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Gatekeeping reverso, FoMO, perda da periodicidade e outros insights 

por Bruna Eduarda Meinen Feil



No meu último texto publicado aqui no site do EJor, coloquei em discussão a importância da Teoria do Gatekeeping para o campo de estudos em Jornalismo. Em postagens anteriores, já havia apresentado o debate sobre o processo de aceleração do Tempo Social como diagnóstico da Modernidade proposto pelo sociólogo alemão Hartmut Rosa. Essas duas teorias são centrais no desenvolvimento do meu projeto de dissertação e nas últimas semanas tenho me apropriado de textos interessantes que permitem conectar essas duas discussões. Por isso, no texto desta semana vou indicar algumas leituras e trazer alguns insights (e spoilers do meu trabalho).

A primeira indicação é o livro “Gatekeeping in transition, lançado em 2015. Editado pelos pesquisadores Tim P. Vos e François Heinderyckx, a obra reúne textos de diversos pesquisadores referência nos estudos sobre os processos de seleção de notícias e examina o papel do gatekeeper no século XXI, a partir de perspectivas organizacionais, institucionais e sociais nas mídias digitais e tradicionais e defende seu lugar nos estudos contemporâneos sobre notícias e jornalismo.

No capítulo de abertura, Tim Vos defende que a abordagem “continua a ser uma lente importante e vital” para compreensão das práticas jornalísticas, mas confessa que assim como o campo do Jornalismo, as pesquisas que acionam a metáfora lançada por David Manning White também estão em transição. Ao longo do texto, Vos apresenta as investigações que o leitor irá encontrar nos capítulos seguintes e, claramente, é possível perceber que o contexto contemporâneo tanto da prática, quanto dos estudos em Jornalismo é marcado pelos processos de aceleração. Embora alguns estudos continuem abordando a Teoria do Gatekeeping em relação aos meios de comunicação tradicionais (como jornais e revistas impressos, rádio e televisão), grande parte das investigações redireciona seu foco de atenção para as práticas e fenômenos que passam a ocorrer online.

A paisagem midiática transformou-se tão radicalmente que as pesquisas segmentam-se em eixos temáticos para dar conta da complexidade das rotinas produtivas e da construção das notícias. Por exemplo, podemos nitidamente perceber que uma corrente de pesquisadores passa a direcionar seus esforços para compreender o papel das plataformas e dos algoritmos nos processos de produção, seleção e distribuição das notícias; outro grupo de teóricos concentra suas investigações nos processos de metrificação do Jornalismo e há ainda, só para citar mais um exemplo, os estudiosos que se atentam ao surgimento de novos valores-notícia. O aumento da complexidade para Hartmut Rosa (2019) é um indício dos processos de aceleração do Tempo Social que caracterizam a Modernidade Tardia e, nesse caso, a ramificação dos estudos em Jornalismo são uma manifestação desse processo. 

O capítulo final do livro, assinado por François Heinderyckx, é muito interessante. Para o autor, “com base em uma metáfora sólida, a Teoria do Gatekeeping impulsionou os pesquisadores em sua investigação da produção e seleção de notícias de maneiras frequentemente inovadoras”. Ao discutir os múltiplos agentes – inclusive não humanos – que passam a atuar na complexa rede que envolve o processo de produção de notícias no mundo contemporâneo, Heinderyckx faz uma provocação que eu achei particularmente relevante. O pesquisador francês aponta que na abordagem clássica do gatekeeping, a verificação das informações era um componente central no processo de produção das notícias porque na cadeia de notícias tradicional, verificar a precisão e autenticidade das informações era “a chave de uma das trancas do portão”. Contudo, no ambiente digital, em virtude da pressão temporal a que estão submetidos, os veículos acabam frequentemente publicando itens o mais rápido possível, sendo que a verificação será feita posteriormente, seja pela própria organização de notícias ou pelos próprios leitores.  No caso da existência de erros, os jornalistas precisam editar o conteúdo rapidamente ou até mesmo removê-lo. É nesse contexto que Heinderyckx propõe a ocorrência de um processo de “gatekeeping reverso”:


Todas as tarefas relacionadas à correção de erros ou retirada de conteúdo de uma plataforma de notícias, sem dúvida, estão dentro do âmbito do gatekeeping. Esse “gatekeeping reverso” não se trata de permitir a entrada de conteúdo, mas de removê-lo. A mesma estrutura que determina o que deve entrar muitas vezes terá que decidir o que deve ser retirado ou corrigido […] (HEINDERYCKX, 2015, p.259, tradução nossa). 


Com a análise do trecho destacado, podemos perceber que o contexto da produção jornalística moderna é marcado por um grau elevado de instabilidade, o que segundo Rosa(2019) também é reflexo dos processos de aceleração. Além da possibilidade de modificar ou remover conteúdos, outro fator que contribui para essa instabilidade diz respeito às lógicas de produção em “tempo real” e “atualização constante”. Para Rosa (2019), essa dinâmica é um exemplo da correlação entre aceleração tecnológica e aceleração da mudança social porque a difusão mais rápida de notícias possibilita uma reação mais rápida às mudanças (um bom exemplo disso são as variações na bolsa de valores), levando a uma aceleração real da mudança social:


A consequência da sensação, desencadeada pela aceleração da mudança social. de estar sobre slipping slopes ou “declives escorregadios” é clara: a lógica cultural aqui corresponde exatamente à física: os atores se sentem sob estresse e pressão temporal para manter o passo diante das transformações e não perder, pela obsolescência de seus conhecimentos e capacidades, opções de ação e oportunidades de integração (ROSA, 2019, p.232).


A sensação de que ‘algo pode ter se modificado’ nos leva a checar constantemente nossas mídias sociais à procura de informações novas ou atualizadas. É nesse contexto que a síndrome do Fear of Missing Out (FoMO) ganha relevância. Com tamanha instabilidade, o ‘prazo de validade’ das notícias se contrai para próximo de zero e a  consequente perda do valor da periodicidade é expressão deste fenômeno.  Aproveito o gancho para indicar uma segunda leitura. Trata-se do artigo  “Periodicidade não atende às rotinas produtivas online dos arranjos de trabalho de jornalistas”, escrito por Roselí Fígaro e Cláudia Nonato. 

Pessoal, acho que já divaguei muito por aqui! O que de fato quero destacar é que as dinâmicas da aceleração do Tempo Social afetam o Jornalismo e suas repercussões estão sendo mapeadas pelo campo de estudos, basta analisarmos os textos com atenção. Boa semana e até a próxima!

Referências:

ROSA, Hartmut. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 2019.

VOS, Tim. P.; HEINDERYCKX, François (Eds.). Gatekeeping in transition. New York: Routledge, 2015. 

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