aos bens e à vida do seu “eu virtual”.

Para a pesquisadora, assim como o Second Life, o ambiente digital e os jogos virtuais também são temáticas das quais a academia deve se aproximar, desconstruindo a ideia de que a internet e o virtual não são um ambiente de análise e produção científica. “Os jogos vão se tornar uma área importante de discussão, um modelo de e um modelo para [a produção científica]”, apontou.

 

No caso Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), já existe uma confluência entre a virtualidade e os estudos acadêmicos, como no Núcleo de Estudos sobre Emoções e Realidades Digitais (NEERD), que promove discussões acerca da tecnologia e cibercultura.

 

A professora Laura Graziela foi a convidada da última quinta-feira (31 de abril) do projeto de extensão “Pesadelos Digitais: Desvio e Abjeção no Cinema e nas Realidades Digitais”, que promove ciclos de filmes, rodadas de jogos e debates sobre a cibercultura desde 2012. Nesta entrevista para a ARCO, a pesquisadora da UFF detalha sua pesquisa e a importância do estudo das ambiências digitais. Confira:

 

Professora Laura, você iniciou os estudos sobre o Second Life em 2007. Como surgiu o interesse?

Quando a rede foi lançada eu já trabalhava com a internet, não exatamente com jogos, mas com fansites. Alguém me falou que existia um mundo virtual, eu achei interessante fui experimentar. Entrei, fiz minha inscrição e comecei, e aí eu vi que poderia fazer pesquisa ali dentro.

“A imersividade rompe a ideia de um sujeito integrado. A ideia de identidade una está sendo rompida pelas tecnologias digitais”.

O que há de diferencial na imersividade propiciada pelo Second Life? Já é possível dizer?

Num primeiro momento eu queria saber como os brasileiros estavam usando a plataforma, o que eles estavam fazendo. Em 2007, fiz uma parte do trabalho — tanto que recebi um financiamento do CNPQ para saber o que estava acontecendo — , mas depois fui desenvolvendo outros interesses, e o maior é a relação dos usuários com seus avatares e todo o tipo de implicação gerada por essa relação: por que você se apaixona por seu avatar? Por que você tem uma relação de amor e afeto? É isso o que me interessa cada vez mais, e menos as atividades de sociabilidade que as pessoas fazem. Se não houver essa relação [entre usuário e avatar] você não faz mais nada lá.

 

Há algum tipo de modificação na identidade do sujeito que faz uso destas redes?

Eu acho que não existe um eu contínuo, eu Laura-Avatar. O que defendo é que há uma ruptura, que a imersividade rompe esta ideia de um sujeito integrado. A ideia de identidade una está sendo rompida pelas tecnologias digitais. Você tem a todo momento uma refração. Não sou “eu, fulano de tal”, não aquela ideia que a psicologia tradicional tenta impôr.

 

E isto não acontece em outras redes sociais, como o facebook, o twitter…

Acontece, mas de uma forma mais difusa, pois tua relação com a realidade, com o aqui e o agora, ela existe. Uma coisa é eu estar no facebook e um familiar falar comigo. Pode ter uma descontinuidade? Pode. Mas eu não vou ter o jet lag que eu tenho em relação ao ambiente imersivo. Já ouvi várias vezes dos meus familiares que tentaram falar comigo, mas não conseguiram. Eu estava lá dentro [do Second Life], é outra experiência. Você se conecta com o facebook na rua, com o Second você nunca vai conseguir fazer isso.

 

É possível que as ambiências imersivas se tornem uma tendência das redes sociais do futuro?

Hoje a gente já vive imersivo, já temos a cidade digital. Só que a imersão ainda é mais profunda e possui certas barreiras. Por exemplo, a barreira com o 3D ainda é muito forte, ela exige uma parafernalha, se não você não estará lá dentro. O Second Life é muito conhecido, ainda, pela acusação da pornografia. Há uma acusação sistemática de que o ambiente é usado com este interesse, o que eu discordo. O que há é uma vivência de sexualidades alternativas e divergentes, e tem uma questão moral da sociedade achar que está sendo feita uma coisa errada. Eu acredito que esta questão está sendo moralizada. Há acusação de pedofilia em todas as redes.

 

A academia deve se apropriar destas temáticas, como jogos e ambiências digitais, para estudo?

Há uma tendência de que isso aconteça nas ciências humanas, ou perderemos o bonde da história. Sempre estou estudando coisas que a academia não considera muito relevante. Houve um momento, quando começamos a estudar consumo, que as pessoas começaram a xingar a gente, como se você estivesse incitando as pessoas ao consumo. Acho que a questão da tecnologia e estas ambiências é que este é o lugar onde as pessoas estão, habitam, vivem, e os antropólogos tem que se interessar por isso.

Reportagem: Nadjara Martins
Fotografias: Rafael Happke

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