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João José Forni | Comunicação&Crise

O primeiro entrevistado do OBCC é também uma das principais referências no Brasil quando o assunto é risco e crise. Abrimos esta seção com o Prof. João José Forni, autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar Crises Corporativas”. A conversa aborda interfaces atuais com os temas tratados pelo OBCC, a exemplo dos fenômenos das fake news, da cultura do cancelamento, da pós-verdade e da viralização de conteúdos por aplicativos de mensagem. A fim de contextualizar suas reflexões, o entrevistado também discute casos como a pandemia de Covid-19, o incêndio da Boate Kiss e os acidentes com o Boeing 737 MAX. Acompanhe a seguir!

 

  1. Basicamente, quais aspectos envolvem a gestão de riscos e crises nas organizações?

 A gestão de riscos e crises deve estar profundamente alinhada à estrutura de governança da organização. E a boa governança implica ter controles rigorosos de toda a organização, que não dizem respeito apenas à necessidade de prestar contas aos acionistas, aos controladores ou à sociedade. Significam também fazer as coisas certas, o que só um sistema muito bem estruturado de compliance, ouvidoria, controladoria e auditoria podem proporcionar. O desempenho da empresa, o cumprimento de metas, o lucro, em última instância, tudo está relacionado com  um bom programa de gestão de riscos e crises.  O que nos leva à conclusão de que o tema envolve aqueles requisitos que protegem o negócio, evitando que acontecimentos negativos, por erros, mudanças na legislação, acidentes, sabotagem ou atos de má gestão comprometam a continuidade dos negócios, a segurança dos empregados, dos acionistas, dos demais stakeholders, em última instância, o futuro da empresa.

Se a gestão de riscos protege a organização de eventuais ameaças, a gestão de crises, além de evitar que crises graves aconteçam, é a salvaguarda numa situação limite. São decisões estratégicas implementadas e comunicadas sob circunstâncias excepcionais e intenso escrutínio, aguda pressão e alto risco. Uma boa gestão de crise pode salvar a reputação e o negócio da empresa. Tanto a gestão de riscos quanto a gestão de crises deveriam estar implícitas nos requisitos da boa gestão de uma organização. Essa área funciona perfeitamente afinada com a governança e o compliance da organização. E por que grande parte das empresas ainda não estruturou uma área específica para monitorar e gerenciar eventuais crises? Por que não priorizam essa competência na gestão? Primeiro, porque não acreditam que vão enfrentar alguma crise grave. Ou porque não se deram conta de que o despreparo para enfrentar uma crise corporativa é um dos principais responsáveis por pegar a direção de surpresa e redundar em consequências graves para a gestão. Quem não se prepara, naturalmente, corre mais risco de ser atingido pela crise e de sofrer suas consequências.

Finalmente, a gestão de riscos e crises não é um assunto que diga respeito apenas à direção, ao ‘board’ da organização ou a quem foi designado para tocar esse programa no contexto da empresa. Todas as áreas precisam ser envolvidas, do marketing à operação,  da logística à comunicação, do setor de distribuição ao atendimento  dos fornecedores.

Por vezes, os planos de gerenciamento de crise das organizações são desenvolvidos de maneira muito isolada, onde um departamento específico (ou a equipe de liderança) assume a iniciativa por conta própria, isolados do resto da organização. Isso resulta em um plano menos do que prático.

O gerenciamento de crise bem-sucedido requer ação colaborativa interdepartamental. Portanto, como pode ser prático abordar a preparação para a crise de maneira isolada? É muito melhor desenvolver um programa que permeie a cultura de toda a organização. Uma abordagem holística que incorpore cada segmento relevante dará ao programa mais força e credibilidade para se sustentar.

 

  1. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?

