Autora: Eliane Arruda Palma
Orientador: Ronaldo Busnello
Por muito tempo prevaleceu o pensamento de que o Brasil, além de ser o “país do futuro”, também se tratava de um país de jovens, guardando grandes esperanças quanto a seu desenvolvimento econômico mas, acima de tudo, social. Esse paradigma começa a mudar de maneira vertiginosa: o “futuro” ainda não chegou e uma nova realidade expõe os problemas de uma Nação, cuja população vive mais, mas acaba por dar vida a um “exército de idosos”, vítima de um mercado de trabalho cada vez mais precarizado e com condições de existência, em grande parte das vezes, sub-humanas. Sim, o Brasil caminha, contemporaneamente, na contramão da evolução, para o aumento da desigualdade social, enquanto se transforma, rapidamente, em um “país de cabelos brancos”.
Foi devido a percepção desta mudança que iniciei uma pesquisa, envolvendo questões que pareciam desconexas, mas que, ao final, reuniram inúmeros elementos que se interligam, comunicando-se entre si. Partindo do tema relativo ao envelhecimento da população brasileira e tendo como fundamentado os ensinamentos de Karl Marx, relativos a criação de um “exército industrial de reserva”, considerei a parcela da população pobre que, conforme o autor, é constituída, em parte, por pessoas incapacitadas para o trabalho, em função da idade avançada. Com base numa minuciosa ponderação, a análise do tema proposto foi realizado à luz de uma visão crítica e reflexiva.
Constatei a ocorrência de uma radical mudança na estrutura etária do país que, de uma Nação com uma população, que ainda pode ser considerada jovem, em poucas décadas será um país povoado por uma significativa população idosa. O crescente processo de longevidade e envelhecimento dos idosos no país depara-se frente a histórica precarização da qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros. A sofisticação das novas estratégias de exploração, por quem detém o capital, indicam os limites históricos evidenciados nos crescentes níveis de miséria e iniquidade social, que promoveram e seguem promovendo, historicamente, condições de vida degradante, para a imensa maioria dos trabalhadores.
Assim, os trabalhadores pobres localizam-se espalhados nas diversas formas do exército de reserva (composto por trabalhadores informais e pelos desempregados) e do exército ativo (composto por trabalhadores com “carteira assinada”, mas com condições de existência questionáveis), onde parte dos idosos são demitidos e os que permanecem trabalhando tem seus direitos aviltados, com aumento da precarização das condições gerais de trabalho. O estudo foi realizado especialmente sobre essas pessoas que, no Brasil, majoritariamente, permanecem atuantes no mercado de trabalho. Ao que tudo indica, inversamente ao que Marx sustentava, já não se tratam de indivíduos “incapacitados para o trabalho” em razão da idade ou, pelo menos, não totalmente, vez que, apesar de todos os obstáculos enfrentados durante a vida laboral, são trabalhadores cuja mão de obra tornou-se ainda mais barata, restando (re)absorvidos pelo mercado, como força de trabalho a ser explorada e apta a ser vendida, modernamente, na figura de um trabalhador “mais velho”.
O objetivo principal da pesquisa respondeu determinados questionamentos sobre a vida laboral dos trabalhadores idosos brasileiros, como: “quais são suas condições gerais de trabalho? Como exercem suas ocupações e como se delineia esse complexo mundo do trabalho a que sujeitos? Sob que aspectos se dá a participação da trabalhadora idosa no mercado de trabalho? O que o poder público tem feito, de fato, para prevenir ou atenuar os problemas futuros quanto a essa parcela da população?” Tais questionamentos instigaram sua associação ao tema das políticas públicas adotadas pelo Brasil para idosos, vinculando-se ao denominado “trabalho decente” e, por consequência, aos diversos matizes do “princípio da sustentabilidade”, especificamente, em suas dimensões social e ambiental.
Comprovei que, dentro da própria lógica do modo de produção capitalista, uma massa ainda maior de trabalhadores idosos passará a fazer parte do exército de reserva pauperizado, que será ampliado. Como Marx, verifiquei que o capitalismo pressupõe o desenvolvimento da riqueza de um lado, tutelado pela classe capitalista, e, do outro, o aumento do desemprego e da incerteza, no âmago da classe trabalhadora. A lei geral que governa este “desenvolvimento” é a face real da lei econômica fundamental do capitalismo: a lei da mais-valia. É o desejo pela mais-valia, produzida, unicamente, pelos trabalhadores, que orienta à acumulação de riquezas, ostentação e exploração por parte dos mais ricos. Cada vez que o acúmulo de riquezas torna-se maior, maior torna-se o exército de reserva, maior torna-se o abuso sobre o exército ativo e tornam-se ainda mais críticas as condições de sobrevivência de ambos.
