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O gênero no volante

A maioria dos acidentes de trânsito que envolvem morte tem um homem na direção. E os homens são a maioria das vítimas fatais nesses acidentes. Para frear as estatísticas, uma campanha defende que eles passem a dirigir como mulheres



Colocar o cinto, girar a chave, sinalizar, partir. Em tese, dirigir é uma tarefa automática, que requer atenção do motorista para percorrer trajetos em velocidade compatível e respeitando as regras e sinalizações, de modo indiferente se for homem ou mulher no volante. Em tese.

Na prática, o comportamento na condução do veículo estaria, sim, relacionado à questão de gênero. É o que aponta um estudo que vem sendo realizado na UFSM. O projeto de extensão Violência no trânsito: uma questão de gênero? baseia-se em estatísticas para confirmar uma tese facilmente comprovada nos jornais das segundas-feiras: homens são a maioria das vítimas fatais de acidentes de trânsito. São, também, a maioria dos condutores dos veículos acidentados, conforme apontou pesquisa feita anteriormente em Santa Maria (veja os infográficos).

A coordenadora do projeto, Fátima Perurena, explica que a ideia de relacionar violência no trânsito e gênero surgiu ao acompanhar o noticiário. “Comecei a observar que a maioria dos acidentes que envolvem morte tem um homem na condução do veículo”, relata. A partir desta observação, a professora buscou relacionar os dados com o conceito de gênero, que diz respeito às relações sociais que se aprendem desde criança sobre como ser feminino e como ser masculino.

Professores e alunos do curso de Ciências Sociais da UFSM foram a campo na busca por comprovar a teoria. Uma pesquisa realizada nos Centros de Formação de Condutores (CFCs) de Santa Maria em 2010, com pessoas que faziam a primeira Carteira Nacional de Habilitação (CNH), coletou opiniões sobre o fato de os homens serem os que mais matam e morrem em acidentes de trânsito. Para os entrevistados, isso se deve às características masculinas, supostamente mais agressivas, competitivas e violentas. Em contraposição, as mulheres foram apontadas como mais cuidadosas, conscientes e responsáveis.

PROJETO É PIONEIRO NA SOCIOLOGIA 

Sociólogos já haviam se debruçado sobre as mais diversas teorias que dão conta da problemática do trânsito no Brasil – a maioria concordando que o comportamento dos motoristas é o grande responsável pela maioria dos acidentes no país.

A relação com a questão de gênero, porém, confere caráter de ineditismo ao projeto que vem sendo desenvolvido na UFSM desde 2006. “Não se conhece, dentro da área da sociologia, pelo menos, trabalho que relacione comportamento no trânsito e relações de gênero”, afirma Fátima.

As conclusões preliminares indicam que homens, ao volante, tendem a adotar uma postura que é típica do gênero masculino: andam em alta velocidade, são agressivos e, muitas vezes, desrespeitam as leis de trânsito. “A origem de muitos comportamentos dos homens no trânsito pode ser encontrada na maneira como foram socializados e educados desde a infância. Muitas culturas os incentivam a serem agressivos, competitivos e violentos, e isso se reflete na maneira como irão dirigir e se relacionar no trânsito”, analisa Fátima. O resultado dessa postura inconsequente na direção não raro acaba engrossando as estatísticas: os homens são oito em cada dez vítimas de acidentes de trânsito.

“SEJA MACHO, DIRIJA COMO MULHER” 

Alarmantes, os dados apontados no estudo Violência no trânsito: uma questão de gênero? embasam uma campanha que brinca com estereótipos para falar de coisa séria. “Se os homens estão envolvidos em mais de 96% dos acidentes de maior gravidade, é sinal de que alguma coisa precisa mudar”, afirma a professora Fátima Perurena.

Ela esclarece que não se trata de estabelecer uma “guerra dos sexos”, mas de chamar atenção para o quanto as relações de gênero ajudam a criar comportamentos, muitas vezes absolutamente prejudiciais e trágicos, como é o caso da violência no trânsito.

A ideia inicial é de que as pessoas passem a conversar mais a respeito, na tentativa de não permitirem que atitudes comportamentais venham a ser responsáveis pelos dados epidêmicos observados diariamente em relação ao trânsito.

Com esse objetivo, o grupo responsável pelo projeto de pesquisa criou a campanha Seja macho, dirija como mulher, que tem apoio da UFSM, do CNPq e da Prefeitura de Santa Maria. A intenção é que os motoristas se conscientizem e passem a dirigir com mais cuidado e menos agressividade. “Os homens não precisam dirigir em alta velocidade, não precisam ultrapassar, nem mesmo precisam demonstrar a potência de seu automóvel, tudo isso para afirmarem sua masculinidade”, salienta Fátima.

Neste aspecto, a educação é vista como essencial. “Precisamos mudar nosso comportamento no trânsito. E aí entra o papel da educação, pois é através dela que transmitimos os valores e crenças vigentes em nossa sociedade, o modo como devemos nos comportar enquanto indivíduos sociais, inclusive no trânsito”, analisa a aluna de Ciências Sociais e integrante do projeto de pesquisa Diessica Gaige.

Quem acompanha homens e mulheres diariamente na direção confirma que elas costumam ser mais cuidadosas. “Até pelo fato de que as mulheres não têm muito contato com carros, enquanto os homens, desde criança, brincam com carrinhos, e têm uma facilidade maior”, observa o instrutor de CFC Eduardo Englert. Para ele, no trânsito, toda atenção ainda é pouca. Por isso, vale mesmo dirigir como mulher. “Acho essa campanha muito válida”, afirma Eduardo.

A campanha Seja macho, dirija como mulher terá panfletagens na cidade e no campus da UFSM, entrega de cartilhas informativas nos Centros de Formação de Condutores e divulgação em redes sociais e por meio de busdoors e outdoors. Uma parceria com órgãos de imprensa também está sendo articulada.

Tudo para que mulheres – que pelas concepções sociais de gênero são vistas como más condutoras – passem a ser o exemplo a ser seguido por aqueles que, imprudentemente, costumam pisar demais no acelerador.

Repórter: Ricardo Bonfanti

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