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O novo coronavírus e o que pandemias anteriores têm a nos ensinar



 


Grupo de pesquisadores da UFSM traça paralelos históricos entre a covid-19 e a gripe espanhola

Mais do que conhecer o passado, é preciso aprender com ele. Em tempos de pandemia, cientistas correm contra o relógio a fim de encontrar uma cura, um tratamento ou uma prevenção ao novo coronavírus. Enquanto isso, outro grupo de pesquisadores debruça-se sobre jornais antigos e materiais históricos, para pesquisar pandemias anteriores. Se algumas soluções parecem estar no futuro, outras, porém, podem estar lá no passado.  

Pouco mais de 100 anos separam a pandemia da gripe espanhola e a do coronavírus. A disseminação das doenças, as mortes, os procedimentos adotados pela comunidade e as medidas tomadas pelos governos são estudadas e comparadas pelo Laboratório de Observação dos Usos Públicos do Passado (Louppa), por meio do projeto “Mais História, por favor!”. 

A covid-19 levanta questões semelhantes às surgidas no passado. Para entender as relações desta pandemia com as anteriores, o grupo traça paralelos históricos. Tudo isso por meio de uma linguagem acessível, pois o objetivo é que as pessoas que tenham acesso ao conteúdo possam compreender e refletir sobre ele. Vinculado ao curso de História da UFSM, o projeto conta com a participação de dois professores, 21 alunos da graduação e cinco de pós-graduação – quatro de História e um de Comunicação Social. 

O coordenador da pesquisa, professor João Manuel Casquinha Malaia Santos, explica que a ideia é estimular os estudantes a se ocuparem durante a quarentena. Isso enquanto pesquisam e buscam respostas que auxiliem no debate público. “A todo momento se fala da gripe espanhola para tomar decisões, para compreender comportamentos. Ao produzirmos conteúdo sobre isso, a partir de uma profunda investigação do evento, com metodologia da pesquisa histórica e envolvendo mais de 20 alunos, creio estarmos dando uma grande contribuição social, enquanto Instituição”, afirma o pesquisador. 

O início da gripe espanhola

Dificuldades de registros e informações fazem com que os números sobre a gripe espanhola sejam estimados. De acordo com a doutora em História, professora Beatriz Teixeira Weber, a pandemia durou de março de 1918 a setembro/outubro de 1919. Naquele período calcula-se que 50 milhões a 100 milhões de pessoas tenham morrido. 

Também não se sabe ao certo o local de surgimento da doença. A professora conta que a teoria mais aceita é de que o vírus teria se manifestado inicialmente em campos de treinamento militar, nos Estados Unidos. Lá foram registrados os primeiros casos, tanto em soldados no estado do Kansas, como em trabalhadores de uma fábrica em Detroit. Quando militares norte-americanos foram enviados para a Europa, na 1ª Guerra Mundial, a doença teria se alastrado por todo o continente. 

A grande movimentação da população civil e militar, a falta de higiene, as condições de superlotação e a falta de uma boa alimentação fizeram com que, a partir de março de 1918, a gripe se espalhasse rapidamente, ressalta Beatriz. “A virulência do vírus influenza teria ocorrido pela mutação provocada pelos efeitos de substâncias tóxicas usadas na guerra, como o gás mostarda, por volta de outubro de 1918”, explica.

Então por que “gripe espanhola”? 

Por causa do conflito mundial, a censura militar não permitia que fosse divulgada a real situação da doença e dos problemas por ela causados. Somente em maio, a Espanha, que se manteve neutra na guerra, divulgou a existência da epidemia em seu território. Por ser a primeira nação a comunicar o problema, o nome da gripe se referiu a ela. Hoje, conforme pondera a professora Beatriz, pesquisadores insistem que a doença não deva ser tratada com essa denominação.

No Brasil, a doença chegou em navios que transportavam açúcar

Estudos apontam que em agosto de 1918 teria começado uma segunda onda de contágio da gripe, considerada pior que a anterior. Naquele período, em setembro, chegou também ao Brasil. Em 15 de agosto, o navio Demerara saiu de Liverpool em direção ao nosso país. Ele atracou 30 dias depois, com uma carga de açúcar. No percurso, cinco pessoas morreram. Dezenas de outros tripulantes também estavam doentes. 

Dos jornais do início do século XX para o Twitter

É com a chegada da gripe no Brasil que o projeto “Mais história, por favor!” inicia suas publicações, em formato de threads no Twitter – série de postagens limitadas a 280 caracteres cada e ligadas por um “fio”. Com parágrafos sucintos, diretos e didáticos a equipe conta aos usuários da rede social sobre o início da pandemia no país e também faz comparações com a atual, da covid-19. 

