- Qual é a sua avaliação sobre a atuação dos grupos de pesquisa brasileiros diante das crises climáticas recentes e da pandemia de COVID-19? Poderia destacar exemplos de iniciativas que tiveram impacto significativo?
Os grupos de pesquisa brasileiros desempenharam um papel essencial na resposta às crises climáticas e sanitárias, demonstrando grande capacidade de adaptação e inovação. Durante a pandemia de COVID-19, pesquisadores brasileiros foram fundamentais no desenvolvimento de testes diagnósticos, na modelagem epidemiológica para prever cenários e na realização de ensaios clínicos que contribuíram para o tratamento da doença. Destaco a atuação de grupos que trabalharam na produção de vacinas nacionais, como a ButanVac e a SpiN-Tec, além de pesquisas voltadas à genotipagem do vírus, que ajudaram no monitoramento das variantes circulantes. No âmbito das crises climáticas, projetos de pesquisa têm auxiliado na prevenção de desastres ambientais, como enchentes e secas extremas, por meio do uso de tecnologias de sensoriamento remoto e modelagem climática. O Brasil tem se destacado na aplicação de ciência e inovação para mitigar impactos e propor soluções sustentáveis para esses desafios.
- De que maneiras específicas os pesquisadores contribuíram para a sociedade durante esses períodos de crise? Há projetos ou estudos que o senhor considera exemplares nesse contexto?
Os pesquisadores desempenharam um papel decisivo na comunicação científica e na produção de conhecimento que orientou políticas públicas. Durante a pandemia, cientistas atuaram na produção de evidências para embasar medidas sanitárias, no desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas e no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O consórcio de sequenciamento genômico de SARS-CoV-2, por exemplo, foi uma iniciativa que permitiu a identificação rápida de variantes e a adoção de estratégias de controle mais eficientes. Na área ambiental, pesquisas sobre desastres naturais e mudanças climáticas têm impactado diretamente a formulação de políticas de resiliência e adaptação. Modelos de previsão climática desenvolvidos por instituições brasileiras foram fundamentais para mitigar os efeitos de enchentes recentes no Sul do Brasil, permitindo a criação de sistemas de alerta e ações preventivas.
- Quais são os principais desafios e oportunidades na incorporação de inovação e tecnologia para a contenção de crises sanitárias e ambientais? Poderia comentar sobre experiências bem-sucedidas nesse âmbito?
Um dos grandes desafios na incorporação de inovação para contenção de crises é a necessidade de investimentos contínuos e a estruturação de redes de colaboração entre academia, governo e setor privado. Além disso, a transposição do conhecimento científico para aplicações práticas precisa ser mais ágil. Uma oportunidade significativa é o uso de inteligência artificial e big data para análise preditiva, permitindo prever surtos de doenças e desastres naturais. No Brasil, tivemos experiências bem-sucedidas como o uso de IA para mapeamento de áreas de risco em eventos climáticos extremos e a criação de plataformas para monitoramento epidemiológico em tempo real. Um exemplo notável é o trabalho da startup TideSat, apoiada pela FAPERGS, que desenvolveu um sistema de medição remota do nível da água, permitindo um monitoramento preciso e contínuo de áreas sujeitas a enchentes. Essa tecnologia auxilia na prevenção de desastres, fornecendo dados essenciais para a tomada de decisões estratégicas em tempo real, contribuindo para minimizar os impactos de crises ambientais.
- Como as instituições de pesquisa e os governos podem fortalecer a colaboração para aumentar a eficácia das ações dos ICTs e dos pesquisadores na prevenção e mitigação de crises? Existem modelos de parceria que o senhor considera ideais?
A colaboração entre governo e instituições de pesquisa pode ser fortalecida por meio de programas estruturados de financiamento e redes de inovação aberta. Modelos como o financiamento conjunto entre agências de fomento e ministérios setoriais permitem uma abordagem mais integrada e eficiente. A criação de centros interinstitucionais de pesquisa aplicada, envolvendo ICTs, órgãos governamentais e empresas, é um modelo bem-sucedido já adotado em outros países e que pode ser ampliado no Brasil. A cooperação internacional também desempenha um papel fundamental, permitindo o compartilhamento de dados e tecnologias para uma resposta mais rápida às crises globais.
- No contexto da FAPERGS, quais são as principais estratégias adotadas para apoiar projetos voltados à prevenção de crises? Poderia mencionar iniciativas específicas que receberam suporte da fundação?