É importante entender o que é crise numa corporação. Quando falamos em crise corporativa, a maioria dos especialistas e consultores, que estudam e produzem material teórico sobre o tema, entende que falamos de fatos extremamente graves para o futuro da empresa. Daí se convencionar que crise é um acontecimento grave que signifique uma ruptura com a normalidade e – importante isso – representa uma ameaça ao “core business” da organização. Um incêndio de pequena monta não ameaça o futuro de uma grande empresa, se ele foi contido. O máximo que pode produzir é algum prejuízo, transtorno no atendimento, comprometimento de alguma instalação. Mas, se uma empresa tiver um incêndio na sua base de produção, que comprometa a continuidade do negócio, estamos diante de uma “ameaça ao core business”, certamente. O que caracteriza uma crise, portanto, é a gravidade do fato negativo que afeta a organização e de como esta vai enfrentá-lo, não importa a natureza desse fato.

Sobre quando a crise começa, é importante entender o que significa o que chamamos o “gatilho” da crise. Ou o momento zero da crise. O que e quando disparou o alarme para a empresa admitir que está mergulhada num evento grave, numa ruptura que significa crise. É quando a diretoria, a área de risco, o Comitê de Crise definem que aquele fato é realmente uma crise, porque representa uma ameaça séria ao ‘business’ da empresa. Só a diretoria, junto com as equipes de gestão de riscos e crises, podem mensurar a gravidade do fato do ponto de vista da gestão. Se uma filial da empresa começou a dar prejuízo, pode ser que a matriz precise fechar essa filial. Mas se essa filial representa 60% do faturamento da empresa, então estamos diante de uma crise gravíssima que, realmente, ameaça os resultados, o negócio e o futuro da empresa. E não basta só fechar essa filial. Importante também registrar que muitas vezes uma grande crise não chega de uma só vez, ela é gestada aos poucos, os fatos não foram percebidos. E acabam se manifestando em forma de crise.

 

  1. No seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 20 anos?

Sem dúvida, avançaram. Quando eu comecei a me aprofundar nesse tema, no início dos anos 2000, poucas empresas falavam em gestão de riscos ou de crises no Brasil. A gestão de riscos era um tema restrito à área financeira, compelida por decisões de fóruns internacionais que exigiam dos bancos a profissionalização dessa área. No exterior, principalmente em países como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Austrália, para dar alguns exemplos, a gestão de crises e a comunicação de crise já eram temas bastante discutidos e tratados, principalmente a partir de crises graves que aconteceram com indústrias de petróleo, transporte, bancos, educação e saúde, a partir dos anos 1970 e 1980.

Assim como a gestão das empresas avançou nos últimos anos, com muito mais profissionalismo, formação dos executivos, uso da tecnologia avançada, a gestão de riscos e crises também passou a ter uma importância muito maior. No Brasil, o tema foi inserido como prioritário no programa de muitas empresas, principalmente aquelas que já tinham planos de contingência ou de risco estruturados e profissionalizados.

Há pouco mais de 20 anos, não havia em português uma bibliografia consistente sobre o assunto, bem como cursos de treinamento e formação, porque o tema gestão de crises era um tanto ignorado e até estigmatizado por questões culturais. A imprensa pouco abordava o assunto, a não ser quando um fato gravíssimo acontecia, como por exemplo um grande incêndio, como do Edifício Joelma, em São Paulo, em 1974, quando morreram 187 pessoas e deixou mais de 300 feridos, fato que causou uma comoção nacional. Demorou muito ainda para as empresas começarem a se preocupar em estruturar uma área com foco em crises, com profissionais preparados, voltada para o mapeamento dos riscos e com foco em medidas de prevenção. Algo que hoje faz parte da pauta dos administradores, sendo até cobrado pelo mercado.

 

  1. Poucas comunicações de risco são publicadas. Quando algo oficial é divulgado já é uma comunicação de crise. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas para fins de alerta e prevenção, por exemplo, por que ainda são omitidas ou negligenciadas?

Esse é um outro fato da cultura empresarial no país. Desconheço se seria uma falha principalmente dos países menos desenvolvidos, com menos tradição na prevenção e nos cuidados com a vida ou se é um problema de gestão empresarial. A verdade mesmo é que até poucos anos não se falava no Brasil em prevenção ou gestão de riscos. Basta lembrar que não vai muito longe, o fumo era liberado nos cinemas, boates, clubes, salões de bailes, shows. Fazia parte de nossa cultura, com alto risco de tragédias semelhantes ao que aconteceu, por exemplo, na boate Kiss, em Santa Maria, em 2013 ou no Gran Circus Norte Americano, em Niterói, em 1961, a maior tragédia brasileira, em incêndio, com mais de 500 mortes.

