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“O livro físico deixou de ser o único embaixador da literatura”

José Fernando Tavares discute o e-book em palestra na UFSM



Com o desenvolvimento das tecnologias e o acesso cada vez mais comum aos aparelhos eletrônicos, os e-books se tornam alternativas não só para leitura de materiais de estudo e de narrativas de entretenimento, mas também se constituem como espaço criativo, no qual qualquer pessoa pode exercitar as habilidades como autor.

 

Atualmente, o acesso aos livros eletrônicos é facilitado pelos diversos softwares que permitem a leitura dos conteúdos em formatos como computadores, tablets, smartphone e e-reader. Entretanto, a discussão sobre a democratização do acesso a este tipo de alternativa de leitura ainda persiste.

 

O tema foi discutido durante o I Seminário Dinâmico de Formação da Editora da UFSM. José Fernando Tavares que é diretor e fundador da empresa Booknando Livros, empresa especializada na produção de livros interativos, cursos de formação, consultoria e produção de livros digitais.

 

José se interessou por livros digitais enquanto trabalhava em uma gráfica no interior da Itália em 2009. A empresa italiana Simplicissimus Book Farm foi um dos primeiros contatos que ele teve com arquivos em ePub, um dos formatos utilizados para livros digitais. Ele conversou com a nossa equipe e esclareceu algumas dúvidas sobre a produção dos e-books.

 

 

Logo que os e-books surgiram, havia uma grande preocupação em relação a “extinção” do livro impresso. Hoje, esse mercado representa cerca de 3% das vendas do setor. Como você vê o posicionamento de cada um dos formatos?

Um dos pontos centrais que precisamos compreender é que o editor é sobretudo um curador de conteúdo. A missão do editor é preparar, selecionar e distribuir histórias, enfim, conteúdo. Esta distribuição pode acontecer, ou deveria, através vários canais e formatos. Não é uma questão de contraposição entre digital e livro físico, pois ambos são opções que o leitor tem.

 

Não é uma questão de vender “calhamaços de papel” mas de vender o acesso ao conteúdo que foi selecionado e preparado pelo editor. Este acesso pode acontecer através um livro impresso, mas pode ser também através de um livro digital, um áudio livro ou um blog. Outro exemplo é o cosplay, onde as pessoa se fantasiam dos seus personagens favoritos: [as pessoas] vão gastar muito mais nas fantasias no que na compra do livro. Enfim, o conteúdo é o centro e temos muitas formas de ter acesso e de distribuir este conteúdo.

 

A mudança que está acontecendo é o fato que o livro físico deixou de ser o “centro”, o embaixador único da literatura, agora ele divide espaço com outros canais como o vídeo, o áudio ou os livros digitais. Esta mudança é fruto dos novos meios de comunicação que surgiram nos últimos anos e que entraram de modo tão invasivo nas novas vidas. Óbvio que o texto escrito permanece um canal essencial para a aquisição do conhecimento, mas esta leitura está acontecendo muito mais através das telas, em lugares menos convencionais. Se o editor não tomar em mãos a sua missão, que é aquela de selecionar bons conteúdos, outros irão fazer e teremos resultados nem sempre bons: conteúdos de baixa qualidade ou banalizados em formas nem sempre aptas a trazer conhecimento. Um perigo que vejo nisto é o fato que estamos criando uma cultura apenas de diversão e não de conhecimento.

 

Enfim, o conteúdo está no centro e chega ao leitor em múltiplas formas, cada uma com uma especificação própria, com características que colocam em ênfase um ou outro de seus aspectos. Vivemos numa cultura de contraposição, então amamos contrapor formatos e achamos que se um texto é impresso não pode ser digital ou que o impresso é melhor ou vice versa. A realidade é muita mais complexa e pode ser vista e saboreada de muitas formas paralelas e não necessariamente contraditórias. Quando escuto um texto literário através do áudio livro estou colhendo aspectos dele que talvez não consiga quando estou lendo; quando leio em um formato impresso tenho outra experiência e quando leio no digital tenho ainda um terceiro modo de conhecer aquele texto. São experiências diferentes, onde uma não é melhor do que a outra e podem ser complementares.

 

É possível pensar que existe um tipo específico de “mercado” para o impresso e outro para o digital?

Acredito que existem, sim, diferentes mercados para os livros digitais e para o impresso, desfrutando estas experiências diferentes de acesso ao conteúdo. É bom lembrar que as pesquisas que afirmam que o digital tem 3% do mercado não levam em consideração as auto-publicações, um fenômeno em crescimento. Dois exemplos: a Livraria Saraiva divulgou que só na metade deste ano (2016) a quantidade de títulos publicados pela sua plataforma de auto-publicação teve um aumento de 74%. Este livros e as suas vendas não entraram nas pesquisas.

