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“Resistência é a terra não morrer”

Arco Entrevista Davi Kopenawa Yanomami, que participa no evento ‘Brasil, Terra Indígena: 522 anos de resistência’



Davi Kopenawa Yanomami nasceu por volta de 1956, na grande casa comunal de Marakana, que fica no alto do rio Toototobi, extremo norte do Amazonas. Reconhecido, nas últimas décadas, como importante líder político dos indígenas Yanomami, também é xamã, ativista na defesa dos povos indígenas e da floresta amazônica, presidente da Hutukara Associação Yanomami e autor, roteirista, produtor cultural e palestrante. Seu primeiro nome, Davi, foi recebido de homens brancos “da gente de Teosi” (ou seja, de Deus), que se instalaram na floresta quando ele ainda era criança. Já a origem de ‘Kopenawa’ tem uma história diferente: o líder indígena passou um período na  terra dos brancos como intérprete da Fundação Nacional do Índio (Funai). Aproximadamente em 1987, quando cerca de 40 mil garimpeiros invadiram o território indígena, Davi foi enviado pela Funai para encontrar os corpos de quatro homens yanomami que foram assassinados:

 

“Só os espíritos xapiri estavam do meu lado naquele momento. Foram eles que quiseram me nomear. Deram-me esse nome, Kopenawa, em razão da fúria que havia em mim para enfrentar os brancos. O pai de minha esposa, o grande homem de nossa casa de Watoriki, ao pé da montanha do vento, tinha me feito beber o pó que os xamãs tiram da árvore yãkoana hi. Sob efeito do seu poder, vi descer em mim os espíritos das vespas kopena. Disseram-me: “Estamos com você e iremos protegê-lo. Por isso você passará a ter esse nome: Kopenawa!”. Esse nome vem dos espíritos vespa que beberam o sangue derramado por Arowë, um grande guerreiro do primeiro tempo. […] “Haixopë! Então foi esse antepassado que pôs em nós a coragem guerreira! Esse é o verdadeiro rastro daquele que nos ensinou a bravura!”

 

Trecho do livro “A queda do céu – Palavras de um xamã yanomami”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert – p. 71 – 72.

 
Descrição da imagem: Fotografia horizontal e colorida de Davi Kopenawa Yanomami, homem indígena idoso. Ele esta em primeiro plano, com semblante pensativo, pele escura. Tem olhos pretos e cabelos pretos e lisos. Veste camiseta preta com o texto "Survival". Ele está com os dedos na boca. Usa um cocar nas cores amarela, azul e verde.
Davi Kopenawa Yanomami. Foto: Ana Alicia Flores

A história do nome de Davi Kopenawa Yanomami é importante para compreender sua trajetória: saído da aldeia para atuar como intérprete, o líder voltou a viver com seu povo para lutar pela preservação da floresta e contra a invasão de garimpeiros por meio da demarcação do território indígena. Depois da invasão de 1987, que trouxe mortes aos yanomami por meio de violência, doenças, desnutrição e envenenamento por mercúrio, Kopenawa juntou-se a outros ativistas na Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) para a luta pela demarcação do território. Em 1992, na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, o território indígena foi homologado.

 

Em 2010, junto a Bruce Albert, importante antropólogo francês que trabalha com os Yanomami desde 1975, Davi Kopenawa lançou o livro “A queda do céu – Palavras de um xamã yanomami”, com o objetivo de sensibilizar e fazer o homem branco compreender a visão dos povos indígenas sobre a floresta, o ‘povo da mercadoria’ e as mudanças climáticas. A queda do céu significa o fim do mundo, provocado pelas mudanças climáticas. “A Última Floresta” também é outra produção que conta com a participação de Kopenawa. No audiovisual que mistura documentário e ficção e que está disponível na Netflix, são apresentados os espíritos da floresta e as tradições, além da chegada dos garimpeiros, que traz morte e doenças para a comunidade.


Nesta semana, Davi Kopenawa marca presença na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no evento satélite da 37ª Jornada Acadêmica Integrada (JAI), ‘Brasil, Terra Indígena: 522 anos de resistência’. O evento que ocorre de segunda (07) a quarta (09) é uma organização da Liga Yandê/UFSM, do Coletivo Indígena da UFSM, do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, dos cursos de licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais, do Departamento de Ciências Sociais e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI/UFSM). A Revista Arco conversou com Davi Kopenawa Yanomami sobre os povos indígenas, a queda do céu e a resistência dos povos da floresta. A entrevista aconteceu em conjunto com o jornal Zero Hora (ZH). Confira:

Arco:  Como surgiu o livro ‘A queda do céu’?