Mesmo na área de desastres naturais, como não lembrar da tragédia no Rio de Janeiro, em 2011, quando calcula-se morreram mais de mil pessoas. Não havia sistemas de alerta de tempestades, não havia prevenção de crise para moradores de encostas. O descuido com as casas noturnas ou nos desastres naturais é uma mostra de que a palavra risco não fazia parte dos procedimentos de gestão. No caso dos incêndios, denotavam, inclusive, uma grave falha de fiscalização do próprio Corpo de Bombeiros ou das Prefeituras. O que mudou? Já existe uma nova mentalidade no país, além de vasto material bibliográfico, como uma tentativa de disseminar uma cultura empresarial sobre o tema gestão de riscos, mas ainda muito voltada para riscos financeiros. Há uma dificuldade de os gestores entenderem que quando ele previne, ele se prepara, ele está fazendo o correto na defesa do negócio e da reputação da empresa.

A área da saúde no Brasil também tem avançado no quesito gestão de riscos, sabendo que nesse setor a probabilidade de crises é permanente, com riscos potenciais que precisam ser continuamente monitorados, não só para preservar a reputação, defender a marca, mas porque dizem respeito à vida das pessoas. Como admitir, por exemplo, que num dos principais hospitais dos EUA, um médico ginecologista tenha fotografado e armazenado fotos de mais de 7 mil mulheres pacientes, durante anos, nos momentos mais íntimos, uma violação grosseira da confiança médico-paciente, sem que o hospital tenha descoberto. Considerado esse um dos maiores casos de negligência médica do tipo. Em 2014, o hospital concordou em pagar 190 milhões de dólares de indenização a 7 mil mulheres, vítimas desse profissional, que acabou se suicidando. Uma falha grave de gestão de riscos, no caso.

Mais recentemente, com alguns atentados que ocorreram nas escolas, começam a aparecer trabalhos, publicações, simpósios, grupos de estudos sobre riscos e crises na área da educação, tema totalmente ignorado há poucos anos. Repetindo e respondendo: a cultura da gestão de riscos e crises no Brasil ainda não foi disseminada, por isso informações de interesse público que possam evitar eventos negativos, que se transformam em crises, devem ser sempre amplamente divulgadas. Os gestores têm que entender que falar sobre gestão de riscos e crises, compartilhar conteúdos, institucionalizar uma área, tudo isso vai melhorar muito a relação dessa organização com a sociedade e seus stakeholders. E em boa hora comemoramos o surgimento do Observatório da Comunicação de Crise, certamente um fórum importantíssimo para aglutinar profissionais de gestão e de comunicação com foco nesse tema e criar uma memória, um capital intelectual sobre como gerenciar crises.

 

  1. Vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?

Creio que o excesso de exposição, que começou ainda incipiente com a Internet e evoluiu para as redes sociais tem possibilitado esse fenômeno. A tecnologia evoluiu, possibilitando que as empresas e as pessoas multipliquem clientes ou seguidores apenas com um clique, sem necessidade da presença física ou de mecanismos complicados de checagem e identificação.  Por outro lado, o comércio e as relações econômicas online dispensaram a presença física, mas não o relacionamento e nem imunizaram clientes e empresas das crises. Os clientes continuam reclamando, devolvendo e repercutindo, agora, nas redes sociais.

Resultado disso é uma relação bastante fluida, baseada em cliques e ‘likes’, o que, convenhamos, se fragiliza com muita rapidez e, por vezes, leva à impessoalidade, à falta de interação e, por que não dizer, ao pouco caso pelo cliente. Os produtos são oferecidos por um algoritmo e não porque o cliente é importante ou mereça um tratamento pessoalizado. Essa obsessão por participar de tudo e da necessidade do famigerado cadastro, do condomínio ao clube, da receita federal à rede social, onde vamos deixando nossos próprios rastros e dados, acaba por criar relações muito frágeis, que geram incertezas para muitas pessoas.

