Espécies marinhas são responsáveis pelo desempenho de funções ecossistêmicas, as quais são provenientes das interações entre os elementos do ecossistema que promovem a vida nos mares e oceanos. Elas também atuam no bem-estar dos seres humanos através dos serviços ecossistêmicos, principalmente quando nos alimentamos de frutos do mar e/ou praticamos uma atividade turística como uma viagem ao litoral.
Especialmente nos recifes de corais – que são sistemas biologicamente complexos com diversos organismos e suas interações –, as espécies desempenham funções desde o controle do crescimento das populações de algas, ciclo de nutrientes, produtividade, o controle da cadeia trófica (sequência de alimentação entre os seres vivos na cadeia alimentar), entre outros exemplos. Ou seja, incluem espécies que vão desde pequenos peixes herbívoros até predadores de topo da cadeia alimentar.
Você sabe quais espécies apresentam um papel funcional importante para os recifes do Oceano Atlântico a ponto de causarem danos grandes para a estrutura funcional, ou seja, para o funcionamento desses recifes se forem extintas? Calma que eu já te conto!
Apesar da necessidade de estudos sobre o funcionamento desse ecossistema que está cada vez mais ameaçado pela ação dos seres humanos, ainda existe uma lacuna científica que precisava ser preenchida: qual a importância desses organismos marinhos se considerarmos espécies de diferentes grupos taxonômicos – classificação de seres vivos com distintas formas e tamanhos – como os peixes ósseos, tubarões, raias, tartarugas e mamíferos marinhos ao mesmo tempo? O que eles fazem para promover e garantir a vida nesses ecossistemas, uma vez que os recifes abrigam a maior riqueza de espécies marinhas?
Meu trabalho de mestrado teve como objetivo avaliar se diferentes grupos taxonômicos de vertebrados marinhos recifais do Atlântico apresentam funções ecossistêmicas iguais como o controle trófico, ou seja, se são redundantes ou não. Da mesma forma, analisei como a diversidade funcional está distribuída nesses recifes, identificando locais com menor riqueza de espécies (e menor número de funções, é claro), e como consequência, quais são mais ameaçados. Ainda, simulei cenários futuros de extinção desses vertebrados, com base nas classificações de ameaça (Vulnerável, Em Perigo, Criticamente em Perigo) da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e assim quantifiquei o impacto de potenciais perdas de espécies na diversidade funcional.
Para isso, compilei uma lista de 224 (lindas, diferentes e muitas vezes coloridas) espécies de vertebrados recifais, sendo quatro mamíferos, cinco tartarugas, 89 tubarões e raias e 126 peixes ósseos. Nós (eu, minha orientadora Mariana Bender e os coautores) compilamos pela primeira vez seis atributos funcionais comparáveis entre os quatro distintos grupos taxonômicos: tamanho corporal máximo, profundidade máxima, grupo trófico (dieta), biomassa, formato do corpo e das nadadeiras caudais. Tais características estão relacionadas com as funções que essas espécies desempenham no ambiente recifal.
Para compreender quais são as funções dessas espécies no Atlântico, em que o Brasil está localizado, eu realizei uma busca online através do Google Acadêmico com o uso de palavras-chave como “nome da espécie + ecosystem function” e “nome da espécie + ecosystem functioning” para compilar artigos científicos com essas informações. Nessa busca eu encontrei sete funções: pressão de herbivoria, bioturbação/bioerosão, armazenamento e transporte de nutrientes, resiliência, mesopredadores, predadores de topo e regulação trófica. A função que apresenta maior número de espécies ameaçadas segundo a IUCN é a de regulação trófica (n = 50), seguida pelos predadores de topo (n = 21).
Ainda, para entender como a riqueza funcional – riqueza de espécies e atributos – está distribuída nesses recifes, nós mapeamos (em mapa do tipo grid 4º x 4º) a distribuição de cada uma das espécies avaliadas através do uso de shapefiles que contém a sua distribuição geográfica. Como resultado, alguns locais como o Caribe, o recife mais rico e diverso do Atlântico, apresentaram maior riqueza funcional. Além disso, apesar dessas diferenças de riqueza de espécies, existe um padrão que mostra que as espécies são parecidas funcionalmente, ou seja, apresentam atributos e funções similares, como por exemplo o tamanho e forma corporal e funções como a regulação trófica e os mesopredadores, principalmente se compararmos as espécies de tubarões, raias e peixes ósseos apesar das suas diferenças taxonômicas.
Apesar desse padrão homogêneo nos recifes, a remoção da função dos mesopredadores (tubarões, raias e peixes ósseos de tamanho corporal maior), ou seja, um nível trófico abaixo dos predadores de topo, afetará a estrutura desses ambientes, principalmente naqueles locais com menor riqueza de espécies. A perda de riqueza na escala regional (Oceano Atlântico) poderá chegar a 40%, já na escala local do Caribe, por exemplo, será maior que 90%!
O que não é novidade para muita gente é que os animais marinhos de grande porte, como os predadores de topo (na maioria das vezes as espécies de tubarões), são ameaçados principalmente pela pesca, uma vez que a atividade pesqueira busca capturar animais maiores. E o meu trabalho mostrou que eles são realmente mais ameaçados do que os mesopredadores, porém é a remoção das espécies mesopredadoras que afetará as funções ecossistêmicas nos recifes, bem como a provisão de serviços ecossistêmicos. E esse resultado é alarmante, porque as populações dos predadores de topo já foram esgotadas, e os mesopredadores – o nosso último recurso – serão os próximos. Mas claro, a conservação e preservação dessas espécies e principalmente da riqueza funcional como um todo auxiliará na conservação dos nossos recifes!
Expediente:
Texto: Luiza Severo, Bacharel em Ciências Biológicas. Mestre em Biodiversidade Animal e Doutoranda em Biodiversidade Animal pelo Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal pela UFSM;
Design Gráfico: Luiz Figueiró. acadêmico de Desenho Industrial e bolsista;
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e bolsista; Ludmilla Naiva, acadêmica de Relações Públicas e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário;
Relações Públicas: Carla Isa Costa;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.