Um fato inédito na ciência: em 2018, uma mulher latino-americana ganhou pela primeira vez o Prêmio Pesquisador Emergente, da Real Sociedade de Química, do Reino Unido. A cientista premiada Márcia Foster Mesko realizou seu mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Química na UFSM, tendo como área de concentração a Química Analítica, sob orientação do professor Érico Flores. Atualmente, ela é professora do Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos da Universidade Federal de Pelotas.
O prêmio – que tem como objetivo valorizar os jovens cientistas de todo o mundo – reconheceu o trabalho da pesquisadora na área de determinação de elementos químicos, especialmente os metais e os halogênios.
A relevância do estudo com halogênios se dá, principalmente, por existirem poucas informações acerca desses elementos, quando comparados a outros pertencentes às demais famílias da tabela periódica. Para tanto, o grupo de pesquisa coordenado por Márcia desenvolve métodos para a determinação de elementos tóxicos ou essenciais aos seres humanos em alimentos, cosméticos, medicamentos e materiais biológicos como unhas, cabelo e saliva, principalmente por técnicas de espectrometria atômica (método de análise usado para determinar qualitativamente e quantitativamente a presença de metais e metaloides) e cromatografia de íons (troca de íons de mesmo sinal entre uma solução e um corpo sólido muito insolúvel).
Segundo a pesquisadora, muitos métodos utilizados para o controle de qualidade de alimentos são considerados antigos e é necessário o investimento em alternativas que tragam resultados mais exatos para a liberação dos produtos para consumo com mais segurança. Ter informações sobre as concentrações de elemento químicos em alimentos – como o iodo, que é importante para o funcionamento da glândula tireoide – beneficia o controle das fontes e quantidades ingeridas pelo indivíduo. Já o elemento bromo, por sua vez, ainda não tem função definida e está presente em concentrações mais elevadas que o iodo em diversos alimentos, embora pertença à mesma família da tabela periódica. A pesquisadora aponta que, dependendo da forma química, este elemento pode ter efeito cancerígeno para o organismo humano, como é o caso dos bromatos, que atualmente têm seu uso proibido.
No caso dos materiais biológicos, as pesquisas buscam substituir a análise de sangue e urina por amostras alternativas: unhas, cabelo e saliva. Além de serem mais fáceis de serem coletados, esses materiais podem complementar informações referentes ao metabolismo de elementos como os halogênios no organismo.
No que concerne às famílias dos metais e metalóides, os pesquisadores ainda desenvolveram métodos para a determinação de elementos como chumbo e cádmio em batons, por exemplo. A proposta visa a não utilização do ácido fluorídrico, que é um reagente químico extremamente perigoso. Com isso, os resíduos se tornam mais facilmente tratados e oferecem mais segurança ao analista. A segurança é garantida também aos consumidores destes cosméticos, principalmente os de uso infantil, que podem receber informações mais exatas sobre as concentrações destes elementos.
Os resultados obtidos são importantes também porque o grupo de pesquisa optou pelo uso de reagentes mais diluídos, menos tóxicos ao organismo humano, e pela diminuição das quantidades de resíduos gerados. As técnicas, por sua vez, são otimizadas a fim de detectar mais de um elemento na mesma análise. Além disso, grande parte do tempo despendido em uma análise está na etapa de preparar a amostra e, para tanto, o grupo propõe métodos assistidos por radiação micro-ondas, ou seja, aqueles que utilizam fornos de micro-ondas produzidos para uso em laboratórios. O grupo de pesquisa conta com a colaboração de outros grupos do país e do exterior, em especial do Programa de Pós-Graduação em Química da UFSM.
As premiações
O Prêmio Pesquisador Emergente 2018 avaliou currículos de pesquisadores do mundo inteiro que atuam na área de espectrometria atômica. Os critérios de avaliação levaram em conta a produção científica ao longo da carreira, o número de publicações na revista Journal of Analytical Atomic Spectometry, bem como o impacto da atuação na área científica e no local onde desenvolve suas pesquisas. Além de receber o prêmio, Márcia será uma das palestrantes de um encontro sobre espectrometria atômica na França, no início do ano que vem.
Em 2012, a professora já havia conquistado o prêmio L’Oréal para Mulheres na Ciência. A iniciativa da L’Oréal Brasil, da Academia Brasileira de Ciências e da Unesco, tem como objetivo ceder espaço e apoio à participação das mulheres brasileiras no cenário científico do país. Na área científica, Márcia pontua a necessidade de apoio, especialmente, do poder público e ações afirmativas para incentivar a redução das desigualdades sociais, de raça e gênero: “As mulheres precisam de apoio e de medidas que possibilitem sua inserção na sociedade e no mercado de trabalho, para que trabalhem com os mesmos direitos e o mesmo reconhecimento dos homens. Acredito que ainda vai levar um tempo e é necessário investimento em cultura e educação, além de ciência e tecnologia, para chegarmos a esse cenário”.
Para ela, ambas premiações consolidam nacional e internacionalmente o trabalho realizado pelo seu grupo de pesquisa. A cientista espera que os estudos atraiam ainda mais estudantes e pesquisadores para a área, a fim de renovar as demandas e ideias, e aproximar a ciência do dia-a-dia das pessoas: “Muitas vezes as pessoas não relacionam a evolução da sociedade com o desenvolvimento científico e tecnológico, mas sem ciência praticamente não temos evolução social. A qualidade de vida e o crescimento da expectativa de vida estão diretamente relacionados com as atividades de pesquisa que realizamos”, pontua a pesquisadora.
Reportagem: Tainara Liesenfeld
Colaboração: Andressa Motter
Gráfico: Pollyana Santoro