Há uma banalização no Brasil do uso de dados pessoais; até para comprar um picolé o cliente acaba deixando sua digital, o CPF, quando não o telefone, endereço, e-mail. Em função disso, as fraudes no País se disseminaram, gerando uma insegurança no consumidor. Há ‘golpes’ em todas as áreas, sempre envolvendo Internet ou Redes Sociais. O telefone celular tanto pode ser o objeto do desejo para ficar conectado, quanto o vilão que abre as portas para as fraudes, principalmente de certas camadas da população, como idosos, pobres e desempregados. O cidadão passa a ter medo até de fornecer seus dados para o recenseamento do IBGE ou dissemina ‘fake news’, como se esses dados fossem ser usados para outros propósitos menos nobres. Tudo isso decorre do tipo de sociedade que fomos criando nos últimos anos: egoísta, mercantilista, consumista e fechada. É um cenário propício a crises, principalmente digitais.

 

  1. Levando em conta o contexto digital, como a “cultura do cancelamento” vem influenciando a forma de gerir riscos, ou então, o modo de gestão de uma crise organizacional gerada por “cancelamento”?

Esse é outro fenômeno que tem afetado a imagem de pessoas e organizações, principalmente aquelas com alta exposição nas redes sociais. Na minha visão, o excesso de exposição tem levado a crises desse tipo, há uma necessidade até obsessiva pela presença nas redes. Por isso, a gestão das redes sociais, tanto de formadores de opinião, ‘influencers’, gestores das empresas e principalmente das próprias redes corporativas deve ser feita por profissionais que conhecem os riscos e sabem como gerenciá-los para evitar crises. A gestão das redes sociais na empresa não pode ser delegada a qualquer empregado, até porque ele administra um instrumento poderoso que pode causar um crise grave, um prejuízo monumental e um arranhão irreparável na reputação. É como dar um fuzil para o empregado sem treino e permitir que ele fique atirando a esmo. Alguém vai se ferir. Os executivos das empresas hoje devem fazer treinamentos e dominar conteúdos voltados para esse mundo online para evitar que essa área seja a porta de entrada das crises, que podem levar ao ‘cancelamento’ de pessoas ou de marcas.

Outro aspecto perverso do cancelamento é que as pessoas se empoderam como se fossem juízes e acabam fazendo um julgamento em praça pública dos desafetos ou, quando não, expondo publicamente divergências sobre determinado assunto. Ninguém está a priori autorizado a julgar e cancelar quem quer que seja. Esse tema tem gerado um novo tipo de crise para as organizações, para o que as empresas precisam ter protocolos bem definidos e prontos para aplicar. Basta fazer uma pergunta a um gestor para conferir se ele está preparado para esse mundo: você demitiria algum empregado da sua empresa, pelas redes sociais?

 

  1. Na mesma direção, outros fenômenos pós-digitais preocupam os gestores da área. Na sua análise, como lidar com as fake news e a pós-verdade em tempos de viralização por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais digitais? Como planejar neste cenário?

As ‘fake news’ se transformaram na grande vilã das redes sociais, porque nada mais são do que notícias ou relatos falsos, que só encontram guarida nas pessoas que querem enganar, mistificar a verdade, criar factoides e narrativas falsas. Durante a pandemia, a credibilidade das redes sociais afundou porque foram caudatárias de informações pouco confiáveis. Não só no Brasil. As empresas e os profissionais precisam combater com todos os instrumentos disponíveis a divulgação de ‘fake news’, reagindo imediatamente se o alvo for a própria organização.  Assim como a empresa reage quando a mídia tradicional publica notícias suspeitas ou inverídicas. O mundo digital, ao contrário do que muita gente pensa, não é um mundo sem lei, onde podemos ou os concorrentes, outras pessoas podem fazer o que bem entendem. Afinal, “estou na minha rede”. Existe legislação cada vez mais rígida sobre o uso irresponsável das redes sociais. O uso errado politicamente das redes sociais é a última herança dessa era da desinformação.

