Ir para o conteúdo POSCOM Ir para o menu POSCOM Ir para a busca no site POSCOM Ir para o rodapé POSCOM
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

Quem nos lê? Percepção dos jornalistas sobre os leitores na visualização de dados

por Nicole Pasch



Enquanto jornalistas, objetivamos que nossa mensagem encontre alguém, mas a grande questão é: estamos sendo ouvidos? Quem nos ouve? A mensagem chegou da forma como eu a idealizei? Todas estas são dúvidas que perpassam a rotina jornalística, ainda mais no que concerne a um novo formato, o Jornalismo de Dados, que trouxe uma outra dimensão para o que anteriormente conhecíamos como aquele modelo tradicional e “fechado” de Jornalismo.

Quando refletimos sobre a quem se fala, consideramos o Contrato de Comunicação de Patrick Charaudeau, que diz: “O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que eles estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados do quadro de referência” (CHARAUDEAU, 2006, p.68). Tais restrições seriam estabelecidas pela regulação das práticas sociais, instauradas pelos indivíduos que tentam viver em comunidade e pelos discursos de representação. O interlocutor deve supor que seus destinatários consigam reconhecer essas restrições. 

Um elemento que surge na discussão do Jornalismo de Dados é quanto à visualização. Como comunicar, além da mensagem escrita, uma quantidade exorbitante de informações codificadas em números e estatísticas? O leitor precisa sintetizar, compreender e enquadrar na sua própria realidade o que está sendo entregue para ele.

Reitera-se que a visualização de dados é anterior ao Jornalismo de Dados, presente desde as rotinas tradicionais do fazer jornalístico, porém, na contemporaneidade, gráficos, mapas, tabelas e demais manifestações interativas, utilizam os dados como embasamento para sua construção. Neste contexto, foram trazidos números, elementos do design, da programação, dentre outras áreas do conhecimento e consequentemente, profissionais como designers, cartógrafos, cientistas de dados e programadores para conduzir uma nova forma de produzir um jornalismo, no mínimo, complexo e diferente.

Quando falamos especificamente em visualização de dados, que pode ser tida como uma nova narrativa do jornalismo digital e que busca explicitar informações complexas, ainda se trata de um campo com pouca observação de perto, não temos os tipos de leitores definidos nem manuais que expressam a certeza do processo, mas sabe-se que os dados devem ser condizentes, o design adequado e principalmente, o entendimento possível para quem está do outro lado da tela. Ao pensarmos, por exemplo, em diversos dados localizados numa tabela de números, ou em um gráfico interativo e identificado com cores e legendas, qual parece mais conveniente para a compreensão? Neste caso, o gráfico permite ao leitor analisar, explorar e descobrir informações, mais do que em uma tabela estática. Porém, no contexto da rotina apressada que envolve as redações, por conta da falta de tempo, nem sempre os jornalistas têm a absoluta certeza de que aquela visualização é a escolha certa para fazer sentido para o leitor e cumprir com seu papel de informar. 

Motivado por estas questões, entre emissor e receptor, ainda pouco exploradas na visualização de dados, no artigo “Jornalismo, Visualização de Dados e Percepção Sobre os Leitores”, publicado na revista Brazilian Journalism Research, o professor Rodrigo Cunha, da Universidade Federal de Pernambuco, conduz uma pesquisa orientada pela pergunta “qual a percepção dos profissionais sobre os receptores ao produzir uma visualização?”

Sendo desenvolvida em um questionário baseado em escala Likert (com as opções de resposta, sendo: discordo completamente, discordo, neutro, concordo e concordo completamente), aplicado a jornalistas, designers, programadores e demais profissionais dos departamentos gráficos de empresas, com objetivo de entender a forma como pensam nos leitores ao criarem uma determinada visualização. Foram entrevistados cinquenta e sete profissionais, de veículos que trabalham diretamente com visualização de dados ou que tiveram trabalhos premiados neste sentido. Sobre isso, no espaço de relação, Charaudeau (2006), traz que o sujeito falante, ao construir sua própria identidade de locutor e a de seu interlocutor (ou destinatário), estabelece relações de força ou de aliança, de exclusão ou de inclusão, de agressão ou de conivência com o interlocutor. Como no caso da relação dos jornalistas com os leitores, se estabelece a relação dependendo da situação de comunicação. E no espaço de locução, o sujeito falante deve se impor e justificar a razão de ter tomado a palavra, aqui ele deve conquistar o direito de poder comunicar, o que se atribui nesta troca como a busca pela credibilidade jornalística, de estar autorizado e legitimado a falar sobre tal assunto.