 

Outro exemplo é o caso de autores que publicam diretamente pela Amazon. Um dos autores para o qual fiz a produção dos livros digitais, está entre os 400 mais vendidos na Amazon em menos de um mês, e primeiro na sua categoria. Ele produziu dois livro e está indo para sua terceira publicação. Nenhuma pesquisa analisou o quanto ele está vendendo e qual o impacto disto no mercado dos livros digitais. Não sou muito bom com estatísticas, mas gosto de lembrar que a realidade é bem mais complexa do que porcentagens.

 

 

Do ponto de vista técnico, quais são as principais tendências na produção de livros eletrônicos?

Do ponto de vista técnico, estamos caminhando em direção à profissionalização da produção. Os editores e os designers, em geral, tem ainda um apego muito grande aos métodos visuais e manuais de produção que alguns software nos acostumaram. O mercado internacional já oferece instrumentos que facilitam muito a gestão do conteúdo, de modo mais profissional, usando, por exemplo, sistemas que centralizam a produção. Você pode ter um editor de texto que permite o acesso remoto ao autor, editor, revisor. Todos trabalham no mesmo texto, sem necessidade de envio de arquivos de um lado para outro porque o arquivo está nas “nuvens”, ou seja em um servidor central. Após a edição, correção e ajustes no texto é possível gerar diretamente todos os formatos digitais possíveis (ePub, Mobi, HTML, PDF) ou integrar o texto com uma ferramenta de edição, fazendo uma diagramação semi automática e completando o design do livro com ajustes finos. Caso existam mudanças no texto, estas são feitas no documento central e o documento que gera os formatos finais simplesmente são atualizados com a mudança feita.

 

Existe ainda um grande empecilho na produção de e-books no Brasil?

Falar deste esquema de produção no Brasil ainda é difícil, mas as coisas estão lentamente mudando na medida que os editores estão percebendo que é preciso profissionalizar-se mais na produção do conteúdo digital.

 

Os empecilhos que vejo para a produção são de tipo econômico, de mentantalidade e de capacidade técnica. Os editores ainda não conhecem o livro digital e não entenderam as enormes oportunidades que este mercado oferece. Os designers, por sua vez, estão muito ligados ao livro impresso e tem pouco conhecimento das características que um design bem elaborado pode ter para o digital. Existe a necessidade de conhecer melhor a parte técnica de um livro digital (qualquer formato) e entender que é um novo suporte com características bem diferentes do impresso. Entrar nesta nova ótica é uma das primeiras dificuldades que quem produz livros impressos tem. Alguns editores ainda tem medo de investir em livros digitais, ou às vezes não tem mesmo condições para fazer isto.

 

Na sua visão, o livro digital serve como ferramenta de democratização do acesso à leitura?

Sem sombras de dúvida. Os motivos são vários, e entre eles está um problema típico do livro impresso, que é a dificuldade na distribuição. Imaginem um editor do Rio Grande do Sul que possua um conteúdo interessante para leitores do Piauí. Somos um país continental e fazer com que estes livros cheguem até as pessoas na forma física é algo quase impossível, em alguns casos. O livro digital “quebra” estas barreiras. Óbvio, isto depende também do acesso à internet, mas que é muito mais imediato do que o transporte. Outro aspecto é que as pessoas possuem já nas mãos, nos seus smartphones, um leitor de livro pronto para ser usado.

 

Outro aspecto é que existe uma liberdade de publicação muito grande. Qualquer um pode tornar-se um autor e inclusive um best-seller. Sei que isto pode ter aspectos negativos com o fato que a qualidade do que é publicado pode cair consideravelmente, mas no meu ponto de vista as vantagens da liberdade de expressão são muito maiores dos que os seus lados negativos, ou que são pressupostos como tais. Afinal, quem é que decide o que é bom ou não?

 

Qual o futuro do livro digital no Brasil?

O futuro que eu imagino é a profissionalização do trabalho de produção de livros digitais e o aumento da capacidade dos editores de distribuírem, ou se preferir, de dar acesso à um conteúdo de qualidade em todas as plataforma possíveis. Mais pessoas poderão publicar e mais pessoas poderão ler o que gostarem. A qualidade do conteúdo consumido não é algo que cresce de maneira automática, e portanto vai ser preciso muito trabalho nesta direção. Como já disse, se os editores não tomarem em mãos o conteúdo e cuidarem bem dele, outro farão no lugar deles.

 

Reportagem: Bárbara Marmor
Fotografias: Júlia Goulart

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