Corremos o risco de desvirtuarmos o conceito de notícia e de informação. Segundo o pesquisador e tecnólogo do Tow Center para Jornalismo Digital da Universidade de Columbia, Aviv Ovadya, nós podemos ter uma sociedade inundada de informações falsas em que as pessoas só acreditam no que querem, virando as costas para os fatos, como recentemente vimos acontecer na eleição americana e mesmo na reação à eleição para presidente, no Brasil. Quando a sociedade, as organizações deixam de combater a disseminação de notícias falsas, elas acabam correndo sérios riscos de serem enganadas, além de contribuírem para o enfraquecimento da credibilidade da mídia. Porque nada mais tem valor.  Começamos a viver num mundo paralelo, como acontece com algumas facções que seguem determinadas ideologias. Só acreditamos naquilo que queremos acreditar e definimos como verdade. Ora, isso é um perigo e uma completa aberração porque nós, não importa nossas opções políticas, não somos donos da verdade, não temos o dom de estar no lado certo sempre.

 

  1. Qual situação de crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

Dois ‘cases’ que considero emblemáticos, nos últimos anos. O primeiro foi o resgate dos 33 mineiros chilenos, em 2013, que foram soterrados a 700m de profundidade, na mina San José, a 800 quilômetros ao norte da capital Santiago,  e ficaram confinados num pequeno espaço que não desabou. As ações tomadas pelo governo do Chile, logo após o evento, para coordenar como seria feito o resgate, são exemplares de como uma empresa ou um governo deve agir numa situação de crise, num momento extremamente delicado e que exige ações emergenciais urgentes, porque havia vidas em jogo. Crises raras, como essa, têm a propriedade de incomodar, sacudir, romper com a normalidade. Primeiro, a escolha de quem vai liderar a crise, no caso foi o ministro das Minas do Chile, certamente o grande responsável pelo sucesso da operação. Ele coordenou todas as ações, sob grande pressão e necessidade de decisões cruciais que levavam em conta vários fatores: a premência do tempo e o risco de vida que os mineiros corriam; a pressão e angústia dos parentes e da mídia nacional e internacional; a falta de antecedentes de semelhante acidente para ajudar nas alternativas de solução, e a pressão política.

O ministro fixou as diretrizes que norteariam a solução da crise, ele assumiu a liderança realmente e fez valer sua autoridade. Disciplinou os contatos dos familiares com os mineiros, para manter o moral do grupo; elegeu um coordenador ou líder que lá embaixo manteria o diálogo com as autoridades e, ao mesmo tempo, tinha ascendência sobre o grupo; foi humilde ao pedir ajuda aos Estados Unidos, Rússia e Austrália, países com experiências parecidas. E conseguiu manter a mídia informada, sem entrar em choque com os jornalistas. Ele criou uma equipe de engenheiros, médicos, psicólogos, nutricionistas, pastores, padres para dar apoio psicológico aos mineiros, prometendo fazer todo o possível para resgatá-los até o Natal. Sendo que o desabamento ocorreu em agosto. Ele procurou não prometer o que não tinha segurança de que poderia entregar, para não criar falsas expectativas.

Não esquecer que essa crise não tinha um precedente em que o Chile pudesse se basear. Antes do prazo, em outubro, eles anunciaram o início do resgate, retirando-os um a um, numa operação delicada, envolvendo uma cápsula construída especialmente para trazer os mineiros das profundezas. O resgate, em 5 de outubro, se tornou um dos eventos mais assistidos do mundo até então, com cerca de 1 bilhão de telespectadores. E teve um final feliz: todos os mineiros foram retirados com vida da mina destruída. Se fôssemos definir quais os elementos básicos desse sucesso, diria: liderança, ousadia, coragem, humildade, comprometimento e boa comunicação.