Davi Kopenawa: Primeiro, eu vi o antropólogo, o Bruce Albert. Eu não sabia o que esse antropólogo faz. Ele vem de longe, chegou no Brasil, aí ele pensou que ele queria escutar, escutar a liderança tradicional, a liderança da comunidade, e foi perguntando devagar e aprendendo nossa língua yanomami. Ele viveu mais ou menos um ano na floresta yanomami. Encontrei ele na minha comunidade que se chama Toototobi. Lá ele tava tirando foto e conversando com meu pata, pata é uma liderança antiga que guarda a história. Aí eu descobri que quando ele tava lá, ele escreveu o livro antropológico dele pra vocês. Aí eu abri o livro dele, olhei, tinha nome do pata yanomami que explicava pra ele sobre a queda do céu, contando como surgiu a terra, como surgiu a lua, o sol, e claridade e escuridão, e várias perguntas que eles fizeram. Eu falei pra ele: ‘Bruce, eu tô te conhecendo agora. Antes de você escrever, você não consultou, você não conversou comigo e os outros”, explicando pro antropólogo que ele tá coletando a nossa sabedoria, coletando o nome bonito para o livro dele sair bonito. Então eu falei: ‘Bruce, eu tô meio chateado com vocês, pouquinho né, então vamos conversar. Esse livro de antropologia pro não indígena que você escreveu, esse aí não vai contar. Quem vai contar? Eu. Eu sou yanomami. Você é antropólogo e não é yanomami, você não nasceu na comunidade”. E assim que nós começamos. Eu falei: ‘Eu vou gravar com gravador, depois você vai escrever’. Assim que nós combinamos pra contar xapiri. O que é xapiri? É o espírito da floresta que vive nas montanhas. Para nós é muito importante. O histórico do povo yanomami é muito rico. Eu sou yanomami e não conheci tudo, mas metade eu conheço. Então assim que nós fomos escrever. Quem vai contar? Eu, que estou lutando, que estou andando pra explicar, ele escreve no papel o que eu tô falando. ‘A minha palavra você não pode tirar fora, do jeito que eu tô falando você escreve pra outras pessoas não pensar que você tá inventando’. Aí ele me respeitou. Ele contou como surgiu o yanomami, de onde que eles vieram, como que xapiri funciona, como que sonha, de onde vem a xawara, uma doença, a fumaça do metal. Nós gravamos e ficamos duas ou três semanas na minha comunidade yanomami, sem sair. Assim que eu pensei: eu falando com você – como eu tô falando aqui e vocês anotando – vocês não entendem. Aí olhei outro não indígena que ficava abrindo um livro e lendo e pensei: ‘eu falando ele não tá acreditando, mas se escrever no papel, o papel não vai sair, o livro vai ficar na casa dele. Lê pouquinho, depois ele sai, volta de novo, vai lendo’. Acho que o meu pensamento, a minha luta, eles vão entender o que eu tô lutando.

 

ZH: Teve uma conferência online que acompanhei em que você falou o seguinte: “Nós, yanomami, não somos coitadinhos. Vocês é que estão doentes”. Eu queria que o senhor falasse um pouco mais a respeito disso. O que significa essa mensagem?

