Como ocorre a sua atuação junto à Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Sul?
Desde janeiro de 2023, sou a coordenadora de Comunicação Social da Defesa Civil estadual, atuando como jornalista e atendendo todas as demandas de imprensa, produção de conteúdo e comunicação de risco (edição e publicação de avisos e alertas), assessoria de imprensa e, também, atuando como porta-voz da Instituição.
Explique-nos um pouco sobre a atuação da Defesa Civil estadual e sua relação com as Defesas Civis municipais e nacional.
O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituído pela Lei Nº 12.608, de 10 de abril de 2012, é constituído pelos órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas entidades públicas e privadas de atuação significativa na área de proteção e defesa civil, sendo definidas por essa legislação as competências de cada integrante do Sistema. A Lei Complementar Nº 16.263, de 27 de dezembro de 2024, institui a Política Estadual de Proteção e Defesa Civil – PEPDEC e dispõe sobre o Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil- SIEPDEC.
Os integrantes do Sistema atuam de forma sinérgica e composta horizontalmente, sem vinculação organizacional ou estruturação hierárquica entre si. No RS, atuamos por meio de uma estrutura que possui uma sede e departamentos, além de 10 coordenadorias regionais que operam de maneira mais próxima e regionalizada, apoiando os municípios (assessoramento técnico ou de maneira suplementar nas questões de ajuda humanitária quando o desastre supera a capacidade de resposta da gestão municipal, por exemplo).
A Defesa Civil Estadual é também a responsável pelo monitoramento hidrometeorológico das condições do RS, e realiza a emissão de avisos e alertas quando identifica quaisquer condições que ofereçam riscos à população. Essas informações são encaminhadas tanto para os gestores públicos municipais, para que possam adotar as medidas previstas em seus Planos de Contingência, como para os cidadãos por meio de canais de comunicação direta com esses públicos.
Na sua visão, qual o panorama da Defesa Civil do Estado do RS sobre aspectos como infraestrutura, equipamento, orçamento e pessoal? A forma como a Defesa Civil RS atua neste momento dá conta de atender a realidade das demandas do Estado? De algum modo, seja a partir de mudanças em processos seja por meio de investimentos, por exemplo, o que poderia ser melhorado no sentido de contribuir para a atuação da Defesa Civil RS?
Desde que me integrei à equipe, pude verificar que a Defesa Civil do RS já estava buscando melhorias antes mesmo dos grandes desastres enfrentados pelos gaúchos ao longo dos últimos anos. Um exemplo disso é a instalação do radar meteorológico que está operando na capital, cujo processo de contratação foi iniciado no primeiro semestre de 2023. Em relação a efetivo e corpo técnico, e também à estrutura, muitas melhorias foram encaminhadas e já efetivadas, como: a contratação de corpo técnico qualificado nas áreas de interesse tais como meteorologia, geologia, engenharias, hidrologia, arquitetura, comunicação social e tecnologia da informação, etc.; o incremento no número de militares integrantes da Coordenadoria Estadual (sede e coordenadorias regionais).
Também estão em andamento os projetos do Centro Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres, em Porto Alegre, e de mais nove Centros Regionais que atenderão todas as regiões do RS com estruturas que terão condições de atuar em contextos de desastres por terem sido pensadas dentro dos conceitos de alta disponibilidade e redundância, ou seja, se mantêm em condições de operar mesmo com impactos e interrupções nos serviços de comunicação e energia elétrica, por exemplo.
Um significativo avanço foi alcançado em dezembro de 2024, quando foi aprovada e sancionada a Política Estadual de Proteção e Defesa Civil (PEPDEC), um marco legal para a organização e coordenação das ações de Defesa Civil, com foco na prevenção, preparação, resposta e recuperação diante de desastres.
A Política estabelece fundamentos para aperfeiçoar e fortalecer a gestão de riscos e desastres, promovendo a integração e o preparo de órgãos e entidades, tanto públicos quanto privados, para responder às demandas emergenciais e garantir a segurança das comunidades gaúchas diante do aumento dos desafios climáticos.