Logo, a acumulação do capital e a degradação da situação da classe trabalhadora são como dois lados de uma mesma moeda: inseparáveis dentro de uma sociedade capitalista, onde a integração dos idosos no mercado de trabalho ao final da vida sofre as consequências oriundas das transformações que nascem do capitalismo contemporâneo, configurando-se de modo ainda mais precário para as mulheres, transformadas na “espinha dorsal” do trabalho assalariado do mundo em desenvolvimento.
Neste cenário, desmedidos são os questionamentos originados a partir do processo de envelhecimento da população brasileira que, em 2060, atingirá a inversão máxima de sua pirâmide demográfica, ensejando a que um quarto da população total no país seja composta por idosos. Nesse contexto, a Política Nacional do Idoso (PNI – Lei n.º 8.842/1994) e o Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003) destinados a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, surgem como duvidosa alternativa para a solução dos problemas vivenciados por essa parcela da população, vulnerável sob diversos aspectos. Analisei esses textos, particularmente, em relação ao trabalho e a previdência social, numa investigação que considerou a economia em sua complexidade e, em específico, o período de vida laboral do trabalhador em um mundo do trabalho que está em constante e plena transformação. Descobri que seus resultados foram negativos, no sentido da satisfação e da segurança do trabalhador brasileiro idoso, cujas características pessoais os diferenciam da classe laboral idosa pelo mundo.
Assim, o estudo revela-se atual e importante, uma vez que, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira mantém a tendência do crescimento do número de idosos e seu perfil denota trabalhadores com grau de escolaridade muito baixo e mercado de trabalho precarizado, inclusive pelo advento de uma reforma trabalhista (Lei n.º 13.467/2017), que não atingiu o objetivo proposto: alavancar milhões de vagas de emprego formal.
Além disso, diante de uma proposta de reforma da previdências social (Proposta de Emenda à Constituição – PEC n.º 287/2016), que aponta para modificações severas e ilógicas e que propõe alterações na indicação de troca do atual sistema para um “regime de capitalização e de poupança privada” a ser realizada pelo próprio trabalhador, sem nenhuma contrapartida do empregador e do governo. Tal, portanto, dá surgimento a uma solução de cunho duvidoso, revelando-se numa alternativa de hipotética efetivação quanto a garantia de recebimento, no futuro, dos valores depositados a título de aposentadoria. O atual governo, em seu projeto, deslancha pela via mais “simples”, seguindo os moldes das últimas reformas realizadas (1998 e 2003), penalizando a classe trabalhadora com o aumento da idade para aposentadoria e trocando o regime do financiamento de seguridade por um sistema de efetividade controversa. Ademais, a conexão entre estrutura etária e mercado de trabalho indica que as pressões da população idosa sobre a população economicamente ativa (PEA) terão peso notável e, com o aumento do envelhecimento, as atividades ligadas à saúde sofrerão pressão significativamente maior.
Na revisão bibliográfica realizada utilizei fontes secundárias, como índices e estatísticas geográficas de circunstâncias sociais, oriundas dos principais provedores de dados e informações do país e do exterior e chego a comprovação de que os principais resultados preveem impactos econômicos e sociais extremamente negativos, agravados em função da expressiva crise econômico-política enfrentada pelo país na atualidade, deixando suas marcas sobre grande parte da população mais pobre. Esta receberá, como herança, dos atuais governos o total descaso com a iminente questão demográfica, que desponta no horizonte brasileiro, repercutindo diretamente sobre as condições de vida de todos os trabalhadores do país e, em particular, daqueles já em idade avançada.
Conclui que a maioria destes indivíduos permanecem produtivos e que o estudo encontra eco numa crítica estrutural ao capitalismo e ao uso que faz dos seres humanos, particularmente, dos idosos, fragilizados em suas condições de vida material e espiritual. O sistema opera sobre eles de forma ainda mais perversa: demanda mão de obra idosa em quantidade abaixo da oferta gerada pelo envelhecimento populacional e quando a absorve, o faz em total condições de precariedade. Sua inclusão no mercado é “marginal”, por meio da ocupação formal, com renda mais baixa, complementar aos proventos da aposentadoria (deturpando o significado desta); ou da informalidade, cuja produtividade do trabalho é baixa, recebendo pagamentos miseráveis, importando circunstâncias de vida mais débeis e apresentando-se de forma mais precária às mulheres.