A FAPERGS tem investido em chamadas públicas voltadas à pesquisa aplicada em saúde e meio ambiente, estimulando projetos inovadores que contribuam para a resiliência da sociedade. Financiamos estudos sobre o impacto das mudanças climáticas no Rio Grande do Sul, assim como projetos voltados à modelagem epidemiológica e vigilância genômica. Além disso, temos apoiado pesquisas na área de biotecnologia voltadas ao desenvolvimento de vacinas e diagnósticos de doenças emergentes. Durante a pandemia de COVID-19, lançamos editais emergenciais para apoiar pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de tecnologias de diagnóstico, monitoramento epidemiológico e estratégias de controle da doença. Já em resposta ao desastre climático que afetou o Rio Grande do Sul, foram abertas chamadas emergenciais para financiamento de pesquisas voltadas à prevenção de novos eventos extremos, soluções para recuperação ambiental e impacto das mudanças climáticas na saúde pública. Essas iniciativas demonstram o compromisso da FAPERGS com a pesquisa aplicada à mitigação de crises e ao fortalecimento da resiliência da sociedade.
- Como o investimento governamental em ciência e tecnologia se traduz em benefícios concretos para a sociedade em tempos de crise? Há métricas ou exemplos que ilustram esse retorno?
O investimento governamental em ciência e tecnologia se traduz em benefícios diretos para a sociedade ao permitir respostas ágeis e eficientes a crises sanitárias e ambientais. Durante a pandemia de COVID-19, o financiamento público possibilitou a produção de testes diagnósticos em larga escala, a estruturação de redes de vigilância epidemiológica e a aceleração do desenvolvimento de vacinas, como a ButanVac. Na área ambiental, investimentos em pesquisa viabilizaram tecnologias para previsão e mitigação de eventos climáticos extremos, reduzindo impactos socioeconômicos. Há estudos científicos que utilizam metodologias adequadas e com isso conseguem demonstrar o retorno desse investimento. Além disso, a geração de empregos qualificados e o fortalecimento da indústria nacional de biotecnologia e de outras áreas são impactos positivos que evidenciam a importância desse financiamento contínuo. O fortalecimento dos institutos de pesquisa e das universidades através de editais específicos, como os promovidos pela FAPERGS, contribui para que o conhecimento gerado tenha aplicação prática e impacto real na vida da população.
- Na sua opinião, quais são as principais fortalezas e áreas de melhoria da ciência brasileira no enfrentamento de crises climáticas e de saúde pública?
A ciência brasileira possui uma grande capacidade de resposta a crises, demonstrada pela rápida mobilização de pesquisadores durante a pandemia e pelos avanços científicos em biotecnologia, epidemiologia e modelagem climática. Instituições de pesquisa bem estruturadas, a exemplo das universidades federais, da Fiocruz e do Instituto Butantan, têm desempenhado um papel essencial no desenvolvimento de vacinas, testes diagnósticos e sistemas de monitoramento ambiental. Além disso, o Brasil se destaca na produção de conhecimento em biodiversidade e mudanças climáticas, áreas estratégicas para a mitigação dos impactos ambientais e sanitários.
Por outro lado, um dos principais desafios enfrentados pela ciência brasileira é a necessidade de financiamento contínuo e previsível. Oscilações orçamentárias afetam a capacidade de manter projetos de longo prazo, essenciais para a prevenção de crises. Além disso, há uma carência na integração entre academia, setor produtivo e formuladores de políticas públicas, o que dificulta a aplicação prática dos avanços científicos. O fortalecimento de redes de colaboração nacionais e internacionais, assim como o incentivo à inovação e ao empreendedorismo científico, são aspectos fundamentais para ampliar o impacto da ciência no enfrentamento de crises futuras.
- Além do apoio à saúde pública, como a FAPERGS tem incentivado pesquisas que abordam a interseção entre saúde e meio ambiente, considerando a crescente relevância das questões ambientais para a saúde humana?
A FAPERGS tem promovido a integração entre saúde e meio ambiente por meio de parcerias estratégicas, destacando-se a colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no âmbito do Programa Inova Fiocruz – Programa de Pesquisa em Saúde Única. Em 2022, foi lançado o Edital FAPERGS/FIOCRUZ 13/2022 – REDE SAÚDE-RS, com um investimento total de R$ 4 milhões, sendo R$ 2 milhões provenientes de cada instituição. Este edital teve como objetivo apoiar pesquisas científicas inovadoras e multicêntricas que abordassem o conceito de Saúde Única, reconhecendo a interconexão entre saúde humana, animal e ambiental. As propostas contemplaram diversas linhas de pesquisa, incluindo zoonoses e vetores, biodiversidade, poluição, mudanças climáticas e resistência antimicrobiana.