Além de trazer inovações no sistema de Defesa Civil, como o apoio a Estados, Distrito Federal e Países Fronteiriços para o desenvolvimento de ações de preparação, resposta e restabelecimento em localidades atingidas, a PEPDEC também aperfeiçoa programas e sistemas já existentes, como o Fundo Estadual de Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Sul – FUNDEC/RS e apresenta iniciativas focadas em educação preventiva, buscando agregar transversalmente ações que resultem em uma mudança da percepção de risco para uma perspectiva de cultura de prevenção no contexto social como um todo.
No contexto das competências da Defesa Civil Estadual, outros avanços estão sendo conquistados, como melhorias nos sistemas de monitoramento (contratações de estações de monitoramento, aquisição de mais três radares meteorológicos e modelagem hidrodinâmica, por exemplo), incremento de frota, e outras. Todas essas iniciativas estão incluídas nas ações do Plano Rio Grande, que se trata do Programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do RS, que propõe medidas para atenuar os impactos causados pelas enchentes que assolaram o Estado em 2024.
Considerando que, no contexto do Sistema, o município possui protagonismo nas ações de Proteção e Defesa Civil, a Defesa Civil Estadual já havia identificado a necessidade de realizar ações de fortalecimento e investimento nas estruturas e na capacidade de resposta dos municípios frente aos desastres.
Para tanto, desenvolveu algumas medidas, que destacamos: a oferta de capacitação dos 497 municípios em parceria com o Ministério Público, criando e executando o Curso Básico de Proteção e Defesa Civil, cujas edições foram concluídas no primeiro semestre de 2025.
Também foi feito o repasse de recursos, para ações de resposta e restabelecimento, do Fundo Estadual de Proteção e Defesa Civil para os municípios por meio da modalidade Fundo a Fundo, que tinham como pré-requisito a existência de Plano de Contingência Municipal (PLANCON). Os PLANCONs são importantes ferramentas para a gestão de desastres, tendo sido inclusive destacados estrategicamente como instrumentos da Política Estadual, devendo sempre estar dentre as prioridades na gestão integrada de riscos e desastres.
No contexto dos desastres ocorridos entre maio e junho de 2024 no Estado do Rio Grande do Sul, relate brevemente sobre a sua participação naquele período. Quais os aprendizados e quais os legados desses eventos climáticos extremos para a profissional e para a instituição? Após os acontecimentos de maio de 2024, como você avalia a atuação da Defesa Civil RS naquele cenário?
No que tange à gestão das demandas da comunicação no evento de 2024, desde o início, bem como no decorrer do desastre, foram adotadas medidas para comunicar o risco às populações potencialmente afetadas. Foram enviados pela Defesa Civil estadual todos os comunicados necessários à mobilização das estruturas municipais, que possuem a atribuição de atendimento imediato em caso de desastres em seus territórios, e também as informações diretamente à população por meio dos canais oficiais (site e redes sociais). As mensagens reforçavam, em um primeiro momento, informações sobre o risco e medidas de autoproteção. Em um segundo momento, orientações sobre ajuda humanitária, voluntariado, boletins de atualização, e o combate a “fake news” dominaram as manifestações.
O trabalho da equipe da Comunicação Social da Defesa Civil, integrada à época por duas jornalistas e um estagiário de Jornalismo, foi fundamental para levar informação precisa e clara à população. Houve um alinhamento também muito significativo com a equipe de comunicação do Governo do Estado, que foi crucial para garantir agilidade nas demandas. Foram estabelecidas rotinas de atendimento de forma a fornecer informações de maneira sistemática e atualizada, bem como foram atendidas mídias locais, nacionais e internacionais. A Defesa Civil figurou como órgão centralizador das informações de outras instituições e secretarias de estado, enquanto atuava na gestão do desastre, e todos os dias as atualizações eram publicadas no site SOS Enchentes, portal mantido pelo Governo do Estado para a divulgação de todas as informações e serviços públicos à população gaúcha.
Além da atuação na produção de conteúdos e atualizações (pelo menos três vezes ao dia), foi necessária dedicação significativa para o combate às informações falsas. O Governo do Estado, que havia estabelecido um Gabinete de Crise de Comunicação durante o desastre, criou dentro dessa estrutura um Núcleo de Combate à Fake News, cuja equipe foi essencial para elaborar as respostas às inúmeras demandas originadas a partir de informações falsas que circularam e pedidos de verificação de agências de fact-checking.
