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Paulo Marchiori Buss | Fiocruz

 

1. Dr. Buss, como a comunicação de risco em saúde global tem evoluído nos últimos anos diante de desafios como as tensões geopolíticas entre potências como EUA e China e a recente saída dos EUA da OMS? De que forma essas dinâmicas afetam a percepção de risco e a confiança do público nas organizações internacionais de saúde, e quais estratégias de comunicação poderiam ser adotadas para mitigar esses impactos e aprimorar a resposta a futuras crises sanitárias?

Eu diria que a comunicação de risco em saúde global tem evoluído desde 2018, um marco importante, pois foi quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento de orientações sobre o tema. Esse documento se tornou particularmente oportuno devido à crise do ebola, e, logo em seguida, em 2020, à pandemia de COVID-19.

Atualmente, as tensões geopolíticas vigentes representam um desafio significativo para a comunicação de risco em saúde global. A saída dos Estados Unidos de sistemas multilaterais de informação, como os mecanismos de circulação de comunicações sobre emergências sanitárias da OMS, pode comprometer a disseminação oportuna e eficaz de informações essenciais. Isso afeta diretamente a resposta a surtos epidemiológicos com potencial para se tornarem pandemias ou epidemias regionais.

A tensão entre os Estados Unidos e a OMS certamente impactará a circulação de informações e a adoção de medidas oportunas e de qualidade diante de futuras emergências sanitárias. Esse cenário é particularmente preocupante, pois o mundo não tomou providências estruturais para modificar as condições socioeconômicas, ambientais e políticas que favoreceram a disseminação do SARS-CoV-2. Agora, a postura isolacionista dos Estados Unidos adiciona uma nova camada de complexidade a esse contexto.

Já vivíamos um enfraquecimento do multilateralismo, tanto no âmbito das Nações Unidas quanto da própria OMS. Esse cenário se agrava com o isolamento dos Estados Unidos, um país onde, neste momento, há uma transmissão significativa do vírus da influenza H5N1 entre mamíferos, incluindo humanos, com casos fatais já registrados no território americano. Esse é um exemplo concreto de como a fragmentação da cooperação internacional pode comprometer a resposta rápida a ameaças emergentes.

Para mitigar esses impactos e aprimorar a resposta a futuras crises sanitárias, é essencial fortalecer estratégias de comunicação baseadas na transparência, no compartilhamento rápido de dados e na colaboração internacional. Reforçar a confiança do público nas organizações internacionais de saúde exige um esforço contínuo para combater a desinformação e garantir que as informações críticas cheguem a todos os países de maneira acessível e compreensível. Além disso, mecanismos de cooperação regional podem ser fortalecidos para compensar a ausência de grandes potências em determinados fóruns multilaterais, garantindo que a comunicação de risco continue a cumprir seu papel fundamental na proteção da saúde global.

 

2. As mudanças climáticas representam um risco crescente para a saúde global. Como podemos aprimorar a comunicação sobre esses riscos para gerar maior engajamento público e político, especialmente em um cenário de múltiplas crises globais?

As mudanças climáticas representam um risco crescente para a saúde pública por diversas razões. Em primeiro lugar, há o impacto direto do calor intenso sobre os seres humanos, além da amplificação dos chamados “desastres naturais”. No entanto, é importante destacar que, como essas mudanças são impulsionadas pela ação humana, não se pode considerá-las verdadeiramente naturais. São, na realidade, desastres provocados pelo modelo de desenvolvimento que as potências globais impuseram ao mundo.

Essas mudanças climáticas resultam em eventos extremos, como inundações, deslizamentos de terra e quedas de barreiras, que frequentemente atingem comunidades inteiras, destruindo dezenas ou até centenas de casas. Além disso, há o impacto das secas, que levam a crises na produção de alimentos e aprofundam desigualdades sociais e econômicas. Ou seja, ainda que a mudança climática tenha origem ambiental, seus efeitos se estendem ao campo social, econômico e político, impactando diretamente a saúde das populações.

Apesar da gravidade desse cenário, a comunicação de risco relacionada às mudanças climáticas ainda é uma das áreas mais deficitárias. A temática climática deveria ser muito mais explorada pelos sistemas de saúde na comunicação de riscos, pois estamos diante de um dos principais desafios da atualidade. As inundações, os incêndios florestais – inclusive atingindo cidades inteiras – e outros eventos extremos que testemunhamos ao redor do mundo são prova disso.

