A partir da crise de superprodução que comprometeu a economia mundial em 1929, o Estado brasileiro passou a intervir na economia no sentido de atender aos interesses dos detentores das plantações de café. A necessidade de industrialização dos centros urbanos e da modernização da agricultura culminaram em conflitos pela posse da terra no campo, bem como no êxodo rural principalmente a partir da década de 1960.
Em meio a esse contexto, crescia Mario Witt, nascido em 1958. Filho de pecuaristas, a infância foi marcada pelos aprendizados e brincadeiras nos rios e sangas perto da propriedade da família, na região da fronteira, em Itaqui. Em 1971, quando tinha 13 anos, Mario presenciou o falecimento do pai, o que o levou com a família a morar em Porto Alegre, onde um de seus irmãos já residia.
Apesar da ida para a capital, a família mantinha o contato com a terra, porque a maior parte da renda ainda vinha do arrendamento da propriedade na fronteira. Morando no bairro Menino Deus, onde ficava um quartel da Brigada, a mãe trabalhara de costureira até seu falecimento em 1976. “Foram tempos difíceis em que a gente tinha que vender as cabeças de boi para pagar as contas até que só sobraram as terras”, conta Mario. Com o falecimento da mãe, alguns de seus irmãos voltaram ao campo para trabalhar na “nova agricultura”.
O encontro com a fotografia
Adolescente, permaneceu na cidade de Porto Alegre, onde mantinha uma vida razoável a partir do arrendamento de sua parte da herança na fronteira. Depois de viajar para o campo com uma amiga, que havia levado uma câmera com a qual brincaram, Mário percebeu que intuitivamente conseguira alcançar alguma qualidade nas suas tentativas.
Depois de uma excursão aos Estados Unidos, um dos irmãos de Mario trouxe do exterior uma câmera da Olympus, com a qual não se acertou, dando-a ao irmão mais novo. “Para ele a fotografia não era como ela é para mim. A cãmera estava estragada, então eu a levei para o conserto e comecei a praticar”, afirma.
Com a máquina nova, o jovem teve o talento confirmado pelos seus colegas de apartamento que estudavam Comunicação em Porto Alegre. “Ao verem minhas fotos, eles acharam muito boas e mostraram que nelas existiam elementos que eles estudavam. Eu já gostava da fotografia, e a partir daí eu passei a gostar mais”, conta.
Na época, a fotografia era uma moda. As pessoas tinham laboratórios em suas casas, existiam grandes lojas que abasteciam os fotógrafos. Mario foi nesse embalo e, na passagem da década de 1970 para 1980 fez um curso curto no SENAC. O jovem que fotografava flores e pôr-do-sol conheceu a fotografia em preto e branco. “Era uma outra foto, era um deleite, um fazer artístico. Eu me sentia um pequeno mago, porque descobrir a foto em preto e branco foi algo mágico. E aquilo veio junto com a missão de denúncia”, narra.
Fotografia e o movimento ambientalista
Fundada em 1971 em Porto Alegre por José Lutzenberger, Augusto Carneiro, Caio Lustosa, Alfredo Gui Ferreira e outros ambientalistas, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) é uma ONG brasileira dedicada à luta em defesa do meio-ambiente, que chamou a atenção de Mario pelas lutas que travara em função da instalação da indústria de celulose em Guaíba, que poluía e causava mau cheiro na cidade.
Com uma câmera mais qualificada, Mario começou a se dedicar aos estudos sobre fotografia e meio ambiente, assistindo palestras, lendo diversos livros de Ana Maria Primavesi e outras autoras e autores que discutiam já nessa época a questão da destruição do meio ambiente. A perspectiva artística adotada pelo fotógrafo gerou um choque na família, porque ela praticava justamente a agricultura que a fundo Mario criticava em suas fotos. “As pessoas chamavam-me de louco, diziam que eu estava delirando, que era para me acalmar”, afirma.
Não se acalmou. Em função da instalação de um bueiro na cidade onde crescera, Mario enviou algumas de suas fotografias dessa obra ao jornal Zero Hora e, ainda jovem, entrou em uma polêmica com o prefeito de Itaqui, que lhe respondeu no próprio jornal a respeito das fotografias. Mario também entrava nas propriedades vizinhas para tirar fotos, porque achava bonitas e interessantes as paisagens, ainda que já entendesse o fato de que aquelas ações eram bastante agressivas ao meio ambiente. “Eu agia como um laboratório de jornalismo, com o coração na boca, porque aquilo me colocava em situações de risco. Mas a minha ação era mais contundente com a máquina na mão e dava resultados”, afirma.
Em 1986, depois de casado, Mario se mudou de volta para o campo, mas dessa vez para Lavras, junto à esposa. Na época da mudança, a região ainda era bastante preservada do novo formato de agricultura. “Foi uma paixão pela paisagem que eu perdi na infância e que reconstituí, mas agora estamos sofrendo o mesmo impacto por causa da instalação de uma mineradora”, reforça.
Atualmente com 59 anos e morando em Santa Maria, Mario continua fotografando não só preocupado com a paisagem que a mineradora vai afetar na região centro-sul do estado gaúcho, mas também com os latifúndios de soja que causam erosão no solo em função da não-rotatividade de cultura. “Quando eu pensei que poderia sossegar quanto a essas questões, as demandas chamam, batem na porta e é assim tanto em relação à mineradora quanto aos vizinhos que praticam a agricultura em grande escala, que se associam com outros, cujos poderes transcendem qualquer vizinhança”, conta.
Depois de quase quarenta anos dedicados à fotografia em defesa do meio ambiente, Mario segue em conflito com a nova formatação da agricultura, defendendo a preservação ambiental nos eventos, congressos, palestras em que participa, não com o objetivo de atender aos próprios interesses, mas de alertar quem quer que seja sobre as práticas na agricultura que afetam negativamente o meio ambiente.
Reportagem: Germano Molardi
Fotografias: Mario Witt/Arquivo pessoal