Infelizmente, pude constatar que as legislações do mundo não garantem igualdade entre gêneros, indicando que a discriminação é a maior hipótese de causa do envelhecimento populacional do planeta, personagem principal no decaimento da taxa de fecundidade. A crise e o desemprego prejudicam ainda mais as mulheres que, como eu, no Brasil, estão em um plano mundial inferior de força de trabalho quando o tema é “concorrência”, pois combina três efeitos: divisão social, sexual e internacional do trabalho. Assim, o “exército industrial de reserva idoso” é em sua maioria do sexo feminino, tem baixa renda e escolaridade e encontra-se, majoritariamente, em países subdesenvolvidos como o nosso.
Continuar trabalhando envolve condições de saúde, valor da aposentadoria, poupança, grau de ensino, tipo de atividade, preconceito, adversidades na adaptação às mudanças tecnológicas e menor produtividade. No mundo os idosos tendem a sair cedo do mercado, não obstante o aumento da esperança de vida e a melhoria nas condições gerais de saúde. No Brasil tendem a manter-se trabalhando, mas ainda não são vistos como alternativa para a futura escassez de mão de obra. Análises indicam caminhos para resolução desse problema, como o melhor aproveitamento desses profissionais. Mesmo com todas as implicações a tendência de redução na força de trabalho origina o aumento da participação feminina e da população idosa na economia.
Difícil admitir, mas nos falta cultura para tratarmos do tema e a discriminação inicia-se antes mesmo do trabalhador adentrar a velhice, particularmente, começando, de modo inacreditável, para os desempregados do nosso país aos 40 anos. Por isso, garantir os direitos e dar proteção efetiva aos idosos exigirá do Estado, no presente, mais do que meras regulamentações legislativas sem efetividade, devendo agir como impulsionador de políticas verdadeiramente eficazes, atendo-se a um radical redimensionamento dos investimentos sociais no campo do trabalho, capazes de provocarem transformações em favor do social e não do capital.
Modos de trabalho indignos devem ser superados; obrigando-nos a luta pela efetivação do “trabalho decente”, comprometido com “toda” a classe trabalhadora. O trabalho deve ser um meio de inserção dos mais frágeis, onde a “decência” está em possibilitar que os trabalhadores sejam capazes de alcançar a realização plena enquanto ser social, oportunizando o recebimento de uma parcela justa da riqueza a que dão origem, não restando como mera mercadoria, lhes sendo oportunizadas possibilidades, para que se manifestem e compreendam o espaço que o trabalho deve ter em suas vidas, o que se dá a partir de duas perspectivas: a dignidade da pessoa humana e o contexto ambiental.
A concretização do trabalho decente é essencial à sustentabilidade: em sua dimensão social, irradia-se no enfrentamento à informalidade, ao desemprego e ao preconceito, revelando-se por meio da efetivação da seguridade social; em sua dimensão ambiental, vincula-se ao meio ambiente preservado, que possibilite qualidade de vida e longevidade digna, garantindo a classe trabalhadora um futuro benéfico. Suas possibilidades transformam o crescimento econômico em desenvolvimento humano: daí a imposição da mudança de paradigma, onde nos vejamos como parte integrante do meio ambiente.
Isso exige capacidade ampla e rigorosa, preocupação com os menos favorecidos, atitude que deve provocar uma guinada, sem precedentes, na compreensão econômica, jurídica e educacional no mundo atual. Ao não cuidar de seus idosos, ou não identificar a obrigação de habilitar-se para ampará-los, uma Nação dá indícios conclusivos de que não possui cultura para a sustentabilidade. Por isso, é preciso modificar a estrutura educacional, com investimento em ações eficazes, para que as pessoas, tanto no presente quanto no futuro, tenham aptidões e desenvolturas gerais e, simultaneamente, para o capital social produtivo. Para além disso, desenvolver a equidade com gerações futuras e, ao mesmo tempo, protegê-las no presente, é um desafio inarredável, uma atuação, de modo intertemporalmente conectado, para eliminar todos os tipos de discriminação e dar suporte aos mais vulneráveis, o que não visualizamos na política econômica e social do atual governo.
Links mencionados no texto:
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