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Qual a finalidade do jornalismo afinal?

por Tainá Binelo



Por onde você se informa? Em 2022, o Instituto Toluna Corporate realizou uma pesquisa para avaliar como os latino-americanos se relacionam com o conteúdo jornalístico. Dos 1500 participantes brasileiros, 76% disseram utilizar as redes sociais como sua principal fonte na hora de se atualizar sobre o mundo. Seja como aliada ou inimiga, as mídias agora fazem parte da rotina do profissional da comunicação. Em meio a tantas publicações, cabe ao usuário três tarefas: escolher qual publicação o alcançará, em qual acreditar e qual será a utilização dessa – seja para o bem ou para o mal. A primeira muito pode ser vinculada ao modo em que os algoritmos trabalham e a última sobre quais são as pretensões implícitas que antecedem esse consumo. 

Mas, é no segundo ponto em que o jornalismo vem encontrando muitos desafios: como fazer a população crer no conteúdo jornalístico, produzido a partir de fontes, pesquisas e fatos, e não nos boatos e inverdades que facilmente os alcançam por meio de páginas e perfis na internet e que, em um primeiro momento, podem ser mais similares às opiniões que já estão internalizadas em si? Em entrevista para o Grupo de Pesquisa Estudos em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (EJor/UFSM), a doutora em Comunicação e Informação e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gisele Dotto Reginato analisa de forma crítica a ascensão da pós-verdade, forma que pesquisadores nomeiam o fenômeno pelo qual a opinião pública reage mais a apelos emocionais do que a fatos objetivos, e a sua influência na atuação cotidiana do profissional jornalista e aponta: “A informação jornalística qualifica a vida pública e é necessária”.

Gisele Dotto Reginato é egressa do PPG em Comunicação da UFSM e atua como docente na UFRGS | Foto: Divulgação

Reginato: “Assim como outras instituições, o jornalismo tem sua credibilidade posta em xeque nestes tempos de pós-verdade e desinformação. E, mais do que isso, jornalistas têm sofrido agressões inaceitáveis enquanto desempenham seu papel. Quando um jornalista é atacado, a democracia está ameaçada porque entendo o jornalista como esse agente fundamental para a manutenção de uma sociedade democrática. A informação jornalística qualifica a vida pública e é necessária: a democracia depende da qualidade do jornalismo, pois o jornalismo seleciona o que é relevante de ser visto, o que merece atenção, controla o que e quem tem visibilidade, visibiliza ou oculta problemas sociais. Num contexto de jornalismo em rede, em que os cidadãos são cada vez mais confrontados com um grande fluxo de dados, mais necessidade eles têm de que o jornalismo verifique essas informações, destacando o que é importante saber e filtrando o que não o é. A verificação assume um papel fundamental num contexto em que existem muitas informações circulando, inclusive fornecidas pelas instituições e pelas fontes diretamente em seus sites e perfis nas redes sociais. E é o jornalismo que tem condições de checar se essas informações são verdadeiras ou não. Inclusive a produção de notícias apuradas é um dos elementos que fortalecem a credibilidade jornalística desde sempre: a crença de que a informação transmitida foi checada é um dos pressupostos da relação jornalista-sociedade.”

Autora do livro “As finalidades do jornalismo” (2019), Reginato categorizou em sua obra 12 objetivos que a profissão deve cumprir na sociedade, entre eles estão “fiscalizar o poder e fortalecer a democracia” e “verificar a veracidade das informações”. Além delas, a pesquisadora também aponta outras formas de intensificarmos a busca pela retomada da confiança uma vez tida na relação jornalista-leitor.  

Reginato: “Defendo que o jornalismo também deve informar de modo qualificado, investigar, interpretar e analisar a realidade, fazer a mediação entre os fatos e o leitor, selecionar o que é relevante, registrar a história e construir memória, ajudar a entender o mundo contemporâneo, integrar e mobilizar as pessoas, defender o cidadão, esclarecer o cidadão e apresentar a pluralidade da sociedade. Claro que minha proposta não supõe que todas as finalidades devam ser cumpridas na mesma pauta, mas sim que o jornalismo deve cotidianamente buscar alcançá-las para garantir a atuação específica por meio da qual é caracterizado e legitimado na sociedade democrática.”

O Ejor questionou Gisele sobre como podemos aprofundar a reflexão sobre o apagamento da figura do jornalista no discurso dos veículos, temática que também fora abordada em sua obra: existe uma parcela de “culpa” do profissional nesse processo de descrédito que está ligado diretamente a esse fator? 

