Reportagem e redação: Isadora Bortolotto
As exposições de um museu, o escuro de uma sala de cinema, o palco iluminado de um teatro. Para muitas pessoas, essas experiências dependem inteiramente da visão. Em qualquer um desses locais, cores, gestos e expressões podem ganhar vida na imaginação, graças à audiodescrição.
A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que traduz imagens em palavras, possibilitando a pessoas cegas ou com baixa visão compreender conteúdos visuais, como filmes, fotografias, peças de teatro, obras de arte e infográficos.
Segundo a especialista em audiodescrição e servidora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Fernanda Taschetto, quando o recurso de audiodescrição é ofertado, pessoas cegas ou com baixa visão têm oportunidade de acesso às informações visuais, adquirindo conhecimentos e ampliando conceitos.
Ela ressalta a importância prática desse recurso: “Como a pessoa cega vai opinar sobre as roupas dos personagens de um espetáculo? Sobre as cenas de um filme? Sobre as expressões faciais de uma pessoa? Sobre os quadros de uma exposição? Como vai absorver o conteúdo de um livro didático onde há um gráfico, tabela, mapa o explicando? Como vai responder questões de um concurso em grau de igualdade com as outras pessoas se não houver a audiodescrição de uma imagem que compõe a questão? Como vai saber como é um ponto turístico que todos elogiam? Tudo isso é possibilitado através da audiodescrição.”
O profissional audiodescritor
O trabalho por trás da audiodescrição é feito pelo audiodescritor roteirista, responsável por observar o conteúdo visual e transformá-lo em palavras, criando um roteiro que permita à pessoa cega ou com baixa visão formar imagens mentais precisas e compreender o que está sendo mostrado. Após a elaboração, o roteiro é avaliado por um audiodescritor consultor, obrigatoriamente uma pessoa cega ou com baixa visão, que sugere ajustes e garante clareza e fidelidade das informações transmitidas.
Para ser um audiodescritor, é preciso ir além da escrita do roteiro. Analisar o produto, pesquisar termos, compreender a linguagem específica de cada material e, muitas vezes, adaptar conteúdos complexos para que sejam compreendidos apenas pela audição. Em espetáculos ao vivo ou eventos simultâneos, a audiodescrição exige atenção total e improviso para garantir que todas as informações visuais sejam transmitidas corretamente.“A audiodescrição feita de forma simultânea é a mais desafiadora, pois exige atenção total aos acontecimentos e o uso de vocabulário adequado para qualquer informação visual que apareça. O consultor está lá para dar o retorno sobre a qualidade do que está sendo transmitido, garantindo que o recurso cumpra seu objetivo”, explica Fernanda Taschetto.
Atualmente, profissionais que atuam na área possuem formações específicas, oferecidas por cursos de capacitação, extensão ou especializações. Segundo Fernanda, é fundamental que os audiodescritores se apropriem do conceito de audiodescrição, de suas técnicas e diretrizes, além de serem observadores atentos, curiosos e disponíveis a novos aprendizados, com conhecimento aprofundado da língua portuguesa e vocabulário amplo. “Há vários cursos de formação e de extensão, mas é preciso cuidado com a qualidade deles. Sugiro que quem deseja iniciar na área procure ministrantes e instituições conceituadas. Eu fiz diversos cursos, mas senti necessidade de uma qualificação mais aprofundada e optei pela especialização na PUC Minas, concluída em 2023. Atualmente também há uma especialização na UNIFAP, e anos atrás foram ofertadas pela UECE e UFJF”, conta.
Apesar dos avanços, Fernanda alerta que ainda existem profissionais atuando sem a formação adequada, oferecendo um serviço de qualidade inferior e distante de uma verdadeira audiodescrição. O PL 5156/2013, busca regulamentar a profissão de audiodescritor, considerada necessária e urgente para garantir que usuários deste recurso recebam atendimento qualificado.
Tecnologia e Inclusão
Além de possibilitar o acesso a conteúdos culturais e educacionais, a audiodescrição é respaldada por legislações. Desde 2014, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) exige que todos os projetos de produção audiovisual financiados com recursos públicos contem com legendagem descritiva, audiodescrição e LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), garantindo que pessoas cegas ou com baixa visão tenham a mesma experiência que qualquer outro espectador. Em 2015 foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que tornou obrigatória a acessibilidade digital em sites de empresas e órgãos públicos. Baseadas nas Web Content Accessibility Guidelines, as diretrizes da LBI exigem recursos como legendas em vídeos, descrição de imagens, contraste adequado, navegação por teclado, formulários acessíveis, links descritivos e a eliminação de elementos piscantes, assegurando que o acesso à informação seja efetivo também no ambiente online. Na visão de Fernanda Taschetto, essas medidas legais são essenciais, mas é necessária a valorização. “A audiodescrição precisa ser incorporada desde a criação do conteúdo, não apenas como uma obrigação. Somente assim podemos garantir que as pessoas com deficiência visual participem plenamente da sociedade e do consumo cultural”, reforça.
Na UFSM, uma reportagem recente orienta sobre como identificar se um site é acessível, destacando a importância de tecnologias que permitam o acesso de todas as pessoas aos serviços digitais, informações e conteúdos online. O conteúdo apresenta ferramentas e métodos que permitem testar a acessibilidade de sites, desde leitores de tela até aplicativos como VLibras e NVDA, além de ensinar como conferir textos alternativos, navegação por teclado e contraste de cores. A reportagem pode ser acessada aqui.