Jornalista, escritor, dramaturgo e tradutor são algumas das atividades que o argentino Rodolfo Walsh realizou durante sua vida, que foi ceifada de maneira brutal durante a ditadura militar no seu país.
Leitor e admirador das obras escritas por Walsh, o então estudante de Jornalismo da UFSM Iuri Müller decidiu fazer o seu trabalho de conclusão de curso sobre a vida do escritor. Dessa forma, Estilhaços de Rodolfo Walsh é o resultado de uma árdua investigação, para a qual foram necessárias viagens a Buenos Aires e cidades próximas, como Avellaneda e Adrogué, em 2012, na busca por materiais que fundamentassem sua pesquisa.
Para Iuri, “a obra do argentino é incrivelmente atual, e pode servir de exemplo para quem sonha com um jornalismo crítico, não atrelado a empresas ou ao Estado, e que assuma um papel de transformação”.
Até terminar o trabalho, Müller ainda não tinha decidido se publicaria ou não o livro. Foi então que a editora cartonera Maria Papelão entrou na conversa e, em dezembro de 2013, Estilhaços de Rodolfo Walsh foi lançado no Café Cristal, um bar de Santa Maria. “Por tudo o que representa a editora, como livros a preço baixo, produção colaborativa, oficinas em escolas da cidade, muito me orgulha esta publicação”, finaliza o jornalista.
ENTRE PAPELÃO, PINCÉIS E TINTAS
As editoras cartoneras têm origem na Argentina e vêm se difundindo pela América Latina como uma alternativa ao restrito mercado editorial, pois utilizam a criatividade para transformar papelão em obras literárias. A pioneira, Eloísa, nasceu no bairro La Boca, em Buenos Aires, em meados de 2002, época em que uma grave crise econômica assolava o país. Desde então, o papelão tornou-se matéria-prima para imprimir palavras e dar vida às histórias em diversos países.
Em Santa Maria, as cartoneras tomaram forma com o espanhol Julio Souto, que, em uma viagem à Buenos Aires, teve contato com a pioneira argentina. Ao voltar para o Brasil, compartilhou com amigos a novidade e, então, nasceu a primeira cartonera da cidade, a Estrela Cartonera, que estreou publicando a obra Para uma nova didática do olhar, do santa-mariense Odemir Tex Jr.
Depois disso, em 2013, Julio, juntamente com Luíza Casanova, Diego Marafiga, Lara Niederauer, Luciéle Bernardi e o professor do curso de Letras da UFSM Fernando Villarraga Eslava decidiram fundar a Maria Papelão Editora. O nome “Maria”, segundo os membros do corpo editorial, foi escolhido por ser um nome popular e também o nome da cidade, associado a “papelão”, material base da produção dos exemplares cartoneros. A editora conta com inúmeros colaboradores e é um coletivo indepedente – não possui vínculos nem apoio de órgãos públicos e privados.
Munidos de tinta, pincéis e giz de cera, os editores e colaboradores dão vida ao simples papelão (cartón, em espanhol), que é coletado por eles próprios nas ruas, lojas e supermercados. Assim, criam pequenos livros coloridos com capas inéditas. Ou seja, todas as produções são ímpares, valorizando a arte do trabalho. Com essa dinâmica, a primeira obra da editora foi lançada: Tempo Embalado para Apodrecer, escrito por Luíza Casanova. Após a primeira publicação, outras quatro vieram: Água em Pó, do poeta marginal Nicolas Behr, Voe no zeplin, de Zuca Zardan, Deserto de Salda, de Caren Rhoden, além de Estilhaços de Rodolfo Walsh. Foram lançados, em média, 200 exemplares de cada obra, que são feitos de acordo com a demanda. Para os editores, a quantidade é significativa, já que a maioria das outras cartoneras lança de 30 a 50 exemplares. Além da produção, a Maria Papelão ministra oficinas em escolas públicas da cidade, incentivando os alunos a utilizarem a criatividade.