AUTOR: Andrey Oliveira Lamberty
ORIENTADORA: Rosane Leal da Silva
O crescente avanço das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) impacta de forma significativa a sociedade contemporânea, reduzindo distâncias, criando conexões e ampliando possibilidades de comunicação e de acesso ao conhecimento. Somam-se a isso os inegáveis avanços democráticos, frutos do estreitamento da relação entre Poder Público e cidadãos, a ampliação da eficiência administrativa, e a criação de canais de comunicação que possibilitam uma maior abertura e transparência governamental.
Entretanto, a evolução tecnológica também descortina novas ameaças, principalmente porque o tratamento de dados pessoais, amplificado e facilitado pelos novos recursos tecnológicos, tornou-se ferramenta de uma vigilância massiva implementada por governos e entidades privadas. Nesse sentido, o problema enfrentado pelo trabalhador é ainda mais perceptível, na medida em que seus dados são colocados à disposição do empregador, muitas vezes por força do próprio contrato de trabalho. A vulnerabilidade do obreiro é acentuada justamente quando ele demanda a proteção de seus direitos ao Poder Judiciário, pois o exercício desse direito pode se converter em novas fontes de violação, a depender de como os dados processuais são divulgados por mecanismos de buscas e pelos próprios portais institucionais.
Visando regulamentar a proteção de dados pessoais no país, o Brasil recentemente editou a sua Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), que entrará em vigor em agosto de 2020. No Mercosul, diversos países já contam com legislações específicas sobre o tema há mais tempo, como é o caso da Argentina, cuja lei data do ano 2000 (Ley nº 25.326/2000). Assim, levando-se em conta que este país foi o primeiro país do bloco sul-americano a obter o reconhecimento da União Europeia quanto à adequação do nível de proteção de dados pessoais, levantou-se o questionamento: é possível afirmar, em perspectiva comparada, que a novel legislação brasileira confere nível de proteção compatível com o seu vizinho mercosulino, revelando-se adequada e suficiente para garantir a proteção do trabalhador em face da coleta e tratamento de dados realizadas em razão do ajuizamento da reclamatória trabalhista?
Para responder a essa pergunta, buscou-se identificar, inicialmente, as vulnerabilidades do trabalhador diante do tratamento de dados pessoais no processo laboral, que teve início pelo estudo da vigilância eletrônica em seus aspectos gerais. Posteriormente, o foco da pesquisa voltou-se ao uso que o Poder Público faz das tecnologias informacionais para a divulgação de informações processuais, o que conduz ao tratamento indevido de dados pessoais que são fornecidos em virtude do ajuizamento de reclamações trabalhistas.
Nas sequência, trabalhou-se o aspecto jurídico do problema, iniciado por um estudo acerca da vinculação do Estado e dos particulares ao direito fundamental à privacidade. A partir disso, analisou-se as diferentes concepções de privacidade que acompanharam a evolução da sociedade, chegando-se à sua faceta mais atual, o direito à autodeterminação informativa, definido como um direito ao controle das informações pessoais do indivíduo, ou direito à proteção de seus dados pessoais.
Depois de observar o modelo europeu de proteção de dados pessoais, padrão que vem influenciando a edição de diversas leis de proteção de dados pessoais na América Latina, partiu-se para um estudo comparado dos sistemas jurídicos argentino e brasileiro de proteção de dados pessoais do trabalhador. Esse comparativo teve como ponto de partida o estabelecimento de critérios prévios de análise a serem aplicados no exame legislativo e na observação sistemática, direta e não-participante de sites dos portais institucionais do Poder Judiciário trabalhista de cada nação (Poder Judicial de la Nación, na Argentina e Tribunal Superior do Trabalho, no Brasil), o que foi implementado através da elaboração de fichamentos, resumos, tabelas e gráficos. Após a coleta de dados, seguiu-se à análise das informações (tanto das leis de proteção de dados como dos sites), e o confronto dos resultados entre si, observando-se os pontos positivos e negativos de cada sistema.
Partindo das hipóteses inicialmente formuladas através do método de abordagem hipotético-dedutivo, os resultados conduziram a duas respostas adequadas à solução do problema, de forma complementar: 1) a nova lei de proteção de dados pessoais brasileira apresenta nível compatível com a legislação argentina, mas nenhuma delas mostra-se suficiente para garantir a proteção dos dados pessoais do trabalhador no âmbito da Justiça do Trabalho; e 2) independentemente do nível apresentado pela lei de proteção de dados de cada país, não é possível afirmar, de maneira direta, que a existência de uma lei específica condiciona as práticas protetivas de dados pessoais do trabalhador pelo Poder Judiciário trabalhista na divulgação das informações processuais.
O produto da observação e o cotejo com os demais resultados obtidos permitiram a propositura de sugestões de medidas práticas viáveis ao Brasil para uma maior proteção dos dados pessoais dos trabalhadores no processo do trabalho, tais como: a restrição de acesso dos bancos de jurisprudência a profissionais da área do direito, mediante certificação digital; a anonimização ou pseudonimização de dados, através da utilização das letras iniciais dos nomes dos litigantes e das técnicas de supressão e generalização de dados; ocultação de trechos de acórdãos e decisões que contenham dados sensíveis; desindexação do nome do reclamante em sistemas de busca na Internet; implementação de mecanismo de consentimento no Processo Judicial Eletrônico (PJe) trabalhista e desenvolvimento pela Justiça do Trabalho de campanhas nacionais de esclarecimento com relação ao compartilhamento de informações e a utilização das redes sociais pelo trabalhador.
Diante dos resultado encontrados, a pesquisa enfrentou os impactos advindos do crescente uso das tecnologias da informação e da comunicação nas relações trabalhistas, que afetam não apenas os direitos de personalidade, mas também repercutem nos direitos sociais do obreiro, que está inserido nesta sociedade de fluxos informacionais. Além disso, repensou o papel do Poder Público na divulgação de informações processuais, estabelecendo um limite para o exercício de seu dever de transparência, qual seja, o direito à privacidade do reclamante. Certamente que o respeito aos direitos fundamentais dos litigantes fará com que o Estado avance enquanto instituição democrática que garante aos seus cidadãos a proteção necessária para a busca de direitos sociais com o resguardo das suas liberdades individuais.