Por: Amanda Spohr Demamann
Pensar que o jornalismo está próximo dos cidadãos que ilustram suas notícias e reportagens cotidianamente parece uma obviedade, não é? Afinal, mediar o debate entre os fatos e a sociedade, e denunciar situações que competem ao interesse do público são (ou ao menos, deveriam ser) duas das principais finalidades do jornalismo. Fosse assim, viveríamos em uma sociedade quase utópica: o jornalismo assumindo seu papel de quarto poder, fiscalizando as formas de governo e governança social e a execução de políticas públicas, denunciando irregularidades no espectro político e do serviço público, e claro, atuando em favor de todos aqueles que comumente não recebem espaço nas capas dos principais veículos do país. Estaríamos, de fato, num mundo quase perfeito.
Mas, a verdade, é que o jornalismo parece vir se desvencilhando das suas principais funções nos últimos tempos. A lógica mercadológica da notícia abocanhou as práticas da profissão, pressionando valores que fazem o jornalismo ser considerado bom. Algumas dimensões das crises de governança do jornalismo (Christofoletti, 2019) exemplificam o que queremos dizer aqui: o atual modelo de negócios que atravessa a indústria noticiosa talvez não seja mais suficiente para sustentar a produção, porque existe uma relação conflituosa entre a organização de conteúdos patrocinados e a qualidade da informação; a prerrogativa da objetividade vem sendo amplamente questionada tanto pelas audiências quanto pelos próprios jornalistas, que sugerem a ressignificação de enquadramentos, fontes e estilo dos relatos; e o próprio sistema operacional de organizações midiáticas consideradas “tradicionais” passou a ser visto como complexo por tratarem-se de empresas privadas que estão à mercê da busca pela lucratividade.
Esses indicadores e entre tantos outros incidiram sobre a crise da credibilidade do jornalismo, que precisou encontrar novas possibilidades para seguir cumprindo suas funções. Os nativos digitais ou arranjos econômicos (Fígaro, 2021) são elementos centrais deste cenário curioso que detalha os rumos tomados pelo jornalismo, e é a partir deles que me proponho a investigar os novos modos de exercer essa atividade. No caso da minha dissertação de mestrado, escolhi trabalhar com o jornalismo de proximidade, temática não muito recorrente em pesquisas nacionais, mas muito bem colocada no âmbito da academia portuguesa. Parto justamente da problematização existente no fato de a lógica capitalista ser responsável por subsidiar o jornalismo e o quanto isso pode influenciá-lo a assumir uma posição de curador, marginalizando problemas e distanciando-se das pessoas.
Assim, vou percorrendo reflexões teóricas acerca da Geografia da Comunicação e noções de território, lugar e territorialização, até chegar nas abordagens da crise de credibilidade da imprensa e dos arranjos econômicos para situar o objeto de pesquisa. Também abordo a perspectiva do jornalismo de proximidade a partir dos estudos de portugueses, como o professor Carlos Camponez, autor da obra base das pesquisas que abordam este tema.
Meu objeto de estudo é o Matinal, um veículo que caracteriza-se como um arranjo econômico, nativo digitalmente e que produz jornalismo local e investigativo na região metropolitana de Porto Alegre. O intuito é fazer uma análise discursiva sobre os sentidos de proximidade acionados em reportagens do Matinal, de modo a identificar essas marcas e, ao fim da pesquisa, desenvolver um conceito próprio e atualizado de proximidade.
Até o momento, encontrei algumas formas dispersas nos textos selecionados. Espécies de uma proximidade geográfica, que envolve o território físico; proximidade simbólica, que engloba a ideia de uma identidade comum entre jornalistas e leitores do Matinal que convergem em pautas e opiniões sócio culturais e políticas; e a proximidade local, em que estão inseridos os aspectos de localização em Porto Alegre e região estão entre elas. Também já é possível identificar que a proximidade opera como um norteador da construção jornalística do Matinal, e sob a perspectiva teórica da pesquisa, identificamos alguns pontos que relacionam-se com os itens encontrados no exercício de análise, como, por exemplo, para além da influência da Geografia, os processos de territorialidade que são concebidos de práticas e ações sociais e relações de poder.
Por ora, a dissertação está em andamento e em fase de ajustes pós qualificação, mas esses sentidos encontrados durante a análise preliminar indicam que estou em um caminho promissor. Centrar os olhares para diferentes modos de fazer jornalismo que estão ou pretendem estar mais próximos de comunidades que identificam-se mutuamente por suas crenças e posicionamentos, parece ser proveitoso para suprir uma parte da lacuna sobre os estudos de proximidade no Brasil.