Um dos mitos mais comuns sobre medicamentos é a crença de que antibióticos podem tratar infecções virais, como gripes e resfriados. Segundo a última edição da pesquisa de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia de 2023, 71,8% dos entrevistados concordaram, total ou parcialmente, com a afirmação de que “antibióticos servem para matar vírus”. No entanto, a verdade é que esses medicamentos atuam exclusivamente contra bactérias e são ineficazes contra vírus. O uso inadequado não apenas impede o tratamento correto da doença, mas também representa um sério risco à saúde pública, contribuindo para o aumento da resistência microbiana.

O que são antibióticos?
Os antibióticos são substâncias que combatem infecções causadas por bactérias, podendo matá-las ou inibir sua multiplicação. Eles compõem a gama de medicamentos conhecidos como antimicrobianos, que inclui, também, os antifúngicos, antivirais, antimaláricos e anti-helmínticos.
Segundo a professora Terimar Ruoso, do Departamento de Ciências da Saúde do campus da UFSM de Palmeira das Missões, todo medicamento age a partir de sua interação com um alvo específico e, no caso dos antibióticos, sua interação sempre se dá com alguma estrutura bacteriana. Ela explica que o medicamento deve ser utilizado pelo tempo necessário para eliminar todas as bactérias responsáveis pela infecção, um período que geralmente varia entre sete e 14 dias.
Às vezes, as pessoas fazem uso de antibiótico quando estão com infecções virais e podem acreditar que foram curadas por esse medicamento. Porém, isso não é verdade. O que acontece é que, para ‘funcionar’, o antibiótico atua em conjunto com a reação do nosso sistema imunológico. Em casos de virose tratadas com antibióticos, como não há bactéria, a melhora dos sintomas não ocorre devido ao medicamento, mas pela reação do próprio organismo.
Vírus x bactérias
As bactérias surgiram há cerca de 3,5 bilhões de anos e são caracterizadas por sua adaptabilidade, sobrevivendo a diversas mudanças no planeta. Elas têm uma estrutura celular organizada e podem se reproduzir de forma autônoma, desde que o ambiente ofereça condições adequadas a elas. Já os vírus não possuem estrutura celular (são acelulares) e são dependentes de outro ser vivo para se reproduzirem. Além disso, são muito pequenos, em torno de cem a mil vezes menores que as bactérias – o que contribui para replicação abundante e dispersão facilitada.
Resistência microbiana e riscos associados
O uso incorreto de antibióticos, como tomá-los em excesso ou utilizá-los para tratar infecções causadas por vírus (como resfriados e gripes), é um problema comum. Isso contribui para o surgimento da resistência microbiana, que acontece quando as bactérias se tornam capazes de resistir e sobreviver aos efeitos dos medicamentos que deveriam eliminá-las. Assim, os antibióticos que antes eram eficazes perdem a capacidade de combater certas infecções.
Como resultado, as bactérias mais sensíveis são destruídas pelo antibiótico, mas as resistentes sobrevivem e se multiplicam, tornando o tratamento mais difícil. Infecções causadas por essas superbactérias apresentam maior risco de complicações, como explica a professora Rosmari Horner, do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da UFSM: “As infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação a outras pessoas, podendo levar a complicações graves nos pacientes e até mesmo a óbitos, já que os medicamentos se tornam ineficazes”.
Nesse contexto, a resistência aos antibióticos está tornando infecções que antes eram tratáveis muito mais difíceis de controlar. Doenças como pneumonia, tuberculose e sífilis se tornaram desafiadoras de combater porque as bactérias que as causam desenvolveram resistência aos tratamentos disponíveis.
Automedicação e Covid-19
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), em 2024, colocou o Brasil como recordista em automedicação, revelando que 86% dos entrevistados tomam medicamentos sem orientação de um prescritor, mesmo com a exigência de receita médica para a compra de antibióticos em farmácias e drogarias no país.
No mesmo ano, o Conselho Federal de Farmácia divulgou um levantamento sobre o aumento na venda de antimicrobianos, incluindo antibióticos. Segundo os dados, em 2019, foram vendidas cerca de 170 milhões de unidades desses medicamentos, e esse número continuou crescendo nos anos seguintes. Em 2022, as vendas saltaram para 228 milhões de unidades.
O aumento da venda dos antimicrobianos ocorreu simultaneamente à pandemia de Covid-19, com o boom da automedicação, associada à comercialização do “kit covid” – que contava com a azitromicina, um antibiótico comumente utilizado para tratamento de infecções do trato respiratório. Isso levou a Anvisa a publicar, em agosto de 2021, uma Nota Técnica reforçando que os antibióticos não são indicados no tratamento de rotina da Covid-19, já que a doença é causada por vírus e esses medicamentos atuam apenas contra bactérias.
Veredito: MITO! Os antibióticos não servem para matar vírus. Seu uso em infecções virais só é recomendado caso haja uma infecção bacteriana associada. Por isso, não utilize antibióticos sem prescrição profissional e sempre siga corretamente as orientações do seu médico.
Orientações da Anvisa sobre o uso de antibióticos:
- Use antibióticos somente quando indicados por receita de um profissional qualificado;
- Não compartilhe seu antibiótico com terceiros nem use antibióticos que sobraram do tratamento de amigos ou familiares;
- Mesmo que esteja se sentindo melhor, termine o tratamento conforme indicado pelo profissional na receita;
- Previna infecções com medidas simples: faça sexo seguro, mantenha sua vacinação em dia, lave sempre as mãos e cubra o nariz e a boca quando for espirrar;
- Não espere que antibióticos curem doenças provocadas por vírus, como gripes ou resfriados; esses medicamentos tratam apenas doenças bacterianas.
Texto: Júlia Zucchetto
Ilustração: Vinicius Gumisson Motta
Edição: Luciane Treulieb
Revisão: Fabiana Coradini