O pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Indústria Criativa da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Fabio Frá Fernandes, egresso do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (Poscom/UFSM), acaba de lançar o livro Pensando com McLuhan as relações entre mídia, comunicação e inovação na universidade. A obra, originada de sua tese de doutorado, reflete sobre como a mídia não apenas comunica, mas também estrutura sentidos e práticas inovadoras nas universidades federais gaúchas.
O livro se ancora na filosofia de Herbert Marshall McLuhan (1911–1980), um dos mais provocadores pensadores da comunicação do século XX – e ainda hoje uma referência incontornável para pensar as tecnologias no século XXI –, precursor da Ecologia da Mídia, campo que compreende as tecnologias como ambientes que moldam nossas percepções e estruturas sociais. Para Fabio, McLuhan não é apenas uma referência histórica, mas um método de pensamento vivo: “Sua abordagem nos ajuda a compreender como as mídias atuam como ecossistemas, estruturando práticas e sentidos dentro das universidades, especialmente nos processos de inovação. Mais do que estudar a mídia, pensei com McLuhan — para enxergar o que os discursos tradicionais não dão conta de revelar sobre a comunicação universitária hoje”, afirma.
Tendo como objeto empírico a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o autor propõe uma leitura da inovação como um fenômeno simbólico, social e relacional, em contraste com abordagens de cunho técnico ou mercadológico. Para isso, desenvolve um modelo analítico do ecossistema de inovação em Instituições de Ensino Superior (IES), estruturado em três níveis interdependentes:
- Macrossistema organizacional inovativo: refere-se às estruturas institucionais e representativas que sustentam um ecossistema de inovação no contexto do ensino superior. Trata-se de um agente organizador de maior escala, que pode se desdobrar ou articular com agentes menores. Nas universidades federais do Rio Grande do Sul — foco deste estudo —, o macrossistema é composto por parques científicos, tecnológicos ou científico-tecnológicos, núcleos de inovação tecnológica, incubadoras, aceleradoras de empresas e agências voltadas ao empreendedorismo e à inovação.
- Mesocomplexo organizacional para a geração e o fomento de produtos e serviços inovadores: abrange os arranjos intermediários do ecossistema, compostos por atores e mecanismos que impulsionam a criação e o desenvolvimento de iniciativas inovadoras. Esses componentes podem estar vinculados diretamente ao macrossistema ou operar de forma mais autônoma. Startups e spin-offs, empresas juniores, living labs, espaços de coworking e laboratórios de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) exemplificam os diversos ambientes e formatos de ação presentes nesse nível.
- Microprocessos organizacionais de circulação, visibilidade e legitimação ecossistêmica: correspondem às dinâmicas mais localizadas do ecossistema, responsáveis por dar continuidade e visibilidade ao fenômeno inovativo. Incluem os métodos de registro e transferência das inovações geradas, assim como as estratégias comunicacionais adotadas por agentes institucionais e atores adjacentes. Nesse nível, a comunicação é central para a legitimação simbólica e social de produtos, processos e serviços desenvolvidos no ambiente universitário.
Esse modelo configuracional rompe com paradigmas hegemônicos, como as triple, quadruple e quintuple helix, por exemplo, defendendo que cada universidade carrega dinâmicas simbólicas, históricas e comunicacionais próprias, que devem ser reconhecidas na leitura da inovação.
Para cada universidade estudada, o autor propõe um modelo particular de ecossistema inovativo, considerando suas estruturas formais e informais, de modo a evidenciar que é possível pensar o sistema de inovação universitário para além de parques científicos e tecnológicos, startups, incubadoras e afins. Ao revelar as especificidades de cada nível – macro, meso e micro –, é possível ressignificar práticas e processos, bem como desvelar como as tecnologias, incluídas as midiáticas, são corresponsáveis por transformar invenções e descobertas em inovações.
Além disso, Fabio amplia e concretiza o conceito de ecossistema midiático ao propor uma configuração original, composta pelo que denomina mídia-ambiências: doze conjuntos interdependentes de sistemas integrados de software e hardware que sustentam as principais tecnologias de comunicação e relacionamento da atualidade. Essas ambiências, quando sobrepostas ao ecossistema de inovação das instituições de ensino superior, revelam as dimensões materiais, simbólicas e relacionais da comunicação universitária. Abrangem desde a comunicação institucional, científica e educativa até as dinâmicas de plataformas digitais, algoritmos, redes sociais e tecnologias emergentes. Entre elas, destacam-se as mídias voltadas à informação, relacionamento, entretenimento, organização de rotinas, gestão de dados, automação, análise, assistência inteligente, monitoramento, aplicações técnicas, ambientes de encontro e modelos organizacionais mediados por plataformas. Juntas, essas doze ambiências estruturam um campo expandido da comunicação tecnológica contemporânea. Em vez de conceber a mídia como um simples instrumento, Fabio a posiciona como uma força estruturante da organização simbólica universitária. Nesse contexto, a mídia não apenas comunica a inovação, mas estrutura e disputa os sentidos do que é — ou pode vir a ser — considerado inovador.