Como resultado dessa iniciativa, foram selecionados 12 projetos que estão em andamento, promovendo a colaboração entre pesquisadores de diferentes instituições e áreas do conhecimento. Além disso, a FAPERGS participa ativamente da Rede Saúde Única, um consórcio que reúne diversas instituições, incluindo e secretarias do Estado. Essa rede busca disseminar o conhecimento da abordagem de Saúde Única em diferentes instâncias da sociedade, capacitando profissionais e promovendo ações integradas para enfrentar questões de saúde pública que envolvem a saúde humana, animal e ambiental. Essas iniciativas refletem o compromisso da FAPERGS em fomentar pesquisas interdisciplinares que contribuam para o desenvolvimento de políticas públicas baseadas em ciência, garantindo uma abordagem integrada e eficiente para os desafios de saúde e sustentabilidade.
- Quais são as lições aprendidas com a pandemia de COVID-19 que podem ser aplicadas para prevenir ou mitigar futuras pandemias? Como a ciência pode se antecipar a essas ameaças?
A pandemia de COVID-19 evidenciou a importância de investimentos contínuos em pesquisa, infraestrutura laboratorial e redes de colaboração científica. Um dos principais aprendizados foi a necessidade de fortalecer a vigilância epidemiológica integrada, garantindo sistemas mais eficazes para o monitoramento de surtos e variantes virais. Além disso, a pandemia demonstrou a importância de fortalecer a produção nacional de insumos estratégicos, como vacinas, testes diagnósticos e medicamentos, reduzindo a dependência externa e aumentando a soberania sanitária do país.
Outro ponto fundamental foi a rapidez com que os cientistas mobilizaram recursos para desenvolver soluções inovadoras. A cooperação internacional desempenhou um papel crucial, permitindo o compartilhamento de dados genômicos e a aceleração do desenvolvimento de vacinas. Modelos como a ciência aberta e colaborativa provaram ser fundamentais para a resposta global à crise sanitária.
Para prevenir futuras pandemias, é essencial criar políticas permanentes de financiamento para pesquisas em doenças emergentes e zoonoses, ampliando o conceito de Saúde Única, que reconhece a interconexão entre saúde humana, animal e ambiental. Além disso, é necessário fortalecer redes de pesquisa interdisciplinar e consolidar a comunicação científica para garantir que informações precisas e baseadas em evidências cheguem rapidamente aos tomadores de decisão e à população.
A pandemia também reforçou a relevância da educação científica e da capacitação profissional em saúde pública. O investimento na formação de especialistas em virologia, epidemiologia e biotecnologia deve ser uma prioridade contínua, permitindo que o Brasil esteja preparado para responder rapidamente a novas crises sanitárias com uma base científica sólida.
- Com base em sua trajetória e nas experiências acumuladas, que conselhos o senhor daria para pesquisadores e gestores que buscam atuar de maneira mais eficaz na prevenção e gestão de crises futuras?
Para pesquisadores e gestores que buscam atuar na prevenção e gestão de crises futuras, o primeiro passo é fortalecer a colaboração interdisciplinar. As crises sanitárias e ambientais são complexas e exigem soluções integradas que envolvem diferentes áreas do conhecimento. Por isso, é essencial estabelecer redes de cooperação entre cientistas, profissionais de saúde, engenheiros, climatologistas e formuladores de políticas públicas. Além disso, a comunicação científica precisa ser aprimorada para garantir que os resultados das pesquisas sejam acessíveis e compreensíveis para a sociedade e para os tomadores de decisão.
Outro aspecto fundamental é a necessidade de um planejamento estratégico de longo prazo, que inclua investimentos contínuos em pesquisa e infraestrutura. A criação de centros de excelência voltados à modelagem de cenários futuros e ao desenvolvimento de tecnologias inovadoras pode proporcionar respostas mais rápidas e eficazes às crises. Além disso, é essencial que pesquisadores busquem parcerias internacionais e participem de redes globais de pesquisa, uma vez que muitas crises, como pandemias e mudanças climáticas, têm impacto transnacional. A ciência deve estar sempre à frente, antecipando desafios e propondo soluções antes que as crises aconteçam, garantindo um futuro mais seguro e sustentável.
*Odir Dellagostin é Graduado em Medicina Veterinária pela UFPel, possui doutorado e pós-doutorado em Biologia Molecular pela University of Surrey, Inglaterra. Professor da UFPel desde 1997, é pesquisador nível 1A do CNPq e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Com mais de 250 artigos publicados e mais de 60 orientações concluídas, ocupou cargos de liderança na UFPel, CNPq e CAPES. Atualmente, é Diretor Presidente da FAPERGS, Presidente do CONFAP e membro do Conselho Deliberativo do CNPq, além de presidir o Conselho de Administração do CGEE.