Reginato: “Ao avaliar como veículos, jornalistas e leitores percebiam o papel do jornalismo, os dados revelaram que eles percebiam como principais as mesmas três finalidades do jornalismo: informar, esclarecer o cidadão e apresentar a pluralidade da sociedade, fiscalizar o poder e fortalecer a democracia. No entanto, algumas diferenças também foram bem significativas, como a percepção diante do papel de verificar a veracidade das informações, que apareceu como um eixo bem importante para jornalistas e leitores, mas não foi significativo no discurso dos veículos. É esperado que grande parte dos jornalistas compreenda essa como uma finalidade do jornalismo: nesse papel eles se veem no processo de produção das notícias, conseguem materializar o desafio da sua atividade diária e valorizar o que “somente” eles têm condições de buscar. Num contexto de excesso de informações, é o que singulariza o porquê de se acessar um veículo jornalístico e não de outro tipo. Os jornalistas reconhecem que a capacidade de certificar informações é uma das vantagens que preservam em relação aos algoritmos: o jornalismo serve para garantir que a informação foi verificada. É nesse contexto que eu trago o questionamento de por que a verdade não está sendo trazida pelos principais jornais de referência brasileiros como um valor fundamental no seu discurso e cheguei à problematização de que essa lacuna poderia ser resultado do apagamento da figura do jornalista no discurso dos veículos. O jornalista não é citado como um sujeito ativo no processo de negociação de sentidos, devendo cumprir as funções que estão sendo estabelecidas para “o campo do jornalismo” ou “para os jornais”. E eu acho que, para considerar essa finalidade como relevante, os jornais teriam que enxergar a apuração como determinante. Exigiria que eles reconhecessem a existência de um sujeito – o jornalista – que torna possível “buscar a verdade” por meio de procedimentos empreendidos cotidianamente. No entanto, os jornais praticamente apagam a figura dos jornalistas no discurso institucional, não os considerando como sujeitos ativos e fundamentais. Para os veículos, o jornalista é apenas aquele que deve aprender ou ser treinado para cumprir as diretrizes da linha editorial. No entanto, minha pesquisa também mostrou que foi bastante relevante para os leitores esse papel de verificação da veracidade das informações. E se eu já esperava encontrar esse sentido no discurso dos jornalistas, já que a checagem faz parte de sua rotina profissional, achei muito interessante e até surpreendente que tenha encontrado o resultado de que o leitor também demonstra claramente uma expectativa do jornalismo baseada na prática de verificação. O leitor está dizendo claramente: “a informação que eu recebo tem que ser verificada, precisa, exata; quero ter a certeza de que ela foi apurada e checada”, sob o risco de, se não for, “eu avaliar como leviano, mau jornalismo, ficção”. O que é possível afirmar no momento, a partir da minha pesquisa, é que não me parece que esse apagamento do jornalista presente no discurso dos veículos reflita na relação jornalista-leitor. O que me parece, na verdade, é que os leitores estão dando um recado aos jornais de referência, que não incorporam esse valor claramente no seu discurso institucional.”

A dificuldade em aproximar jornalistas e sociedade também se encontra na desobrigatoriedade da exigência do diploma de ensino superior, outro obstáculo. Sem a necessidade de seguir o código de ética da profissão e preceitos ensinados ainda na graduação para os jornalistas em formação, como podemos exigir que qualquer pessoa não espalhe desinformação e, se necessário, puni-la por tal ato? Enquanto nós, jornalistas, perseguimos a ideia, ainda que seja um mito, de praticar um jornalismo imparcial, dando voz e espaço para todos, os, entre aspas, comunicadores, aventuram-se em caminhos obscuros e apagam as narrativas que preferirem. 

Reginato: “Penso que minha pesquisa abordando as finalidades que o jornalismo deve cumprir na sociedade é um “manifesto” em defesa do jornalismo. E, nessa defesa de um jornalismo de qualidade, sem dúvida eu vejo claramente o papel da formação do jornalista. As discussões e a formação teórica que o curso de Jornalismo nos proporciona certamente têm impacto e tornam os profissionais muito mais qualificados para uma boa atuação. Acredito nisso diariamente quando entro na sala de aula para conversar com meus alunos. As tecnologias vão mudando e a gente vai se adaptando, mas a compreensão do papel que o jornalista deve cumprir e da importância da sua atuação social vai muito além de “técnicas”, passa de fato por reflexões, um tempo que a universidade nos proporciona para pensar e refletir enquanto fazemos.”

Referências:

REGINATTO, Gisele. As finalidades do jornalismo: o que dizem veículos, jornalistas e leitores. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): 2016. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2023.  

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