O pouso improvável

O Segundo case foi o do avião da US Airways, que decolou do aeroporto La Guardia em Nova York e precisou fazer um pouso de emergência no Rio Hudson, em janeiro de 2009, devido à pane numa turbina. Pilotos experientes concordam que aquele pouso foi improvável, porque poucos profissionais nos Estados Unidos, mesmo com experiência, reuniriam todas as habilidades para pousar aquele avião no Rio Hudson, nas condições de voo em que se encontrava. O comandante do avião Chesley Sullenberger, 57 anos, foi considerado um herói nacional pela façanha. Dificilmente, dizem pilotos experientes, um piloto conseguiria pousar no rio sem danos ao avião e possivelmente vítimas. Mas o comandante conseguiu. E não foi por acaso. Sullenberger é piloto da Força Aérea, com 40 anos de experiência, e treinava pilotos para situações de emergência. Só isso pode explicar o sucesso.

Cases negativos

Se fosse citar dois casos de crise em que o gerenciamento foi um desastre um deles foi o da boate Kiss em Santa Maria. Não havia qualquer tipo de prevenção no prédio, além de todos, principalmente os proprietários e empregados, serem despreparados para enfrentar qualquer situação grave de emergência, como ficou demonstrado. A sucessão de erros levou à morte 242 pessoas e centenas de feridos, a maioria de jovens. Os erros em Santa Maria são de gestão, de omissão e de conivência com o desleixo nos mecanismos de prevenção de uma possível crise. Em resumo, a boate não tinha saídas de emergência (o que responsabiliza também os bombeiros e os órgãos públicos que deveriam fiscalizar), utilizou material inflamável num ambiente fechado, não sabia o que fazer quando o fogo começou; excesso de público, além da lotação, na boate, o que caracterizou privilegiar o lucro em lugar da segurança; a ganância, em contraposição aos mecanismos de prevenção. Equipes de contenção de incêndios treinadas, saídas de emergência amplamente sinalizadas e extintores espalhados pelo ambiente, poderiam ter evitado pelo menos a dimensão dessa tragédia.

O outro case, um desastre mais recente, é internacional. O do defeito descoberto no modelo 737 MAX da Boeing. Essa crise começa a tomar corpo a partir de dois acidentes com esse modelo, um na Indonésia, em 2018, e o segundo na Etiópia, em 2019. Não demorou para as autoridades americanas e de outros países investigarem e concluírem que os pilotos perderam o controle dos dois aviões, por defeito na aeronave, como registrado nas gravações. Os aviões eram modelos novos e as caixas pretas mostraram problemas semelhantes nos dois acidentes. Investigações apontam que a pressa em colocar o avião no mercado teria omitido uma série de testes que poderiam ter mostrado o defeito. Resultado: uma enorme crise para a Boeing, da qual ela ainda não se livrou.

 

  1. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

Reputo o trabalho dos profissionais de Comunicação como decisivo para esse passo tão importante nas empresas. E por que? Porque a Comunicação tem a sensibilidade, a oportunidade e a necessidade de convencer a diretoria a mobilizar, dentro da organização, pessoas que precisam conduzir esse tema dentro da empresa. Que estruturem o Comitê de Crise, que seria o grupo centralizador das ações nos casos de crises graves, que viessem a ameaçar o negócio ou a reputação da empresa. A comunicação poderia ser esse ‘pusher’ da área de crise, principalmente num primeiro momento. Qualquer crise grave na empresa terá desdobramentos na comunicação.

Mas é bom esclarecer que a comunicação não é a área melhor indicada para centralizar e comandar essa atividade, nem tampouco coordenar o Comitê de Crise. Os profissionais de comunicação têm a capacidade de sensibilizar a diretoria para convencê-la a institucionalizar uma área de gestão de crise e devem fazer parte do Comitê. Mas é uma atividade mais apropriada e pertinente ao pessoal da área de gestão de riscos e de continuidade de negócios. Considero como decisivo esse papel do pessoal da Comunicação para que a empresa coloque a crise na pauta da diretoria e dissemine isso para a organização toda.