Davi Kopenawa: Falei assim: olha, nós, originários, não somos coitadinhos não. Índio não é coitadinho. Índio, yanomami, ele sabe pensar. Sabe pensar, sabe falar, sabe explicar, sabe fazer xapiri, sabe fazer grande festa, sabe pensar o mundo inteiro, sabe pensar lua, o sol, e sabe pensar claridade, escuridão, onde que nós estamos vivendo. Eu vou falar certas coisas: índio não é coitadinho, essa plantinha [aponta para um cactus em cima da mesa] tá coitadinha, ela não tem pai, não tem pensamento, não tem energia. Nós, yanomami, não somos coitados. Da natureza o yanomami tá cuidando. Nós estamos conectados com a floresta, com a terra, com a chuva, com ar limpo. É por isso que eu falei ‘índio não é coitado’, quem tá coitadinho é o povo da cidade, tá sofrendo. As casas são pequenas, não tem lugar pra caçar, pra pescar, pra trabalhar, o homem que tá cuidando tudo não tá repartindo, não tá distribuindo pro povo da cidade não ficar coitadinho. Eu falei isso porque eu vi que na cidade de São Paulo tem muita gente dormindo no chão, com fome, doente, sem apoio, e a criança comendo lixo, e não só criança, a pessoa não tem lugar pra mijar, pra cagar, pra tomar água. Nós somos livres, nós, povos indígenas, povos originários, somos livres, nós temos espaço pra andar, pra buscar nosso alimento, pra comer, nós temos xapiri grande pra cuidar quando espírito mau da floresta pega nossa sombra e deixa doente. Então nós temos xapiri pra deixar a gente ficar com saúde de novo. Nós não usamos remédios, nós usamos o xapiri, usamos a força da natureza pra cuidar o povo do planeta terra.

 

O pensamento da sociedade não indígena está preocupado, vocês tão doentes na cabeça e é preocupante. A briga é muito ruim pra cidade e vocês tão preocupados, com pouco dinheiro pra pagar casa, pagar água, pagar luz, vocês tão preocupados e doentes. Vocês não estão conseguindo seguir no caminho. Vocês tão com pensamento doente, não tão conseguindo pensar direito, escutar, sonhar, olhar longe. O capital tá crescendo, mas ele não tá deixando o seu pensamento andar pra frente pra descobrir pra onde nós vamos, o pensamento com saúde, pensamento bom, pensamento livre, pra não ficar triste, andando triste, com cabeça abaixada. 

 

ZH: O senhor fala dessa liberdade que vocês têm na floresta. Na década de 1970, teve aquela primeira invasão do garimpo que o senhor lutou e aí se tornou uma voz. Depois, a terra indígena foi reconhecida e esta homologação está completando 30 anos agora, mas o garimpo está de novo aí: de alguma forma eles estão impedindo a liberdade de vocês?

Davi Kopenawa: Sobre o garimpo a história é muito antiga. O garimpo começou, os homens sem terra começaram a busca de pedras preciosas nos Estados Unidos, os americanos que inventaram, que começaram a garimpar nos igarapés, nos rios, na procura das pedras preciosas. As pedras preciosas, ouro, diamante, areia, terra, elas são união, elas estão unidas para não desequilibrar nossa terra planeta. Os garimpeiros vieram andando por aqui, eles chegaram aqui, fizeram caminho, estrada. Os invasores não são só garimpeiros, também políticos, a colonização. Os garimpeiros que estão aí não têm terra. Quarenta mil garimpeiros que entraram sem consulta do povo originário, sem consultar a liderança que fala português, como Raoni Metuktire, Ailton Krenak, eu, nós já tava lutando contra outros invasores, os fazendeiros e arrozeiros que estavam desmatando, eu tava lutando contra garimpeiro. Eles entraram. Entrou primeiro na Perimetral Norte [BR 210, na região Norte], passou dentro da terra yanomami, mataram meu povo, mataram meu pai e minha mãe, e por isso que entrei na briga. Garimpeiro não é bom. 

 

ZH: Mas eles estão mais violentos agora do que em anos anteriores?

Davi Kopenawa: Tentaram entrar pra matar. Mataram metade, os garimpeiros são teimosos, eles são bravos, com grupo grande, eles têm armas pesadas. Aconteceu isso. Mataram quatro yanomami em 1986, o Haximu. Eu fui lá pra ajudar a comunidade yanomami, mas eles começaram a matar nossos parentes. Hoje é pior. São os mesmos garimpeiros que estavam lá garimpando em 1986 até 1991. Pra mim tava muito difícil, eu era sozinho junto com os parceiros não indígenas, mas  conseguimos [homologar o território dos povos indígenas yanomami]. Em 2016, [os garimpeiros] entraram de novo e hoje tá pior: aumentou o número dos garimpeiros, pra mim é de 70 mil a 100 mil garimpeiros atuando. Uma pessoa que compra ouro, o dono do avião, o dono da loja, e estrangeiros que estão comprando, tão mandando dinheiro, dão apoio ao garimpo. Quem compra ouro é garimpeiro também.

 

Arco: Qual é a importância das universidades terem políticas de inclusão e de permanência para indígenas, como a casa do estudante e a lei de cotas?