O contexto foi extremamente desafiador, afinal, foram registrados 184 óbitos e ainda restam 25 pessoas desaparecidas do desastre de 2024. No período mais agudo, houve mais de 180 bloqueios de rodovias, chuvas ininterruptas e volumosas que impediam os resgates aéreos e embarcados, além de colapso nas comunicações, tanto em relação à internet e telefonia quando nos sistemas de recebimento de chamadas de emergência da Brigada Militar e Corpo de Bombeiros Militar.
A enchente de maio ultrapassou os níveis históricos até então registrados, como o da cheia de 1941. Em 2 de maio, o rio Taquari ultrapassou os 33,66 metros, e no dia 5, o Guaíba superou os 5,37 metros (na Estação Cais Mauá C6).
A Defesa Civil coordenou e articulou o apoio de órgãos federais, estaduais e municipais para busca e salvamento de pessoas, gestão de abrigos, restabelecimento de serviços essenciais e logística de doações e itens de ajuda humanitária. Ofereceu, ainda, auxílio técnico às cidades para que pudessem produzir as documentações necessárias aos trâmites de busca de recursos estaduais e federais.
Enquanto policial militar, integrante da Defesa Civil Estadual e jornalista, minha percepção é de que a equipe fez o melhor que podia com os recursos de que dispunha, à época. Todos se dedicaram de maneira exemplar em todas as missões que assumiram, inclusive os que foram afetados, também, de maneira mais significativa. O apoio e engajamento de outras pessoas (servidores de outras secretarias, de outras Defesas Civis e outros órgãos estaduais, das Forças Armadas, dos voluntários, dos membros de clubes de serviços e organizações, etc.) foi crucial para conseguirmos auxiliar as pessoas atingidas, nas mais diversas frentes. O desastre que enfrentamos foi o maior já registrado no Estado, e denotou que precisamos todos, instituições públicas e sociedade, preparar-nos para o enfrentamento e resiliência a possíveis novos eventos dessa natureza.
É necessário que todos despertemos para a cultura de prevenção e uma significativa mudança de hábitos. Do meu ponto de vista enquanto comunicadora, a imprensa possui papel crucial nesse processo: tanto em seu papel enquanto guardiã do interesse público, questionando oportuna e eloquentemente todos os órgãos públicos envolvidos com as diferentes temáticas conectadas à pauta de Proteção e Defesa Civil, como em seu papel pedagógico junto à população, abordando as temáticas de maneira transversal e que agreguem conhecimento, gerando mobilização e medidas de autoproteção, e reduzindo significativamente os danos humanos.
No âmbito da comunicação, evoluímos em alguns aspectos da Comunicação de Riscos, com a elaboração de alertas e avisos mais claros e assertivos, orientações mais precisas e a adoção de ferramentas (escalas de cores) para facilitar a compreensão das mensagens e os comportamentos esperados dos cidadãos em áreas de risco.
Testamos novas ferramentas como o alerta CELL BROADCAST, que está à disposição do nosso Centro de Operações para acionamento em caso de eventos severos e extremos, e cuja avaliação após exercícios em cidades gaúchas foi positiva por parte da população que participou dos testes.
Além disso, estamos buscando parcerias com instituições de ensino superior e Grupos de Pesquisa na área de Comunicação de Riscos e Crise para que o conhecimento gerado nos ambientes acadêmicos possam agregar melhorias como uma comunicação mais acessível e clara à população, que faça sentido e que, quando necessário, mobilize as pessoas e salve vidas.
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*Tenente Sabrina Ribas é coordenadora de Comunicação Social da Casa Militar- Subchefia de Proteção e Defesa Civil do Rio Grande do Sul. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do RS (PUC-RS, em 2001), atuou no âmbito da Comunicação Pública na Brigada Militar de 2006 a 2019, e no ano de 2022, junto à Comunicação Social da Brigada Militar. Pós-graduanda em Gestão de Proteção e Defesa Civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Também foi docente nos cursos de formação da Brigada Militar, e cursos voltados à capacitação na área da Comunicação no âmbito da Instituição. Desde janeiro de 2023, coordena a Comunicação da Defesa Civil estadual, tendo atuado como assessora e porta-voz nos últimos eventos adversos que atingiram o RS.