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Entrevista com Pirula: “Você está falando a língua de quem está ouvindo?”

por Tainá Binelo



Fui apresentada à Revista Superinteressante quando tinha menos de 10 anos de idade. Aproveitava todo e qualquer intervalo das aulas no ensino fundamental para ir até a biblioteca da escola em que estudava e descobrir mais sobre as diversas curiosidades científicas que estavam escritas naquelas 60 páginas. Foi na mesma época, em 2010, que o biólogo e doutor em zoologia pela Universidade de São Paulo (USP), Paulo Miranda Nascimento começou a se tornar o Pirula, agregando ao seu currículo os títulos de divulgador científico e youtuber – o qual alcançaria em 2023 mais de 1 milhão de inscritos. 

Se há 13 anos eu precisava folhar diversas páginas para ter acesso àquelas informações, influenciadores como Pirula tornaram essa comunicação mais simples a partir das mídias digitais, aproximando a ciência daqueles que se interessam por ela. Esse movimento fora ainda mais valorizado com a chegada da pandemia de Covid-19 em 2020, onde o único caminho para sobreviver ao vírus era o conhecimento. No canal no Youtube do cientista, vídeos que abordam o tema e buscam descomplicar a vacinação chegaram a mais de 200 mil visualizações. 

Entretanto, além de informar, os divulgadores científicos brasileiros também precisam batalhar diariamente para que, em meio a uma sociedade polarizada, onde notícias falsas e teorias da conspiração são cada vez mais compartilhadas, consigam garantir seu espaço e deixar claro que sim, a ciência é confiável. Os dados são claros: segundo pesquisa realizada pela Fiocruz em 2022, 68,9% dos entrevistados declararam confiar na ciência, enquanto estudo feito pela 3M (EUA), 90% concordaram com a mesma sentença. 

Foi sobre a importância desse trabalho a conversa que tive com Pirula durante a sua visita à Santa Maria para participar do XII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados e da palestra “Como aproximar conhecimento científico e sociedade”, promovida pelo projeto UFSM Divulga Ciência nos dias 18 e 19 de maio. Confira: 

Pirula é biólogo, doutor em zoologia e youtuber (créditos: Jefferson Coppola)

EJor: Como a divulgação científica surgiu na sua vida e como você viu que poderia fazê-la para um número ainda maior de pessoas?

Pirula: Eu sempre digo que queria ser professor, mas que me tornei divulgador científico por acidente. Como isso aconteceu? Eu peguei um início da internet, das redes sociais, e notei um vazio que precisava ser preenchido. Se você for ver um vídeo meu de 2015, eu falava “olha, estou vendo rumores de fumaça na montanha da perdição, então se juntando tropas em Mordor, estamos vendo Orcs saindo das montanhas cinzentas” e eu já era meio “profeta do apocalipse” e sabia que algo ruim ia acontecer. Aí então veio uma pandemia para coroar isso e nos mostrar que somos muito sobreviventes, mesmo que infelizmente muitos não tenham conseguido. 

Então, meu trabalho passou por vários trancos e barrancos, cometi muitos erros, mas ao mesmo tempo também tentaram me minar e dizer que o que eu tava falando não era exatamente o que as pessoas queriam que fosse dito. Não estou querendo exacerbar a minha relevância, mas contar que pelo menos nesse meio, no micro mundo que estou, a divulgação científica e eu estávamos incomodando. Isso tudo me deixou, como posso dizer, com a casca mais grossa, sabe?

Ejor: A internet tem sido sua aliada há alguns anos na tarefa de falar sobre ciência e compartilhar conhecimento. Como ela pode ser para quem está começando também? 

Pirula: Para quem é professor, é muito melhor você se preparar para dar uma aula incrível que vai ficar na internet e que você só precisa falar uma vez, do que repetir a mesma aula todo semestre ou mais de uma vez por semana para mais de uma turma. Grava uma aula e mostra, poupe sua saliva, sua garganta, garanta que aquela aula vai estar bem feita, porque você vai poder dar ela tanto de mau humor, de bom humor, aconteceu algum problema, ficou doente, morreu alguém, a sua aula está lá, gravada, linda, maravilhosa, plena. E aí depois você faz uma discussão com os alunos, você conversa, algo que hoje parece chover no molhado por causa da pandemia, mas que eu já recomendava há muito tempo.

Ejor: Pirula, que dicas você dá para quem quer começar a divulgar ciência de uma forma mais eficaz e popular?

Pirula: Se você precisa falar com o público e se soltar, o que eu mais recomendo é explicar várias vezes, dar aula. Por exemplo, uma coisa que eu percebi é que tem gente que dá aula sobre um assunto o tempo todo e automaticamente fala melhor sobre aquilo. Você fala “uau, nossa, essa pessoa é um gênio”, mas no fundo não precisa ser um gênio, só precisa ter o hábito de explicar. O irônico é que muitas das pessoas que fazem divulgação científica são alunos de pós-graduação, que muitas vezes não têm experiência docente ainda. São eles que estão fazendo a comunicação. 

