A busca por uma vida saudável parece uma aspiração positiva. Dormir bem, comer com moderação e se exercitar soam como hábitos razoáveis. Mas, como adverte Flavia Costa, esse ideal esconde uma armadilha: a saúde se converteu em um mandamento moral que impõe às mulheres a responsabilidade de se aperfeiçoarem continuamente.
Em seu texto Vida saudável, fitness e capital humano, Costa descreve esse fenômeno como um “imperativo de vida saudável” que faz parte da governamentalidade neoliberal. Não se trata de impor leis nem castigos, mas de gerar consciência: “Interpela-se os indivíduos a se comportarem como gestores de si mesmos […] responsáveis por cuidar e sustentar o próprio bem-estar”. Assim, a saúde deixa de ser um direito coletivo para se transformar em uma tarefa individual, medida pela disciplina, pela magreza e pela juventude.
O fitness, explica Costa, não é apenas um conjunto de exercícios, mas um dispositivo de poder que produz subjetividades. Em Novos corpos produtivos, a autora define o corpo contemporâneo como “um corpo-sinal emissor de mensagens […] e essas mensagens são a principal força de trabalho que se compra e se vende no mercado”. Em outras palavras, o corpo funciona como uma mensagem: expressa valor, sucesso e desejo.
Essa lógica transforma o cuidado pessoal em uma forma de desempenho. Cada rotina de academia, cada produto “antienvelhecimento” ou cada dieta promete não apenas bem-estar, mas também reconhecimento social. A aparência se transforma em uma moeda simbólica, e a beleza, em uma obrigação. A mulher é levada a sustentar uma imagem que concilie saúde, juventude e sensualidade — ainda que isso custe sua liberdade e descanso.
Sob a aparência de empoderamento, o discurso do bem-estar reforça novas formas de dependência. O corpo já não pertence a quem o habita, mas às regras do mercado do desejo: deve ser visível, atraente e rentável. O prazer é substituído pela exigência de “estar bem”, e a saúde passa a ser medida em curtidas, métricas e resultados visíveis.
Flavia Costa desnuda, assim, a paradoxa do presente: o corpo feminino, antes confinado por normas morais ou religiosas, hoje se submete a um controle mais sofisticado. A biopolítica se disfarça de autocuidado, e a liberdade se exerce, paradoxalmente, por meio da obediência.
Em consonância com essas ideias, as reflexões de Flavia Costa também se manifestam nas revistas femininas. Na popular revista britânica Women’s Health, uma edição de 2012 promovia a ideia de que a saúde e o fitness melhoram as perspectivas de carreira. Esse vínculo desloca a noção de bem-estar corporal para um valor econômico e profissional. Torna-se visível, assim, a ideia de “capital humano” proposta por Costa: as capacidades do corpo são apresentadas como uma ferramenta para aumentar o próprio valor no mundo do trabalho.
Da mesma forma, as revistas femininas argentinas impõem ideais semelhantes sobre as maneiras pelas quais as mulheres devem manter-se em forma e saudáveis. Essas publicações expõem a natureza contraditória dessas expectativas, revelando como colocam as mulheres em uma situação impossível de cumprir. As capas das revistas argentinas Para Ti e Buena Salud são um claro exemplo disso: embora reconheçam as múltiplas pressões sociais enfrentadas pelas mulheres, ao mesmo tempo reforçam novas exigências contraditórias. Falam dos “alimentos da alegria”, enquanto promovem a necessidade de treinar, branquear os dentes e perder peso. Essa contradição se relaciona diretamente com a noção de “capital humano” de Costa, pois mostra como as mulheres são levadas a investir em si mesmas como projetos de aprimoramento infinito, mesmo quando os objetivos impostos são inatingíveis.
Do mesmo modo, essa ideia se vincula à preocupação da autora com o papel do governo neoliberal, cuja promoção midiática da saúde, aliada ao desenvolvimento de produtos do setor privado voltados ao bem-estar, reforça a ilusão de liberdade oferecida às mulheres na sociedade contemporânea.
Além disso, Costa introduz o conceito de “mercado do desejo”, vinculado ao “corpo-sinal emissor de mensagens”. Nas revistas inglesas, esses valores de sucesso e desejo estão sobretudo associados à perda de peso. Eles se expressam não apenas no âmbito do fitness, mas também na alimentação, como mostra uma edição recente da Women’s Health. Nela, o foco no peso corporal transmite a ideia de que a saúde pode ser vista apenas por meio da aparência — de um corpo desejável. São promovidos, inclusive, produtos como potencializadores de colágeno, reforçando o consumismo e a ligação entre saúde, estética e rentabilidade.
De maneira semelhante, a revista brasileira Corpo a Corpo promove a ideia de ter um corpo sensual para usar biquíni no verão e adequar-se a um padrão estético que exclui a celulite. Ao oferecer conselhos para eliminá-la, reforça a noção de que o corpo feminino é um projeto que deve ser otimizado e julgado por sua aparência e sua capacidade de atrair o desejo. Assim, torna-se evidente a ideia de Costa sobre o mercado do desejo: o valor das mulheres é medido por sua capacidade de ter um corpo “apto para o biquíni” e ajustado às exigências do mercado.
Em suma, o discurso do bem-estar e do fitness presente nos meios de comunicação transforma o corpo feminino em um objeto de controle, consumo e produtividade. Esse discurso converte o autocuidado em uma obrigação moral e econômica, reforçando a ilusão de liberdade ao mesmo tempo em que exige uma constante auto-otimização.
Texto: Anya Goss, Daniele Gabriel, Ella Searle e Niamh Chandler
Universidade de origem das autoras: Universidade Federal de Santa Maria e Universidade de Bristol
Universidade onde está sendo realizado o intercâmbio: Universidad Nacional de Córdoba (UNC)
Disciplina: Comunicación en Salud