A metodologia da pesquisa que fundamenta o diálogo proposto no livro também merece destaque. Sustentada por uma perspectiva fenomenológica, sistêmica e configuracional, alinhada à Ecologia da Mídia, o autor adota o método de inversão figura-fundo, desenvolvido por McLuhan, que desloca o foco do conteúdo para os meios e ambiências onde ele circula. Inspirado na Teoria da Gestalt, esse modelo propõe a inversão da lógica tradicional entre meio e mensagem: o conteúdo da mídia é a figura, enquanto seu contexto — o meio que a sustenta — funciona como fundo. Cada mídia, portanto, transmite duas mensagens: uma explícita (figura) e outra implícita (fundo). A figura é imediatamente perceptível, enquanto o fundo, embora essencial à interpretação, opera de forma subliminar. Quanto mais invisível o fundo, mais eficaz é a mídia na modelação dos sentidos — pois é nele que ocorrem as transformações que, mais tarde, emergem na figura.
Com base no modelo figura-fundo, o autor investigou a relação entre os ecossistemas de inovação e o ecossistema midiático nas universidades federais do Rio Grande do Sul, tratando as inovações como figuras — produtos, processos e serviços visíveis e mensuráveis — e as mídias como fundos — os ambientes técnico-comunicacionais que possibilitam e modulam essas inovações. Ao inverter a lógica tradicional que privilegia o conteúdo, a pesquisa voltou-se à análise dos contextos midiáticos que sustentam e estruturam a emergência da inovação. Esse deslocamento analítico permitiu revelar camadas menos visíveis do ecossistema universitário, como as ambiências tecnológicas, as plataformas digitais e os regimes de visibilidade que orientam a produção e a circulação do conhecimento. Assim, a mídia foi compreendida não apenas como suporte ou canal, mas como uma força estrutural que disputa os sentidos do que é, ou pode ser, inovador.
O método foi operacionalizado por meio de três sondas investigativas, inspiradas no que McLuhan denominava probes — explorações intuitivas e provocativas que buscam revelar padrões e transformações nos ambientes mediados por tecnologias. São elas:
- Sonda bibliográfica: revisão teórica e filosófica;
- Sonda documental: análise de políticas, sites, relatórios e dados institucionais;
- Sonda conversacional: escuta de gestores, pesquisadores e profissionais das universidades analisadas.
Essas sondas permitiram ao autor captar a inovação e a comunicação não como estruturas fixas, mas como sistemas dinâmicos e interdependentes, sustentados por redes, práticas e ambiências. Suas análises revelam que, embora todas as universidades estudadas possuam estruturas voltadas à inovação, há uma assimetria na forma como a comunicação é integrada a esses processos. Em muitos casos, ela ainda é vista como função acessória, e não estratégica.
Ao cruzar os modelos configuracionais de ecossistema midiático e ecossistema de inovação, o estudo evidencia que o invisível midiático organiza o visível inovador: ou seja, são os modos de comunicação e mediação simbólica que possibilitam a criação, legitimação e difusão das práticas inovadoras. A leitura do conjunto das 12 ambiências midiáticas oferece uma lente para identificar como e onde essa mediação ocorre — seja na ciência, na gestão, na extensão, nas redes ou nas tecnologias digitais. Cada universidade apresenta combinações únicas dessas ambiências, o que reforça a necessidade de modelos sensíveis às especificidades territoriais e comunicacionais.
O autor afirma que não há ecossistema de inovação universitária sem ecossistema midiático. Propõe-se uma ruptura com a visão tecnocrática da inovação e com a ideia de comunicação como mera divulgação. A inovação, sob a ótica da Ecologia da Mídia, é um processo simbólico, territorializado e em disputa, em que a comunicação é agente estruturante. O livro encerra com um chamado a uma ética comunicacional universitária comprometida com o bem comum, a escuta dos territórios e a construção de futuros possíveis — reafirmando o legado mcluhaniano de que compreender os meios é tão vital quanto compreender as mensagens.
A obra conta com prefácios das professoras Eugenia M. M. da Rocha Barichello e Maria Ivete T. Fossá (UFSM), e apresentação da professora Marcela Guimarães e Silva (Unipampa). É indicado a pesquisadores, profissionais da comunicação, pró-reitores, gestores, jornalistas universitários, estudantes de pós-graduação e todos os interessados nas transformações contemporâneas do ensino superior.
Disponível em:
- Impresso: Livro.vc | Amazon
- Digital (eBook): Amazon Kindle
Sobre o autor:
Fabio Frá Fernandes é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Indústria Criativa da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) — programa onde realizou seu mestrado. Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM, é servidor da UFRGS, atuando na Comissão Permanente de Seleção. Atualmente realiza estágio de pós-doutorado na UFCSPA, com foco na Extensão da Educação Superior na Pós-Graduação. Fabio já atuou como professor substituto na UFRGS e Unipampa, colaborador na UFSM, além do SENAC/RS, e dedica-se à pesquisa nas áreas de comunicação, mídia, inovação e universidade.