EJor: O número de cientistas presentes nas mídias sociais cresce diariamente, principalmente após a pandemia. Como você enxerga esse fenômeno? 

Pirula: Eu antes falava de tudo que aparecia com relação a biologia e muitas vezes até de outras áreas da ciência, seja das naturais, humanas. Mas, agora é desnecessário que eu fale de tudo porque as pessoas estão criando os seus próprios canais, tem gente de todas as áreas no Youtube, no Twitter, nas demais redes, falando sobre diversos assuntos necessários. Não é preciso que eu fale de outras coisas, o que está longe de ser algo ruim pra mim, já que assim eu posso tocar nos assuntos que eu gosto mais. 

No comecinho, fazer vídeo para internet era coisa de maluco, tanto que as pessoas que faziam escondiam isso dos outros, dava vergonha falar que você era youtuber. Eu tive sorte que, pelo menos na minha área, ninguém nunca me reprimiu. A pandemia meio que obrigou todo mundo a trabalhar on-line, então isso também ajudou muitas pessoas a perceberem que não é difícil ligar uma câmera e falar, principalmente agora com os smartphones, algo que quando eu comecei ainda não tinha. 

EJor: Se por um lado esse aumento auxilia no acesso à informação, também aproxima a desinformação das pessoas. Qual o papel do divulgador científico nisso? 

Pirula: Se você lembrar de 2013, as pessoas tinham pavor das câmeras. Tudo está mais próximo agora e não só de quem tem coisas interessantes para falar, mas de quem tem bobagens também. Houve uma demora entre as pessoas mais internas na academia, e eu me incluo nisso, em sacar essa mudança, porque como falei, até pra mim foi acidental. Não fui o grande profeta por criar um canal científico, não sou eu que vai salvar o mundo, mas o pessoal meio que achou que não era necessário tanto alarde e não tinha noção do alcance e dos malefícios das coisas. E digo: boa parte de quem causou os malefícios veio do mundo acadêmico também. 

É bom a gente lembrar que boa parte dos negacionistas, que divulgam pseudociência, são da academia. Não é uma coisa que veio de fora, é fogo interno, é fogo amigo.E também tem a questão do susto, né? Muitos acadêmicos começaram a falar tentando ajudar e era melhor ficar quieto, porque existe uma falta de prática, falta de jeito, falta de entendimento de quem está ouvindo.

Acho que o grande problema é esse: conciliar quem fala com quem ouve.
O acadêmico sério, o que está falando, ele está falando o que precisa ser dito, mas ele está falando a língua de quem tá ouvindo?
Então nesse ponto essa tradução ainda está meio que acontecendo, mas melhorando.

EJor: Além do descrédito sobre o trabalho feito pelos cientistas, a classe também vivencia uma grande crise em relação ao suporte financeiro. Nesse mesmo cenário, também vemos diversos pesquisadores ganhando patrocínios em razão da sua presença on-line. Você acredita que isso possa interferir de alguma forma no exercício da profissão?

Pirula: Eu acho que isso vai de indivíduo. Tem indivíduo que vai se deslumbrar, tem indivíduo que não vai. Mas, como tio Ben (de homem-aranha) diria: com grandes poderes vem grandes responsabilidades. A pessoa realmente acaba achando que pode mais do que realmente pode, então tem que tomar cuidado. Eu não vejo problema nenhum em pessoas sérias ganharem dinheiro, na verdade, eu acho que é o que deveria. A nossa sociedade é feita para estagnar classes sociais, então é feito para o pobre continuar pobre. 

Então, se você tem pessoas fazendo um trabalho sério, um trabalho legal, um trabalho decente e essa pessoa tem chance de ganhar dinheiro, isso é ótimo. E aí, na minha vivência, e olha que eu não soube fazer dinheiro com meu canal, acadêmico no Brasil se acostumou com a miséria e eu não estou falando da pobreza não. Tem gente pobre no Brasil, pobre pobre mesmo, que ganha o dobro ou o triplo do que um aluno de pós-graduação ou mais. A academia brasileira não se acostumou com a pobreza, ela se acostumou com a miséria. 

Se a pessoa consegue ganhar uma grana fazendo influência digital, ela tem obrigação de fazer isso, ela está mais do que certa. A gente tem que parar de se acostumar com miséria e com as migalhas que ganhamos. Algumas áreas têm mais facilidade, eu conheci professores muito ricos que foram para áreas que você tem uma influência no mercado privado muito forte, conheci professores milionários na engenharia, na medicina, mas na nossa área de ciências naturais, humanas, não. 

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