Davi Kopenawa: A universidade é do governo. Eu não conheço muito bem. Mas eu sou um yanomami desconfiado. Eu tenho dois pensamentos, tem dois caminhos: na universidade, tem o jovem que estuda pensamentos diferentes, de trabalho, de político, e que é pela destruição, pra destruir e garimpar, botar mineração e desmatamento. Nesse caminho, nós, povos indígenas,  estamos preocupados. E o outro lado, o caminho que escolhemos, é aonde estamos indo, vivendo bem, com saúde, muito contente, trabalhando e cuidando da nossa beleza, do nosso país. E nesse caminho, eu, Davi, também sou estudante, do xamanismo que aprendi, que conheci nesse caminho. Então é muito importante vocês pensarem em nós, não é só pra pensar a cidade, não é só pra pensar trabalho de capitalista, que não serve pra nós. 

 

Arco: Por que é importante falar do Brasil como terra indígena?

Davi Kopenawa: Brasil: essa palavra não é minha. Botaram o nome do Brasil. A minha língua yanomami, urihi, é terra-floresta, e a terra é dos índios. Vocês me chamam índio. Eu não sou índio, eu sou yanomami. Yanomami, yekuana, kayapó, xavante e outros parentes. A nossa terra é dos povos originários, que o nosso povo, o nosso pai, protegeram. Protegiam. Hoje está destruída.

 

Arco: E o que é resistência pra vocês?

Davi Kopenawa: Resistência é a terra não morrer. Nós morreremos. A terra não tem fim, a terra não morre. Ela está sofrendo, mas não vai morrer. As árvores vão morrer, morrer queimado, morrer derrubado e morrer raspado. A terra não. A terra está sofrendo, mas é resistência. Então quando tem resistência, a terra está viva, e por isso os povos indígenas lutamos: resistência junto com a terra e a floresta.

 

Arco: Se você tivesse que destacar uma coisa que os homens brancos deveriam aprender com os povos indígenas, o que seria?

Davi Kopenawa: [Ri] Bom, nós estamos ensinando. O ensinamento mesmo já tem aí [aponta para o livro que está sobre a mesa]. O livro “A queda do céu” tá entrando na universidade e, em cada universidade, nós estamos ensinando. Ailton Krenak também tem um livro que é ensinamento para vocês, para vocês abrirem as ideias e olharem para frente. Então nós estamos iniciando e vocês estão começando a abrir os olhos. Vocês, jovens, tão sabendo que nós temos ensinamento através do livro e da fala também. Isso é importante para nós todos, não só para os yanomami, não só pro povo indígena, é pra você também. A floresta vive. Sem nós, o outro povo exterior que chega aqui vai derrubar tudo, vai colocar do jeito que quer.

 

ZH: O senhor falou na entrevista dada anteriormente para a rádio UniFM que é muito bom ter um Ministério dos Povos Originários. Qual seria a primeira ação que que precisaria ser feita por esse ministério, se ele realmente for criado?

Davi Kopenawa: Awë! Nós nunca pensamos isso. Quem falou isso é Lula, Lula que fala a todo mundo pra nos escutar. Eu penso que tá dando oportunidade pra ter ministério dos povos originários dentro do congresso nacional, tá faltando isso. Congresso Nacional tendo alguém, tem cadeira pra ele pra começar a conversar entre deputados, entre outros ministérios, deputados não indígenas e outras autoridades. Pensar o que se é criado pro ministério indígena originário, com as jovens mulheres [deputadas indígenas eleitas] que já aprenderam a falar as suas línguas, sabem escrever, sabem mexer no computador e sabem mandar mensagem para outros lugares. Pra mim é estaca, como se coloca estaca pra fazer uma casa.

 

ZH: É o começo?

Davi Kopenawa: É o começo pra nascer as árvores, nascer as nossas frutas e crescer as nossas raízes, pra ficar seguro. Então essa oportunidade é muito importante pro meu povo e o de vocês também.

 

ZH:  Está acontecendo agora a COP 27 , que é a Conferência Mundial do Clima, organizada pela ONU lá no Egito. Se o senhor estivesse lá, o que falaria para aquelas lideranças mundiais que estão reunidas falando sobre o clima?