Como resultados da pesquisa, os jornalistas afirmam, por exemplo, que compreendem o potencial dos gráficos para facilitar o entendimento de qualquer informação, e que o leitor estaria habilitado a interpretar gráficos mais complexos, desde que sejam didáticos quanto à sua interpretação. Para Charaudeau (2006),“[…] na maioria das vezes, o informador não tem conhecimento nem do teor do saber de seu destinatário, nem do que o afeta emocionalmente, nem dos motivos e interesses que o animam” (p.62). Quando perguntados sobre a limitação de interpretação do leitor, os jornalistas possuem uma opinião neutra – nem concordam nem discordam totalmente. Os indicativos de capacidade interpretativa da população brasileira não estão entre os mais positivos. Na edição de 2018 do Programa Internacional de Avaliação, os estudantes que obtiveram as melhores notas em leitura, ou seja, que são capazes de compreender textos longos, lidar com conceitos abstratos e estabelecer distinções entre fato e opinião, com base em pistas implícitas relativas ao conteúdo ou fonte das informações, representam apenas 2% em nosso país.

Exemplo de gráfico de linha do Financial Times que compara o número de mortes
por Coronavírus em diversos países (atualizado em dezembro de 2022). 

Já na questão “Gráficos são capazes de explicar qualquer informação de forma fácil para o leitor”, os jornalistas tendem a discordar. Nas condições dos dados externos, inseridas no Contrato de Comunicação, citamos especialmente a de finalidade, a qual trata da expectativa de sentido em que se baseia a troca comunicacional, ou seja, do seu objetivo. Ela passa a ser essencial no processo de comunicação entre jornalista e leitor, de saber identificar este objetivo da troca comunicacional. O jornalista deve responder à pergunta “Estamos aqui para dizer o quê?”, dessa forma é possível orientar quem recebe a informação, para possibilitar o entendimento. Principalmente no contexto de que ainda há pouco letramento quanto à visualização de dados no jornalismo. No que se trata de influência, sabendo que na comunicação, esperamos que o outro incorpore a nossa intencionalidade, comum no processo jornalístico, como nas visualizações em que queremos convencer a partir de determinadas informações, nos gráficos e mapas interativos que construímos. Para Charaudeau (2006), isto se dá em termos de visadas e no jornalismo utilizamos principalmente a informativa, que consiste em querer “fazer saber”, e a iniciativa, que consiste em querer “fazer crer”, isto é, querer levar o outro a pensar que o que está sendo dito é verdadeiro (p.69).

Podemos pensar a necessidade de estudos acerca dos leitores na visualização de dados, em pesquisas como a do professor Rodrigo Cunha, para crescente letramento, tanto da população que consome o conteúdo, quanto dos jornalistas que o idealizam, podendo estar relacionados à teoria clássica como a de Patrick Charaudeau com o Contrato de Comunicação, que nos leva a pensar a respeito da pessoa a quem falamos e nossa legitimação para estar no papel de fala. As novas narrativas do Jornalismo de Dados demandam investigação e estaremos aqui para acompanhá-las!

Referências: 

Cunha, R. (2020). Journalism, Data Visualization, and Perception about Readers. Brazilian Journalism Research, 16(3), 526–549. https://doi.org/10.25200/BJR.v16n3.2021.1309 

Charaudeau, Patrick (2006) Discurso das mídias; tradução Angela M. S. Corrêa. 2. ed., 2a reimpressão – São Paulo: Contexto, 2013. 

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-513-2782

Notícia vinculada a

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes