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Érica Ruiz | Crisis Solutions Brasil

  1. O que é gestão de riscos e crises hoje?

Na Crisis Solutions, gostamos de trabalhar o conceito que a gestão de riscos é, acima de tudo, uma atividade estratégica que tem por objetivo identificar, avaliar, monitorar e comunicar os perigos e os riscos inerentes às atividades da companhia. Essa ação é o início de um processo que também consideramos estratégico de prevenção da companhia como um todo, pois envolve uma análise acurada das atividades operacionais e corporativas. Ou seja, é olhar para todo o ecossistema da organização e identificar as fragilidades e ameaças que, em última instância, podem atingir e comprometer sua imagem e reputação.

Já a Gestão de Crises, que também é estratégica, coloca o olhar analítico para os mesmos perigos e riscos operacionais e corporativos. Mas nesse caso, a sacada é entender que os perigos e riscos, antes somente identificados, se materializam em cenários críticos que irão exigir uma resposta, um relacionamento efetivo e uma ação estratégica junto a grupos ou públicos envolvidos diretamente pela situação crítica provocada. Ao colocarmos os riscos e as crises dentro de uma visão de gestão estratégica estamos capacitando a empresa a ter uma atitude das mais nobres, a meu ver, que se chama PREVENÇÃO. E isso é fundamental para o sucesso de qualquer organização.

 

  1. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?

Super importante tocarmos nesse ponto! Porque a palavra crise no nosso vocabulário serve para explicar várias coisas como: crise no relacionamento pessoal, crise financeira de uma pessoa, crise existencial etc. No entanto, quando falamos de crises corporativas há que se ter muito cuidado ao assumir essa condição, pois um transtorno operacional não é uma crise embora cause incômodo e tomada de decisões.

O importante é exatamente analisar os fatos postos quando um evento crítico muda o ambiente e a rotina de uma organização. Então, se há dúvidas para saber se uma empresa está em crise pergunte:

Qual é a situação crítica que estamos enfrentando? Quais os dados e fatos que temos conhecimento? Essa situação estava prevista no nosso Mapa de Risco? Qual era a probabilidade e o impacto previsto no Mapa?

Quais os dados e fatos comprovam que atingimos o nível de alerta considerado como crítico ou muito crítico? O evento ocorrido afetou algum dos componentes da nossa matriz de materialidades e estratégias de ESG?  Se sim, qual a dimensão e qual a abrangência? Quais stakeholders foram envolvidos ou atingidos por essa situação crítica? Já temos impactos e desdobramentos da situação?

Em posse desses e de outros dados importantes, conseguimos fazer uma análise crítica do cenário e fica bastante claro se estamos em uma situação de crise eminente, ou, de uma crise de fato que pode ser classificada em níveis de severidade, a depender dos desdobramentos já levantados. E nesse sentido, vale reforçar que: um comitê de crises não precisa ser convocado somente quando todos os níveis máximos de classificação foram alcançados. Por ser estratégico, um comitê de crises pode e deve ser convocado para tentar desenvolver estratégias mitigadoras para evitar a escalada da situação.

 

  1. A partir do seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 20 anos?

Sim e muito! Desde a criação da ISO 31000, falar em gestão de riscos tem se tornado mais comum que falar em gestão de crises no meio corporativo. No entanto, com a internacionalização das empresas por meio de fusões e aquisições, bem como a troca de conhecimento em modelos de gestão estratégicas no mundo globalizado, a percepção para o desenvolvimento da prática de gestão e gerenciamento de crises no Brasil é cada vez maior. Vale reforçar que após a pandemia de COVID-19, que foi uma crise de saúde pública mundial, com vários desdobramentos e deflagração de crises corporativas, as empresas passaram a adotar iniciativas mais concretas para a implantação de sistemas de gerenciamento de crises.

 

  1. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo oficial é divulgado já faz parte da comunicação de crise. Se há informações de interesse público ou do mercado que devem ser comunicadas, por que ainda são omitidas?

Assim como os estudos de gestão de risco e de crises vem ganhando espaço nas empresas e nas universidades, a comunicação de risco é um tema que deve ser explorado com afinco. Mas ainda entendo que há muito por fazer, pois um plano de comunicação de risco, dependendo do tipo de risco que estamos falando, tem que lidar com uma gama de stakeholders que possuem objetivos e ideais completamente diferentes. Encontrar uma saída requer tempo de planejamento, conhecimento, investimento e determinação. Eu considero um “baita” desafio para todos os profissionais que têm essa tarefa.  Mas uma coisa é fato!  Esse tema tem e deve ser debatido e encarado de frente pelas organizações e diversos organismos da sociedade.

 

  1. É de conhecimento que vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?

Na minha opinião, incerteza e desconfiança são características inerentes aos seres viventes e, neste sentido, a defesa e o ataque acabam sendo o único modelo de resposta (instantânea) que é encontrado, inclusive muitas vezes adotado como definição de competitividade. Quando entendemos que esse comportamento não traz resultados eficazes e passamos a funcionar de forma diferente, usando a sabedoria como a nossa forma de resposta, os mecanismos de defesa tomam outros contornos e a resposta, não mais instantânea, dá espaço à tolerância, à visão estratégica e ao respeito.

 

  1. Levando em conta o cenário digital, como a “cultura do cancelamento” vem influenciando a forma de gerir uma situação de instabilidade pela qual uma organização passa?

Gerenciar uma situação de instabilidade com a perspectiva de cancelamento vai exigir que as empresas aprendam de fato a praticar humildade, reconhecer erros e falhas de planejamento. No entanto, acho importante que haja uma reflexão acerca de qual foi o motivo do “cancelamento”, o tamanho e o estrago da situação. Acreditar que somos únicos, dominantes em um mercado ou prática e que sempre teremos a máxima aprovação e reconhecimento por tudo que fazemos, em uma sociedade tão diversa e adversa, é utopia. Nesse sentido, concordo que uma situação de crise gera desdobramentos positivos quando há, por parte dos gestores, o reconhecimento que aprender com os erros é uma das maiores atitudes de prevenção.

 

  1. Qual crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

Quando se trata de preservação de vidas, para mim, a crise é emblemática e pode se desdobrar em muitas situações negativas. Gosto muito de estudar o case da crise do desabamento da mina de cobre no Chile, San José, em 2010, no deserto de Atacama, que manteve 33 operários presos por mais de 50 dias. Até hoje, reconhece-se que foi uma operação de emergência complexa, de alto risco e uma gestão de crises com muitas decisões estratégicas, executadas de tal forma que conseguiu que todos fossem resgatados com vida. Embora haja crítica sobre como os diversos desdobramentos dessa situação foram tratados eu considero essa uma gestão com muitos aprendizados.

 

  1. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

Essa é uma pergunta que não quer calar! Promover a cultura de prevenção com a implantação da gestão de risco e crises é nossa missão aqui na Crisis Solutions há mais de 25 anos. E o que posso dizer aos profissionais é:

Muitas vezes a forma de pensar sobre riscos e crises para empresários e gestores esbarra no volume de investimento em segurança de processos que já foi empregado. É difícil pensar que um dos ativos mais importantes e caros para as empresas, que se chama segurança ou credibilidade, é frágil.  A jornada de levantar dados e informações de cases com empresas similares e o quanto a crise custou para os cofres da empresa, pode ser uma saída. Mas lembre-se estamos falando de cultura e isso não muda do dia para a noite.

Aprofunde-se em conhecimento de gestão de risco e de crises além da ótica da comunicação. Faça conexões de como o desenvolvimento dessas melhores práticas podem contribuir para o alcance dos objetivos estratégicos do negócio e estruture um estudo de como esses objetivos podem ser prejudicados, caso uma crise ocorra e se ela for mal gerenciada o quanto isso pode prejudicar ainda mais a performance da empresa.

Use e abuse da resiliência, porque você vai precisar para influenciar a cultura corporativa que evita falar das dores e ameaças.

 

  1. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e das Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

Creio que aqui temos que olhar e avaliar sobre quais as intenções que cada veículo ou profissional tem em relação ao fato a ser divulgado. A preparação profissional para cobrir uma situação crítica ou catastrófica passa, na minha opinião, pelas vertentes da ética e do compromisso com o que e como relatar. E as mesmas vertentes são válidas para quem irá consumir o conteúdo. O juízo de valor em nossos dias é um desafio tanto para quem produz como para quem consome uma notícia. Tenho refletido muito sobre como a sociedade está lidando com o que chamo de “a atratividade da tragédia”.

 

  1. Olhando de fora, no contexto atual e diante da atuação, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização brasileira nos próximos anos?

Gosto da máxima de que não existe risco zero. Dessa forma, em uma sociedade complexa e polarizada, que tenta administrar uma quantidade sobre-humana de informações digo que é possível sim perceber esses sinais. O problema é quando, pois é uma questão de timing. E o quanto estamos dispostos a tratar esses sinais para que eles não se materializem e virem uma crise.

 

*CEO da Consultoria Crisis Solutions. Mestre em Administração de Empresas. Pós-graduada em Gestão e Desenvolvimento de pessoas, Graduada em Comunicação Social/Relações Públicas. Formação Internacional em Coaching Executivo pelo ICI atuando na formação de líderes em situações de risco e crises. Certificação Internacional em Gerenciamento e Comunicação de Crises pelo ICM (Institute for Crisis Management – USA). É docente universitária há mais de 20 anos de cursos de graduação e pós-graduação, presenciais e EAD. Atuou como executiva de comunicação estratégica e marketing em grandes empresas. Atua na área de planejamento estratégico de ações e formação de executivos C-level em todas as áreas de gerenciamento e comunicação de Risco, Crises e Issues Management.