Para produzir um conteúdo que seja fácil de ler, mantenha o usuário atento e seja denso, o grupo conta com a participação de um doutorando em Comunicação. Maurício de Souza Fanfa conta que organiza os textos em até 25 parágrafos curtos, que o internauta lê em cerca de 5 minutos. Para não correr o risco de ser superficial, a thread é acompanhada de prints dos jornais, fotos, gráficos e links que direcionam o leitor para estudos mais completos. 

“As pesquisas que o Mais História e o Louppa têm produzido sobre a gripe espanhola são um lembrete de que existe uma maneira séria de se fazer políticas públicas, e que isso envolve consultar não só especialistas nas ciências da saúde mas também nas ciências sociais e humanas”, destaca Maurício. 

Além do Twitter, o “Mais História, por favor!” também produz podcasts com especialistas no assunto, possui página no Facebook e as threads do Twitter são publicadas em forma de texto no Medium

A principal fonte de informação para as pesquisas do grupo é a Hemeroteca Digital Brasileira. Ela possui jornais arquivados de diversos locais do Brasil, além de revistas antigas, documentos do governo e relatórios ministeriais. Com isso, o grupo pode estudar diferentes situações da gripe espanhola.

No passado, governo brasileiro minimizou a pandemia

Além de sua chegada ao Brasil, os pesquisadores da UFSM recuperaram situações de divergências entre o presidente e os governadores, que mostram como tais conflitos atrasaram as ações de combate à doença. Na época, o chefe da saúde pública nacional, Carlos Seidl, frequentemente minimizava o problema, tratando-o como uma “gripe comum”. 

Também houve diferentes políticas de isolamento social nos estados, o que fez a doença tomar grandes proporções em alguns. No Rio de Janeiro, onde as medidas foram brandas, a taxa de mortalidade foi alta. Já em São Paulo o isolamento foi mais severo, mas com isso trouxe resultados positivos. 

Outra questão abordada pelo grupo é a da Colônia Feminina de Alienados de Engenho de Dentro, a primeira instituição psiquiátrica feminina do Brasil. Ela recebia mulheres indigentes que eram transferidas do Hospital Nacional – hospício localizado no centro do Rio. Por ser afastada da região central, não ter realizado transferência de pacientes no período e por seus funcionários morarem lá, a colônia não teve registros de mortes pela gripe espanhola. 

Como foram as medidas de prevenção?

A professora Beatriz Weber explica que na pesquisa buscam “compreender as similaridades de respostas oferecidas pelos governos, pela profissão médica e pela sociedade. Vários dos comportamentos adotados em 1918 podem ser usados para termos cuidado com os procedimentos adotados hoje”. As medidas recomendadas são praticamente as mesmas de 100 anos atrás. São procedimentos que já evitaram mortes e, quando não foram seguidos, expandiram rapidamente as doenças, a ponto de impossibilitar a administração do quadro de mortes, complementa. 

O acadêmico de História, Eduardo Prates Bordinhão, é um dos alunos de graduação que participa do projeto. Ele analisa o jornal “Correio Paulistano” em busca de experiências do passado que possam contribuir para a pandemia do novo coronavírus. O acadêmico diz que o projeto ajuda os estudantes a entenderem o tipo de demanda e o papel social do seu trabalho. “Cada profissional está contribuindo dentro de sua área de conhecimento e nós, historiadores, estamos atuando com o que mais sabemos lidar: análises precisas do passado com respaldo documental”, comenta.

Covid-19, isolamento e fake news

Para o professor João Manuel Santos, o número de informações falsas que circulam pelas redes sociais e as campanhas pelo fim do isolamento feitas pelo presidente Jair Bolsonaro fazem com que as pessoas relaxem nos cuidados de prevenção. “Por isso a ciência tem um papel fundamental. E incluo nisso as ciências humanas, como a História, que nos mostra as inúmeras experiências do passado. Elas podem nos ajudar a tomar consciência das melhores atitudes a adotar”, declara o pesquisador.

Já a doutora Beatriz ressalta que, por não haver vacina nem medicamentos para tratar o novo coronavírus, qualquer reação contrária ao isolamento é irresponsabilidade. “Precisamos pensar em todos para que a doença possa ser enfrentada coletivamente. Não há salvação individual, só a solidariedade e o enfrentamento coletivo podem enfrentar o problema. As perspectivas individualistas não servem como resposta porque o problema é de todos”, acrescenta.

Peste negra, peste antonina e cólera

Pesquisas sobre outras pandemias, como a peste negra, ocorrida na Idade Média, a peste antonina (que aconteceu na Roma Antiga) e a cólera (ocorrida em 1817) também serão publicadas em breve. O objetivo do grupo, no momento, é apresentar paralelos históricos que possam ajudar na pandemia da covid-19. A ideia é que futuramente as pesquisas se tornem produções acadêmicas. 

Revista Arco

Repórter: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo

Ilustradora: Renata Costa, acadêmica de Produção Editorial 

Mídia Social: Nathalia Pitol, acadêmica de Relações Públicas

Editor: Maurício Dias, jornalista

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