Portanto, trata-se de um “deserto comunicacional” que precisa ser trabalhado. Devemos desenvolver, testar e validar estratégias eficazes de comunicação para que os temas das mudanças climáticas e da saúde sejam abordados com maior clareza, alcance e impacto. Somente assim poderemos melhorar a forma como esses riscos são percebidos e enfrentados, garantindo uma resposta mais eficiente e integrada às crises climáticas e seus efeitos sobre a saúde pública.

 

3. Baseado em sua experiência com diplomacia da saúde, como as crises geopolíticas atuais estão afetando a cooperação internacional em saúde? Que papel a comunicação estratégica pode desempenhar na superação dessas barreiras?

A questão é extremamente relevante, especialmente considerando o aprofundamento do isolacionismo dos países. Esse movimento foi impulsionado, inicialmente, por uma postura adotada pelos Estados Unidos, com slogans como America First e Make America Great Again. As ações do governo Trump, por meio de decretos e cortes de financiamento, geraram uma desconfiança generalizada entre os países e um fechamento de fronteiras, refletindo uma retração global na cooperação internacional.

As recentes decisões tomadas pela Casa Branca resultaram na interrupção de recursos fundamentais para organismos internacionais, o que tem um impacto significativo, especialmente porque os Estados Unidos são a maior economia do mundo, um país para onde converge a riqueza global. Há uma obrigação moral e econômica de redistribuir parte dessa riqueza, mas, por razões de manipulação econômica, esse fluxo tem sido interrompido. Os cortes atingiram áreas essenciais, como o financiamento dos Estados Unidos para a OMS, via United States Agency for International Development (USAID), além de programas de caráter humanitário, incluindo saúde pública, saúde sexual e reprodutiva e pesquisas científicas em áreas estratégicas, como genética e células-tronco.

Essa redução no fluxo da cooperação internacional de saúde contribui para o aumento da desconfiança entre países e o enfraquecimento geral da colaboração global. O problema é ainda mais grave porque, neste momento, precisaríamos ampliar significativamente essa cooperação, dado o risco contínuo de doenças emergentes com potencial pandêmico. O H5N1, atualmente circulando nos Estados Unidos, é um exemplo disso, mas há sempre a possibilidade do surgimento de outras enfermidades concomitantes, capazes de desencadear uma nova pandemia. Os epidemiologistas alertam para esse risco constantemente.

Diante desse cenário, é fundamental que a comunicação exponha com clareza os obstáculos à cooperação internacional em saúde. Um exemplo emblemático dessa crise foi a suspensão do Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR) do CDC, um dos principais veículos de informação para milhares de profissionais de saúde em todo o mundo. Essa interrupção, sem precedentes nos últimos 60 anos, representa um retrocesso significativo na transparência e na disseminação de informações científicas. Além disso, se analisarmos as páginas da National Institutes of Health (NIH) e do próprio CDC, observamos que importantes fontes de informação sobre questões sanitárias globais, pesquisas e alertas epidemiológicos foram suspensas.

Embora seja provável que esses canais sejam restabelecidos, há um risco concreto de que retornem com forte censura. Essa preocupação já tem sido denunciada por diversas organizações e associações científicas nos Estados Unidos. No Brasil, é essencial que essa situação seja investigada e amplamente divulgada, pois impacta diretamente a nossa capacidade de resposta a crises sanitárias globais. No Caderno de Saúde Global e Financiamento da Saúde, realizamos essas análises regularmente. Inclusive, na edição que será publicada nos dias 19 e 20 de fevereiro, abordamos essa questão em profundidade.

 

4. Diante das fragilidades expostas pela pandemia de COVID-19 e do avanço da desinformação, quais estratégias podem ser adotadas para fortalecer a confiança do público nas instituições de saúde e melhorar a comunicação de risco, especialmente em cenários de futuras emergências sanitárias?

