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(BIO)POLÍTICA NOS CORPOS, VIOLÊNCIA NORMATIVA E (IN)VISIBILIDADE DA IDENTIDADE DE GÊNERO NÃO BINÁRIA: PERSPECTIVAS DO RECONHECIMENTO E DESDOBRAMENTOS ATÉ O DIREITO À EXTIMIDADE

AUTORA: ISADORA FORGIARINI BALEM

ORIENTADORA: VALÉRIA RIBAS DO NASCIMENTO

Desde que a espécie humana superou o estado de natureza e passou a se organizar em sociedade, foi imprescindível o estabelecimento do controle dos semelhantes para que se mantivessem obedientes ao pacto social. Primitivamente exercido pela força física, o controle foi se refinando por meio de técnicas cada vez mais sutis e, consequentemente, mais eficazes: a docilização dos corpos pela disciplina, a classificação de indivíduos em categorias de normalidade e anormalidade e a posterior aplicação de tais estratégias em nível governamental por meio da Biopolítica reforçaram as estruturas controladoras de tal forma que essas técnicas são percebidas como naturais e  incorporadas espontaneamente nos comportamentos.

Todavia, a assimetria de poder intrínseca às relações de controle faz com que grupos humanos sejam diversamente afetados por elas. A prescrição de condutas ocupa todas as esferas da vida humana de forma a construir socialmente papeis adequados para cada pessoa conforme o seu sexo biológico. Nesse passo, inúmeras foram as técnicas utilizadas para a manutenção histórica da mulher em uma posição subalterna ao homem. O masculino, aliás, é tomado como modelo do mundo, de forma a subjugar não apenas os signos femininos, mas todos aqueles que destoam do padrão viril do homem. A partir da contestação da imposição de papeis sociais predeterminados em razão de questões anatômicas – no bojo do movimento feminista e da teoria queer – emerge a discussão sobre gênero: ultrapassando o determinismo/binarismo macho-homem e fêmea-mulher, descortina-se a possibilidade de existências que transcendem a hétero e cisnormatividade, a exemplo de pessoas não binárias.

Desconformes com o padrão estabelecido, diversos grupos com sexualidade e identidades de gênero “destoantes”, a exemplo das pessoas não binárias, são historicamente marginalizadas, invisibilizadas e alijadas de reconhecimento, respeito e da condição de sujeito de direito, de modo que estão expostos a uma série de violências: física e simbólica por parte do Estado e da sociedade.  Contudo, o advento da sociedade em rede e o desenvolvimento da tecnologia têm o potencial de alçar sujeitos marginalizados à condição de atores sociais em razão da facilidade e velocidade na produção e disseminação de conteúdo, propiciando a articulação de demandas e a denúncia das injustiças.  

Ocorre que além de importante arena de disputa política, a internet desponta como palco para o “show do eu” e o contemporâneo desejo de visibilidade e audiência online impulsionam a ressignificação da interpretação conservadora de alguns direitos, a exemplo da privacidade. Ao mesmo tempo, da união do comportamento humano na rede e da lacuna jurídica formada em razão da insuficiência protetiva os direitos “tradicionais”, ganha relevância o direito à Extimidade, que visa proteger a exposição virtual capaz de concretizar o enriquecimento da própria identidade pela reabsorção do feedback de terceiros.

Assim, ante a supressão de espaços de fala, invisibilidade social e violência normativa daqueles indivíduos que não possuem uma identidade de gênero classificada como “normal” pelos padrões sociais estabelecidos, questionou-se de que forma o Direito produz e reproduz instrumentos de opressão das identidades não binárias? E quais as potencialidades e os limites do reconhecimento do Direito à Extimidade nesse contexto?

Para responder a essa pergunta, o capítulo inaugural abordou a sociedade disciplinar e a Biopolítica como formas de governo através da utilização de práticas sociais, a exemplo do sexo, para categorizar as pessoas como “normais” ou “anormais”, originando a exclusão das sexualidades destoantes do padrão dominante. Estudou-se, também, como o reforço do determinismo biológico e atribuições de papeis sociais específicos a cada sexo possibilitou a extensão da opressão original – de homens sobre mulheres – ao exercício de outras formas de sexualidade, sobretudo as identidades de gênero não binárias.

Posteriormente, para compreender a influência desses processos sociais de exclusão na invisibilização jurídica dos sujeitos de “sexualidade desviante” e a existência de violências normativas contra esses indivíduos, o segundo capítulo abordou o reconhecimento, como fio condutor à possibilidade de efetivação de uma sociedade sexualmente democrática, calcada no direito à diferença e no respeito aos valores da igualdade e liberdade. Por fim, o terceiro capítulo observou as interações sociais na sociedade em rede, cuja mudança na forma de exposição propiciada pela internet e a crescente necessidade de visibilidade requerem a ressignificação de direitos historicamente protegidos, a exemplo da privacidade. Ainda, avaliou as implicações jurídicas da Extimidade e sua potencialidade enquanto instrumento de fortalecimento identitário de grupos marginalizados.

Então, concluiu-se que o desejo de extimidade encontra guarida (e combustão) na internet, imbuída pelo ardor de visibilidade através do compartilhamento da própria intimidade. Verificou-se, a partir da análise de grupo de pessoas não binárias no Facebook, o impacto positivo do exercício da extimidade enquanto possibilidade de autoconhecimento e empoderamento pela validação de outras pessoas, sustentando-se a necessidade de tutela jurídica do direito à extimidade.