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Transporte coletivo em Santa Maria: uma questão pública?



Reportagem: Raisa Nunes e Bibiana Pinheiro – Fotografia: Bibiana Pinheiro;

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Em sete anos – de 2010 a 2017 – o preço da tarifa do transporte coletivo urbano de Santa Maria subiu anualmente, exceto em 2013. Movimentada principalmente por ser sede de uma Universidade Federal, a cidade possui uma relação intrínseca com o transporte que conecta a população universitária à UFSM. Conforme a Constituição Federal de 1988, o transporte público é assegurado como um bem social, assim como saúde, moradia e educação. Porém, para que essa garantia saia do papel, o município tem a necessidade de facilitar e incentivar o acesso ao serviço. Hoje, com a passagem ao preço de R$3,60, cerca de 110 mil pessoas são transportadas diariamente para seus diferentes afazeres. 

As cinco empresas que atendem as diferentes áreas da cidade – Expresso Medianeira, Santa Catarina, Centro-Oeste, Salgado Filho e Nossa Senhora das Dores – se mantêm contratadas desde 1973 e, desde 2010, fazem parte do Sistema Integrado Municipal (SIM). Em 2010, foram implantadas a bilhetagem eletrônica e a integração das passagens e, entre 2015 e 2016, a biometria facial garantiu que o uso do cartão SIM não fosse fraudulento. Nesse processo de modernização, os custos refletiram na tarifa, junto com outros fatores que fazem parte do cálculo base do reajuste.

Os valores de cada revisão do reajuste tarifário são encontrados com base na tabela GEIPOT. Utilizada por diversos municípios, ela leva em consideração os insumos: diferentes gastos e investimentos necessários para que o serviço seja prestado. Nos sete anos, a maior incidência para a materialização dos aumentos foi a inflação anual e o dissídio dos motoristas e cobradores, que é geralmente readequado no mês de fevereiro, afirma Edmilson Gabardo, sócio administrador da Gabardo Transportes, diretor da Associação dos Transportadores Urbanos (ATU) e atual presidente do Conselho Municipal de Transporte (CMT).

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O gráfico é um comparativo, de 2010 a 2017, entre o índice anual da inflação, o índice anual do reajuste do dissídio dos motoristas e cobradores do transporte municipal e o índice anual do aumento tarifário da passagem de ônibus do transporte de Santa Maria.

Um item essencial para as empresas analisarem o cálculo é o IPK (Índice dePassageiros por Quilômetro). Quando esse número diminui, há uma instabilidade para as empresas e um reflexo no valor da passagem. As gratuidades, como as integrações das passagens, a meia passagem para estudantes e a isenção para os idosos, fazem o número de pessoas transportadas que pagam integralmente diminuir, ou seja, cai o índice e aumenta o valor da tarifa. Apesar dessa realidade, não há um interesse público em subsidiar os custos das gratuidades. O ex-secretário de Mobilidade Urbana, Silvio Souza, quando questionado sobre a ausência de subsídios, declarou: “As leis federais impostas foram simplesmente largadas para o município resolver, então não teria como nós subsidiarmos, pois não tem recursos para esse fim”.  Em contrapartida, Edmilson Gabardo, acredita que os políticos deveriam dividir a conta do transporte com toda a sociedade, já que é um serviço público essencial.

Nesse sentido, há apenas um projeto de uma CIDE (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) municipal, que concede aos prefeitos o poder de criar um imposto sobre o combustível (a gasolina e o álcool). Assim, o dinheiro arrecadado se torna investimento no transporte público para pagar os subsídios. Segundo a atual secretária de Mobilidade Urbana, Sandra Rebelato, “é uma coisa mais justa, pois vai repartir não só com os usuários, mas com toda a população que utiliza a via pública”.

Estruturas diversas como iluminação, calçadas, asfalto, que vão além do ônibus em si, mas participam igualmente na construção do serviço, são responsabilidades do município. “Hoje, existe apenas uma rua com o corredor exclusivo para ônibus e não há previsão de estendê-lo em outras vias da cidade.”, aponta a secretária de Mobilidade Urbana. Por outro lado, há um planejamento de aumentar a zona azul com estacionamento rotativo no centro da cidade para duas mil vagas, além de incentivar a construção de edifícios garagem, o que prioriza o transporte individual. Para Guilherme Lovatto, professor de Educação Física na rede pública de ensino, “o acesso à um maior poder aquisitivo possibilitou que a população adquirisse produtos pelo incentivo do governo – inclusive carros e motocicletas -, mas à nível coletivo, ainda é ausente a qualidade na saúde, no ensino e, principalmente, no transporte público”.