A desinformação é um dos principais mecanismos utilizados por negacionistas para gerar dúvidas sobre questões que a ciência já reafirmou inúmeras vezes como fundamentais. Isso inclui, por exemplo, a importância das vacinas e dos diagnósticos precoces de doenças, temas centrais no campo da saúde pública. Além disso, há interesses comerciais inconfessáveis que frequentemente se manifestam por meio da desinformação. Um exemplo claro é o cigarro eletrônico, que está associado ao surgimento de novas doenças e representa uma emergência sanitária, pois tem se tornado uma epidemia, especialmente entre adolescentes. No entanto, existe toda uma estratégia para negar esses impactos e minimizar os riscos.

Diante desse cenário, é fundamental traduzir as melhores evidências científicas de forma acessível e atraente para diferentes públicos, seja por meio da televisão, do rádio ou de outras mídias. O rádio, em particular, é um meio de comunicação de grande relevância e ainda pouco explorado. Muitas pessoas em situação de vulnerabilidade, que trabalham durante grande parte do dia, consomem informações principalmente por meio do rádio. Portanto, devemos utilizar esse instrumento de maneira mais estratégica para disseminar informações confiáveis e combater a desinformação.

Uma abordagem eficaz é contar com especialistas em comunicação para traduzir e reforçar a credibilidade das evidências científicas, destacando a origem e a relevância dos dados. Isso pode incluir a valorização de figuras científicas de grande impacto, como Oswaldo Cruz no Brasil e Albert Sabin, criador da vacina contra a poliomielite. Criar figuras de referência, verdadeiros heróis da ciência, pode ser uma estratégia eficaz para fortalecer a confiança pública na informação científica, especialmente entre os mais jovens, que necessitam de uma linguagem apropriada e acessível.

Além disso, a comunicação de risco deve considerar a importância do papel social das mulheres. Em muitas famílias, são as mulheres que tomam decisões relacionadas à saúde e ao bem-estar dos filhos, além de desempenharem um papel central nas redes de vizinhança. No contexto da comunicação de risco, isso significa que mensagens direcionadas às mulheres podem ter um impacto significativo, especialmente em comunidades mais vulneráveis e com menor acesso à informação. Esse é um aspecto ainda pouco explorado, mas que merece maior atenção, pois pode contribuir para uma disseminação mais eficaz de informações confiáveis e para a proteção da saúde pública como um todo.

 

5. Considerando seu trabalho na Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde, como podemos comunicar de forma mais efetiva os riscos associados às desigualdades sociais em saúde, especialmente em momentos de crise global? 

A questão socioeconômica impacta a saúde de diversas maneiras. Quando analisamos a distribuição das doenças na sociedade, percebemos que os mais pobres são, em geral, os mais afetados. Para compreender o perfil epidemiológico de cada região, é essencial considerar que as doenças cardiovasculares, os cânceres (doenças neoplásicas) e os acidentes — especialmente as chamadas causas externas — estão entre as principais causas de morte. Há uma série de fatores que contribuem para essas doenças, e um dos mais relevantes é a falta de oportunidades que determinados grupos populacionais enfrentam para acessar condições de vida favoráveis à saúde.

A alimentação é um exemplo claro desse problema. Trata-se de um fator socialmente determinado, pois o acesso a uma alimentação saudável é mais caro e exige tanto informação quanto recursos financeiros. Produtos ultraprocessados e alimentos ricos em carboidratos simples, por serem mais baratos e acessíveis, acabam se tornando a base alimentar da população mais vulnerável. Isso ocorre não porque alimentos saudáveis sejam inerentemente caros, mas porque, sendo de melhor qualidade e demandando processos produtivos diferenciados, acabam se tornando inacessíveis para grande parte da população. Assim, os riscos à saúde associados às desigualdades sociais se manifestam de maneira concreta na nutrição e na prevalência de doenças crônicas evitáveis.

Outro aspecto fundamental na determinação social da saúde é a necessidade de políticas públicas. Muitos dos determinantes sociais não podem ser resolvidos individualmente, seja por uma pessoa ou por uma família. Problemas estruturais, como saneamento básico, acesso à água potável e esgoto tratado, são fatores que impactam diretamente a saúde, mas cuja solução depende de decisões governamentais e investimentos públicos. Essas carências são mais evidentes nas comunidades mais pobres, onde a precariedade das condições sanitárias contribui para a disseminação de diversas enfermidades. 