 

  1. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e as Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

Acredito que sim, porque o país passou por uma fase extremamente grave e aguda entre os anos de 2020 e 2022, e a imprensa conseguiu contornar até a equivocada decisão do Ministério da Saúde de não divulgar os números da Covid-19, sob o entendimento de que não era interessante para o país e para a mídia ficar atualizando o número de contaminados e de mortes diariamente. A imprensa enfrentou na época o negacionismo do governo de então, que demitia ministros da Saúde, em plena pandemia, porque estes não aceitavam usar remédios de eficácia duvidosa para combater a Covid-19, como o Presidente da República queria.

Rapidamente, um pool de jornais, redes de televisão e rádio se juntaram no chamado Consórcio de Imprensa e mantiveram a população informada desses números nada bons para o país. Isso fez a imprensa assumir o protagonismo das informações sobre Covid-19. O ministério da Saúde e órgãos públicos que dependiam desse serviço, aos poucos perderam credibilidade pelos erros do governo. Representou uma tremenda falha que custou um grande prejuízo ao País em perda de vidas e no timing para retomar os negócios.  Essa experiência propiciou o aprimoramento dos controles, as equipes se prepararam, buscando fontes com credibilidade para informar a população e foi decisiva para acelerar o processo de vacinação no País contra a Covid-19.

Não há dúvidas de que o trabalho da mídia brasileira foi o grande responsável pelos altos índices de vacinação que acabaram por estancar o avanço do vírus em nosso país. Essa insegurança na informação certamente acabou prejudicando o tratamento contra a Covid, no primeiro ano da disseminação. Tanto isso é verdade que o Brasil acabou sendo o segundo país do mundo em número de mortes por Coronavírus, só superado pelos Estados Unidos. E com um índice de mortes por milhão de habitantes entre os mais altos do mundo. Em resumo: o trabalho da imprensa nesse tipo de crise é fundamental para manter a população informada.

 

  1. E as organizações não-midiáticas, têm melhores condições de gerir os impactos de uma conjuntura semelhante a imposta pela pandemia de Covid-19, caso viesse a ocorrer algo com a mesma dimensão?

As organizações não midiáticas como Ongs, associações de classe, entidades culturais, associações beneficentes, até mesmo os hospitais têm um papel interessante nesse caso exemplar da pandemia. Elas lidam com milhões de pessoas e algumas têm grande credibilidade. Num momento de grande polarização no país, dividido entre grande parte da população que seguia os protocolos recomendados pela OMS a respeito da pandemia, e outro que preferia acreditar em ‘fake news’, até mesmo disseminadas pelo Presidente da República e alguns ministros sobre remédios sem eficácia, falácia da vacina, distanciamento social, etc. essas organizações acabaram assumindo um papel decisivo.

O que faltou no Brasil na época da Covid-19 no auge, foi exatamente isso, toda a sociedade ajudar o governo e a mídia a disseminar boas notícias sobre vacinas, prevenção, uso de equipamentos e outros instrumentos para evitar contrair e espalhar a doença. A mídia, nem as redes sociais, conseguem atender à demanda de informação, até porque os governos em geral, quando escancaradas as deficiências de atendimento, como aconteceu na pandemia do Coronavírus, têm dificuldade de entender e conviver com a imprensa livre e democrática que acaba assumindo um papel de fiscal da sociedade. Os governos têm extrema dificuldade de reconhecer problemas e erros. Preferem iludir. Só que hoje, com as redes sociais até iludir se tornou algo que a sociedade não suporta.

 

  1. Qual/Quais as melhores lições da pandemia para a subárea de gestão de risco e crise?

Primeiro, a pandemia colocou muitos países e grande parte do mundo num estado de crise. Enfrentamos de fato três crises a um só tempo, a sanitária, a econômica e a política, porque a pandemia, além de causar uma pane na saúde, congestionando hospitais e colapsando o sistema de saúde de modo geral, também afetou a economia, tendo em vista que vários países literalmente tiveram que adotar um lockdown, como a Itália, Alemanha, Espanha e tantos outros. Parou tudo. A comunicação foi a âncora desse processo, porque sem informação, sem a boa comunicação as pessoas não sabiam o que fazer. Principalmente no Brasil, onde havia uma polarização política sobre a melhor forma de combater o vírus. O governo querendo manter a economia funcionando pregava como ineficaz a sugestão da saúde de ficar em casa. E os infectologistas sensatos recomendavam máscaras e isolamento. Então, como lições, podemos inferir que a comunicação cresce de importância em momentos de crise, como insumo imprescindível para governos e empresas conseguirem administrar com um mínimo de coerência essa situação.