 Ao analisar tal conjuntura, Edmilson Gabardo declara: “A realidade é essa, cada vez menos pessoas usam o transporte e vão procurar outro meio de locomoção, ou tem pessoas que não se deslocam mais”. Segundo um funcionário de uma das empresas de coletivo urbano, que preferiu não ser identificado, a frota devia melhorar bastante: “Tem muitos ônibus sucateados e é por isso que o pessoal reclama, e acaba que as empresas não colocam ônibus mais novos, pois a cidade tem muitos buracos”. Silvio Souza aponta uma das situações cotidianas em Santa Maria: “Antigamente, o tempo de deslocamento de um ônibus do centro até a universidade dava em torno de 25 minutos, hoje, dependendo do horário não se faz em menos de 50 minutos. Então, são coisas que afastam o usuário do transporte coletivo”.

Além desses agravantes, o que preocupa a população que acompanha a situação do transporte público é a necessidade da licitação, garantida pela Constituição Federal de 1988, mas que nunca ocorreu no município, uma vez que foi estabelecido o serviço terceirizado por contrato e sem prévia de licitação. Por conseguinte, O Ministério Público (MP), em abril de 2010, deu origem a uma Ação Civil Pública para investigar a ausência do processo licitatório, visto que a obrigação de regulamentar a contratação do serviço é imediata. O perito Carlos Giovane Bortoluzzi efetuou um laudo para embasar o processo, em 2015.  A partir disso, a juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez definiu, em outubro de 2016, que as empresas responsáveis pelo transporte público e o município poderiam se manifestar acerca do conteúdo do laudo pericial. Desde então, espera-se resposta.

O contrato de serviço foi prorrogado até 2020 para que as empresas sigam em operação. Se a licitação ocorresse, segundo a Lei Federal, o contrato com as empresas terminaria e a Prefeitura seria obrigada a pagar indenizações aos funcionários, que seriam demitidos imediatamente, e às empresas, que têm investimentos temporais a longo prazo. Para Guilherme Lovatto, essa situação evidencia que o transporte público é tratado como mercadoria e não como direito básico.

Representantes X Representatividade

Para discutir a situação do transporte público em Santa Maria, há 17 representantes de diversos setores da sociedade que compõem as reuniões mensais no CMT. Tecnicamente, é pouco provável que o aumento seja barrado, uma vez que o reajuste do salário dos motoristas e cobradores – o dissídio – é diretamente relacionado com o reajuste da tarifa anual e, principalmente, pela ausência de quem sofre mais com os aumentos: o usuário do coletivo. A prova disso está nas palavras de Rodrigo Freitas, conselheiro do transporte de 2009 a 2011: “Na minha época era pior, porque era só a UFSM e o DCE (Diretório Central dos Estudantes) contra o aumento”. Já na experiência do atual representante do DCE dentro do CMT, Pedro Berleze Rorato, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também se manifestou contra o aumento. 

Há um histórico de mobilizações contra o aumento da tarifa em Santa Maria. Para a secretária de Mobilidade, os movimentos ocorreram pela falta de conhecimento sobre o processo do cálculo tarifário: “Esse ano não houve manifestações contra [o reajuste], pois ocorreu o esclarecimento sobre como se chegava ao valor”. Entretanto, a acadêmica de Jornalismo na UFSM, Victória Lopes, afirma que aconteceram protestos contrários ao último aumento: “O segundo ato contra o aumento da tarifa ocorreu no dia 19 de abril, na Saldanha Marinho, às 17h. A ideia era sair em caminhada, mas não foi muita gente que se somou, portanto optamos por um trancaço nas principais vias do centro e pela panfletagem nas ruas e nas paradas de ônibus”.

A compreensão das variáveis que compõem o serviço do transporte público permite uma análise crítica, essencialmente se pensarmos a locomoção como um direito social.  A vivência do professor Guilherme Lovatto demonstra o impacto do aumento: “Minha aula é no turno inverso e os alunos justificavam, muitas vezes, suas faltas porque não tinham duas passagens para pagar”, fato que demonstra os impactos do aumento na vida do usuário, visto que a maioria mora na periferia da cidade e depende exclusivamente do serviço.

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