Diante disso, uma estratégia essencial de comunicação em saúde deve envolver o fortalecimento de movimentos comunitários que reivindicam políticas públicas adequadas. Levar à população a consciência de seu direito a serviços públicos de qualidade é um componente fundamental na comunicação de risco associada às desigualdades sociais. Em muitos casos, as disparidades em saúde só serão reduzidas por meio da implementação de políticas públicas territorialmente adequadas às condições das famílias. Portanto, além de informar sobre os impactos das desigualdades na saúde, é necessário estimular a mobilização social para exigir respostas eficazes do poder público.

 

6. Como as instituições de pesquisa e ensino em saúde pública, como a Fiocruz, podem contribuir para melhorar a comunicação de risco e a gestão de crises em saúde global? Que iniciativas você destacaria nesse sentido?  

O papel das instituições de pesquisa e ensino em saúde pública, como a Fiocruz, é fundamental, especialmente na produção de conhecimento baseado em evidências científicas. Pesquisadores, professores e estudantes de pós-graduação têm a responsabilidade de focar seus estudos em questões sociais relevantes e garantir que os resultados dessas pesquisas sejam adequadamente comunicados. Esse conhecimento deve ser traduzido para diferentes públicos, permitindo que comunicadores apropriem-se dessas informações e as transmitam de maneira acessível à sociedade como um todo.

A produção técnico-científica de instituições como a Fiocruz representa um verdadeiro patrimônio de informações que podem subsidiar decisões políticas, legislativas e judiciais. É essencial que as evidências geradas pelas pesquisas alcancem os tomadores de decisão – políticos, legisladores e magistrados – para que possam fundamentar políticas públicas e ações jurídicas voltadas para a promoção da saúde. Além disso, a sociedade civil também deve ser um público-alvo dessa comunicação, o que exige a adoção de diversas estratégias.

Entre essas estratégias, a grande imprensa, o rádio e a televisão têm um papel central. O rádio, em particular, é um veículo amplamente utilizado por populações mais vulneráveis, mas ainda pouco explorado nas iniciativas de comunicação em saúde. Já a literatura acadêmica e os jornais impressos, apesar de importantes, tendem a ser mais elitizados e atingir um público restrito.

Outro ponto essencial é o fortalecimento das alianças com associações comunitárias, que estão diretamente inseridas nos territórios e possuem grande potencial de mobilização social. Associações de moradores e organizações em favelas, por exemplo, estão distribuídas em todo o Brasil e podem atuar como canais eficientes na disseminação de informações sobre saúde pública e comunicação de risco. Para que essa parceria seja bem-sucedida, é necessário estabelecer um diálogo próximo com as lideranças comunitárias e, a partir delas, encontrar os melhores caminhos para alcançar a população.

Os movimentos religiosos também desempenham um papel significativo nesse contexto. Igrejas evangélicas, católicas e de outras denominações são espaços de forte convívio social e têm grande influência sobre suas comunidades. No entanto, há desafios importantes a serem enfrentados, pois, em alguns casos, líderes religiosos podem atuar como veículos de desinformação. Portanto, estabelecer um diálogo com essas instituições e encontrar pontos de convergência – como a ideia de que o corpo é um templo divino e deve ser cuidado – pode ser uma abordagem estratégica para integrar mensagens de saúde pública nesses espaços.

É fundamental que haja mais estudos sobre como a saúde é abordada em comunidades religiosas, especialmente nas periferias. Poucas pesquisas têm explorado esse tema, mas ele pode ser um caminho valioso para aprimorar a comunicação em saúde pública, seja em situações de crise ou na promoção da saúde em geral.

 

*Paulo Marchiori Buss é um renomado médico e sanitarista brasileiro, com mais de quatro décadas de atuação na saúde pública. Sua trajetória é marcada por uma liderança expressiva na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde, como presidente, implementou iniciativas estratégicas para fortalecer o sistema de saúde brasileiro e fomentar a pesquisa em saúde coletiva. Com uma presença significativa no cenário internacional, Buss representou o Brasil na Organização Mundial da Saúde e presidiu a Federação Mundial de Saúde Pública. Além disso, desempenhou um papel central na criação da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Professor Emérito da Fiocruz e membro titular da Academia Nacional de Medicina, sua abordagem integrada e inovadora tem sido fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à promoção da saúde e ao bem-estar das populações, consolidando-o como uma referência no campo.