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Fases

Por Ricardo Toscani*



 

Essa é minha foto, revelada depois da primeira saída fotográfica.

Tinha me perdido do grupo, fiz a aula sozinho.

Aula do professor Paulo Kuhlmann.

– Ó professor, fiz essa…

– Essa é sua primeira foto? Parabéns, eu não gosto muito de fotos de crianças, mas essa tá muito boa. Você vai ser um grande fotógrafo.

Entrei empolgado no quarto escuro e fiz a ampliação do indiozinho, irmãozinho da menina da foto.

– E aí, professor?

– Retiro o que eu disse, essa tá uma droga!

***

Depois de muito tempo, 4 anos, minha monografia. Paulo era o orientador, e ele foi supremo, virou mais que um orientador, era um amigo que me emprestava livros. Vendo que eu tremia muito antes de apresentar o trabalho, Paulo me tirou para fora da sala e fez uma previsão:

– Fica tranquilo, tua nota já tá dada, e tu vai para São Paulo.

Enquanto apresentava minha monografia, era alvejado pelos professores, principalmente por um que, nas suas considerações finais, falou que com trabalhos assim eu não teria o carro do ano, nem a mulher da minha vida, muito menos ganharia dinheiro. Nem como lambe-lambe numa esquina em Porto Alegre.

O Paulo e a Nara (esposa dele e também professora do Centro de Artes e Letras) me fizeram acreditar no meu trabalho, e não desistir dele nunca.

Me deram uma nota 9 e eliminamos mais uma etapa.

***

Agora eu viria para São Paulo.

Uma vez, voltei para Santa Maria para entregar meu relatório de estágio.

Porém, no relatório de estágio de um rapaz de 22 anos, recém-chegado em São Paulo, tinha muita raiva e indignação, e, num pequeno espaço destinado a críticas, eu fui feroz. Nesse dia, no fim da noite, recebo uma ligação do professor Paulo:

– Ricardo, bem legal seu relatório, mas tem uma parte que tu fala de um professor, egoísta, que não empresta as chaves do estúdio e fica regulando o uso das coisas. Fala que os professores têm que sair mais da universidade e entrar mais em contato com os que estão fora.Você está falando de mim?

Nesse dia, do outro lado da linha, me veio a imagem da gente conversando no laboratório e o Paulo me falando de dois nomes, Marcio Simch e Reinaldo Cóser, importantes fotógrafos, e que ele já havia falado com o Reinaldo sobre mim e começado a abrir as portas dessa cidade que ainda me metia medo.

– Não, Paulo, não é de ti. (E não era mesmo!).

Obrigado professor, obrigado pelas aulas, obrigado pelo excelente timing nas piadas, por confiar a chave do laboratório de foto até nos fins de semana. Pelo seu coração!

– Não se assustem, esse é o Ricardo, ele dorme por aqui agora.

***

Na minha formatura, eu ganhei um abraço desse lindo casal, dessa dupla tão querida. A professora Nara fez uma confissão ao pé do meu ouvido:

– Não sei se tu vais ganhar muito dinheiro, se vais ter o carro dos teus sonhos, mas a mulher da tua vida tu já encontraste e estás indo morar com ela. O resto vem, tu tens um belo trabalho.

***

Pois é, hoje estou em São Paulo, sem carro – o que mais de 10 anos depois da apresentação da monografia é outro status. Dinheiro, ganho o que pague as contas. A mulher da minha vida ainda tenho e me deu uma filha linda, e não existe foto que eu faça que seja mais valiosa do que essa menina.

Portanto, meus queridos professores, obrigado pelo melhor ensinamento.

Amar o que faz. Amar em casa, amar a casa, o trabalho, amar a vida.

E quando a vida mudar de fase, amar as mais belas lembranças dela.

 
*Ricardo Toscani é formado em Desenho Industrial na UFSM, e trabalha como fotógrafo em São Paulo
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