Outra lição foi aprender que as crises não podem ser minimizadas, não importa o que esteja acontecendo. O governo principalmente precisa estar preparado para essas situações emergenciais, encarando com rapidez as orientações dos órgãos de saúde e colocando toda a estrutura à disposição da população. O risco sempre vai existir não apenas na área da saúde, embora essa seja uma das mais delicadas e vulneráveis. No caso do Brasil, em todas as pesquisas a saúde sempre apareceu –  e continua aparecendo – como “um dos maiores problemas do país”.

 

   13. No contexto atual e diante da atuação de empresas e governos, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização brasileira nos próximos anos?

Sim, o Ministério da Saúde e órgãos correlatos, bem como os profissionais que trabalharam na área durante três anos correram sério risco de serem alijados de decisões importantes, por se aliarem a um esquema de negacionismo, que pregava drogas sem eficácia comprovada para combater a Covid-19, além de terem conspirado para protelar a compra de vacinas. Essa foi uma página errática da área de Saúde que não deveria ter sido seguida, não importa quem fosse o Presidente ou o Ministro.

Assim também com os médicos que aderiram ao famigerado tratamento precoce com Cloroquina e outras drogas também sem eficácia comprovada. Incluindo o Conselho Federal de Medicina (CFM), criticado pela postura dúbia, nos piores momentos da pandemia. A história é implacável. Não irá esquecer quem ficou do lado errado na pandemia. Principalmente a classe médica e aqueles que pregaram o ficar em casa, não usar máscaras, romper o isolamento e outras práticas recomendadas pela OMS e outros órgãos de saúde no auge da pandemia.

O setor de combustível também se desgastou bastante durante a pandemia, quando o preço da gasolina chegou a patamares de até R$ 8,00. Em algumas cidades, esse setor funciona como um cartel, todos subiam de preço no mesmo dia. O que contribuiu para deixar o cenário econômico ainda pior, num contexto vulnerável do país.

Outro órgão que sai chamuscado é o INSS. Ele já não tinha uma boa imagem, mas durante a pandemia chegou ao fundo do poço ao acumular cerca de um milhão de pedidos de perícia para aposentadoria por invalidez ou outros benefícios. Os problemas no atendimento online e presencial, associados à demora em agendar e resolver as perícias, deixando milhares de pessoas sem salário, é uma das páginas mais lamentáveis desse período no Brasil. A curto prazo, será difícil recuperar a reputação. De um lado ou de outro, quem escorregou durante a pandemia não vai consertar a reputação num curto espaço de tempo.

 

* Natural do Rio G. do Sul. Formado em Letras e Jornalismo.  É Mestre em Comunicação pela UnB. E tem um MBA em Gestão Estratégica pela USP. Tem vasta experiência em comunicação empresarial. Professor de Pós-Graduação em Comunicação Pública e Gestão da Comunicação nas Organizações. Foi Gerente de Comunicação do Banco do Brasil durante vários anos, tendo passado por todas as áreas da Comunicação Corporativa. Foi Superintendente de Comunicação e Diretor Comercial da Infraero – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária. E também passou pela gestão do Curso de Comunicação Social do Centro de Ensino Unificado de Brasília-UniCEUB.  Consultor de Comunicação, com foco na gestão de crises; e autor de inúmeros artigos, entrevistas e capítulos de livros sobre o tema comunicação e gestão de crises.  Autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar Crises Corporativas” (Atlas, 3ªedição, 2019). Criador e editor do site www.comunicacaoecrise.com