Davi Kopenawa: [Ri] Eu não tô com vontade de ir não, o problema é deles. Do jeito que estragaram, eles vão conseguir tapar os buracos. Essa mudança climática que eles falam, pra mim é a insignificância da nossa terra-planeta. A insignificância da natureza está deixando acontecer e adoecer nossos rios, a água é vida. A terra fica revoltada com o estrago capitalista sempre usando, explorando, derrubando, queimando, então a nossa mãe-terra fica brava. A chuva tá suja, em outro lugar não tem sol, em outro lugar tá muito quente e em outro lugar tá rachando a terra. Então isso significa a insignificância do nosso mundo. A mudança climática não vai ser sarada, vai crescer, vai chegar a doença como chegou a doença coronavírus. 

 

Arco: Com as mudanças climáticas, há perigo de o céu cair novamente?

Davi Kopenawa: Sem índio, sem nós, sem xapiri, vai acontecer, esse é o meu sonho*, o que eu aprendi com o grande pajé que já faleceu no território yanomami. Ele passou esse conhecimento pra mim e falou, ‘você escreve e ensina pros não indígenas’. Não indígenas estão usando muito máquinas pesadas, cavando buraco, arrancando as pedras e com fábricas muito grandes, a fumaça tá venenosa, vai sair no ar, vai chegar lá em cima e se juntar com xawara grande e o peito do hotomösi fica enferrujado, fica doente. Eu falo sempre essa mensagem pra vocês: muito cuidado, eu acredito que sem índio, vai acontecer. Sem índio, não estamos protegidos. Eu e as lideranças da aldeia que estão fazendo o trabalho pra cuidar do nosso universo, pro universo não desequilibrar. Nós estamos lutando por isso. Pra nós é perigoso e é perigoso pra vocês. Como aconteceu antigamente, vai acontecer. Não é agora. Nós estamos vivos ainda: eu e pata estamos fazendo xapiri, estamos lutando para cuidar do nosso planeta, pra não acontecer como aconteceu antigamente.

 

ZH: O senhor já sofreu algumas ameaças, inclusive de morte. O que faz o senhor não se calar e continuar trabalhando e defendendo a natureza e a floresta?

Davi Kopenawa: Eu fui ameaçado. Eu sofri ameaça dos fazendeiros, garimpeiros e outras pessoas da cidade, porque eu tô atrapalhando o trabalho deles, divulgando, denunciando, é direito meu, é direito do meu povo, pra não deixar fazer mal pra gente. Eles tão revoltados comigo. Eles me procuram na cidade, eles querem acabar com a minha vida. Mas eu me protejo, eu me cuido com os pajés, eu fico na minha comunidade. Eu fico na cidade só pra trabalhar e pra lutar, não pra ganhar dinheiro. É trabalhar pra lutar e pra defender o direito do meu povo, direito da nossa terra, da nossa família, da floresta, tudo que existe dentro no universo. Então, realmente, eles não gostam de mim, até hoje tão brabos porque o presidente atual perdeu. Duas vezes perdeu: quando nós conseguimos, conquistamos a homologação da terra yanomami, eles perderam. E agora o presidente Bolsonaro perdeu de novo, e eles tão p*** comigo, p*** mesmo, com meu filho e outras lideranças que tão lutando.

 

ZH: O senhor não vai parar?

Davi Kopenawa: Não, eu não vou parar. Eu não vou parar, porque eu não tô roubando. Eu não tô roubando a terra dele – terra é pra todo mundo – , eu não tô roubando a casa, o que eles têm, eu não tô roubando dinheiro, eu não tô roubando nada. Eu tô fazendo um bom trabalho, em parte pra viver bem e pro povo indígena viver bem. Esse é meu papel de liderança. Essa é minha missão pra continuar. A luta não vai parar. A minha luta vai ficar até o fim. Isso aí eu sempre falo.

Glossário:

*Sonho, para os povos indígenas yanomami, não tem o mesmo significado que para os homens brancos. É uma visão que abarca os desejos inconscientes do sujeito e do mundo.


Xapiri: espíritos da floresta que habitam as montanhas e que descem à terra por meio de chamados dos xamãs em rituais.

Expediente:

Entrevista: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;

Fotografia: Ana Alicia Flores, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista;

Design gráfico: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista;

Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Gabriel Escobar, acadêmico de Jornalismo e bolsista; e Nathália Brum, acadêmica de Jornalismo e estagiária;

Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;

Edição geral: Luciane Treulieb, jornalista.

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