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De que audiência estamos falando?

por Laura Storch



Quando comecei meus estudos de pós-graduação, um de meus interesses centrais era o leitor. Naquele momento, a emergência dos blogs como fenômeno de autocomunicação de massas inundava os acadêmicos e profissionais de expectativas sobre o potencial da participação dos leitores nas redações. Nós queríamos estudar a agência dos leitores como produtores e promotores de notícias. Os jornais passaram a reconhecer os leitores como figuras relevantes na reconfiguração do jornalismo, e criavam editorias participativas com nomes esperançosos como “jornalista-cidadão” e “você repórter”.

Os meus estudos sobre leitura me apresentaram uma paixão: história social dos livros e da leitura, perspectivas cognitivistas sobre o ato de ler, a leitura como agência social, processos de mediação do outro pelo discurso. Não posso dizer que para o jornalismo o entusiasmo foi o mesmo. As editorias participativas minguaram frente a um turbilhão chamado “redes sociais” e a descoberta dos leitores a partir das caixas de comentários certamente apontou para um desconhecido a ser desprezado: os leitores de jornais que comentavam as notícias eram, de forma genérica, raivosos e sem muitos limites.

Em 2023 minha dissertação de mestrado completa 14 anos. E sinceramente parece que estamos em outro mundo. Mas tenho refletido que os problemas que se desenhavam naquele momento continuam a não ser enfrentados de frente pela maioria de nós, pesquisadores de jornalismo. E por isso, hoje pensei em indicar a leitura de uma edição especial da Digital Journalism publicada em 2022: Advancing the Audience Turn in Journalism. São 10 textos que exploram o debate sobre a audiência a partir de perspectivas metodológicas ou de subtemas como excesso de informações, interseccionalidade, aspectos hipergeográficos, entre outros.

O artigo de introdução ao dossiê é especialmente interessante. “Advancing a Radical Audience Turn in Journalism. Fundamental Dilemas for Journalism Studies” é assinado pelos editores convidados, os pesquisadores Joëlle Swart, Tim Groot Kormelink, Irene Costera Meijer e Marcel Broersma. Vou desdobrar alguns pontos a partir dele, com questões sobre as quais também tenho pensado.

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No texto, os autores sugerem uma “virada radical” em torno dos estudos sobre audiências no jornalismo. A ideia central é de que as pesquisas em jornalismo estão historicamente centradas nos interesses das mídias informativas – inclusive os estudos sobre audiência, que buscam conhecer quem lê, paga, compartilha jornalismo profissional. É difícil discordar dessa ideia. Na América Latina (e no Brasil) temos uma tradição importante de estudos, conhecidos pelo rótulo mais geral de “Estudos de Recepção”, que sempre se interessou pelos modos a partir dos quais as pessoas se apropriam dos produtos midiáticos e como fazem sentidos a partir deles. Inclusive quando os produtos midiáticos são o jornalismo. Ainda assim, de modo geral, grande parte das nossas pesquisas continuam a assumir uma perspectiva que olha para o leitor a partir do lugar da produção.

No momento em que o jornalismo se debate, como um peixe fora d’água, em um cenário que destaca, ano após ano, a queda do interesse dos leitores pelas notícias e o declínio da confiança no jornalismo, olhar para o modo como temos estudado as audiências parece ser uma necessidade. E esse artigo contribui muito para pensar sobre isso. Um exemplo de provocação é esse: precisamos pensar mais nas experiências informativas dos leitores, porque o experienciado como notícia parece transcender os limites do jornalismo profissional.

Ainda que as informações sobre o cotidiano continuem importando aos leitores, isso não é necessariamente verdade quanto ao jornalismo como instituição: “O que é experienciado como informação relevante, importante e atual pelas audiências pode, mas não automaticamente, se alinhar com o que é produzido pelos jornalistas profissionais”, dizem os pesquisadores. Se o jornalismo como instituição não é mais automaticamente o locus onde as audiências encontram o que elas experienciam como notícias, o que isso significa para o campo de estudos em jornalismo, quanto a seu objeto, suas fronteiras e seus objetivos?

Outra discussão interessante, sugerida pelos editores do dossiê, é quem consideramos como audiência. Se temos privilegiado o “leitor jornalístico”, a partir dos interesses das empresas de mídia, será que não estamos deixando alguém de fora? Será que não estamos excluindo ou descuidando de audiências que não têm o mesmo apelo para essas mídias noticiosas, talvez até mesmo ajudando a reproduzir (mais do que mitigar) desigualdades no acesso, na exposição e no uso de notícias? Os autores sugerem que precisamos pensar a audiência a partir de ONDE e COMO as pessoas experienciam o jornalismo, e mesmo de ONDE e COMO elas experienciam as informações que constituem seu cotidiano, especialmente quando não mediado pelo jornalismo. Isso poderia nos ajudar a perguntar quais são os papeis e funções sociais do jornalismo a partir de uma perspectiva das audiências hoje.

Sem mais spoilers. O texto aponta outras muitas provocações interessantes. E vale a pena conhecer o dossiê como um todo.

Eu estou voltando às origens, e passei a integrar uma pesquisa que busca estudar “os mundos locais da informação”. A pesquisa busca substituir a mídia pelo território como dispositivo de construção dos públicos, considerando o papel da dimensão territorial como um espaço de pertencimento e de construção identitária nos quais os indivíduos vão desenvolver suas práticas informacionais, para além do simples consumo do conteúdo midiático. Como as pessoas se informam? Como as informações circulam? Qual o papel da mídia na construção das práticas de consumo da informação? Como essa informação é mobilizada no cotidiano das conversas entre indivíduos situados em territórios precisos? Quais são as sociabilidades que se organizam ao redor dessa informação? E como as pessoas percebem as ferramentas de circulação da informação, os roteiros propostos pelos algoritmos das redes sociais? Quais são as práticas de resistência e contorno a esses formatos desenvolvidas? Como essas práticas se inserem nas carreiras dos indivíduos que participam desses mundos sociais da informação local? Acho que temos muito a aprender com o modo como as pessoas se informam.

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