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CÓDIGO FLORESTAL E AS ALTERAÇÕES NO SISTEMA DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: RETROCESSO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL?

AUTORA: MARIA LUIZA LIMA DE SÁ COELHO – mluizasacoelho@icloud.com

ORIENTADOR: LUIZ ERNANI BONESSO DE ARAUJO


A Revolução Industrial propiciou a expansão econômica desenfreada, favorecendo processos de acumulação de capital e ascensão do consumo, ocasionando, dentre outros, degradação ambiental, o gradativo aumento das desigualdades sociais e da disparidade de acesso aos recursos naturais (tais com água potável e alimentos). Situações estas que fomentam debates em prol de soluções que aliem o desenvolvimento econômico sem que isso importe em comprometimento da capacidade de recuperação dos ecossistemas.
Da mesma forma que a sociedade de consumo se desenvolveu e se expandiu, discussões relativas às questões de sustentabilidade também avançaram e passaram a ser objeto de organizações, governamentais ou não. Tratados e convenções internacionais foram criados objetivando a promoção da proteção ambiental e a redução dos danos da crise ambiental que se formava, influenciando diversos textos constitucionais.
No Brasil, a grande diversidade biológica e cultural, aliada às vastas extensões de terra e o seu potencial hídrico, atraem a atenção das grandes corporações, ocasionando maior intervenção humana nos ecossistemas, o que aumenta a degradação ambiental e o risco de extinção de recursos naturais e espécies biológicas.
Esse contexto justifica o histórico da evolução gradativa da legislação de proteção ambiental e a positivação de vários princípios no ordenamento jurídico nacional, que teve como marco o advento da Constituição Federal de 1988. Ela sedimentou o direito ao meio ambiente saudável através do caput do artigo 225 e pela sua proteção como princípio da ordem econômica (no artigo 170, inciso VI), o que propiciou a criação de diversos mecanismos posteriores através da legislação infraconstitucional.
Assim, a Constituição Federal de 1988 normatizou o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, demonstrando a preocupação na conservação dos ecossistemas, na utilização sustentável do meio ambiente e no acesso justo aos recursos naturais, delineando os principais princípios de proteção e conservação da fauna e flora nacionais, impondo uma repartição de responsabilidades entre o Poder Público e a coletividade, defendendo a Equidade Intergeracional e a Solidariedade entre Gerações como forma de proteção da vida e da qualidade do ambiente.
Dentre os princípios que regem a matéria ambiental, o princípio da vedação ao retrocesso ambiental evidencia que a tutela do meio ambiente não admite a redução da proteção já consolidada. Nesse contexto, onde o Poder Público possui responsabilidade com a preservação ambiental, de modo que não poderia o legislador infraconstitucional brasileiro alterar os limites de proteção do meio ambiente através da Lei nº 12.651/2012, reduzindo os marcos sobre os quais se fixaram com o Código Florestal objeto da Lei nº 4.771/1965, justamente em atenção à proteção constitucional e à vedação ao retrocesso.
Assegurar as conquistas ambientais já alcançadas visa garantir a proteção aos direitos fundamentais ao meio ambiente equilibrado, à saúde e à vida, bem como promover a proteção e uso sustentável dos recursos naturais a fim de reduzir as disparidades no acesso aos mesmos e, consequentemente, reduzindo-se as desigualdades sociais.
Isto porque a redução dos níveis de proteção das Áreas de Proteção Permanente (APP) coloca em risco os biomas nacionais e suas espécies da fauna e flora. Permitir o avanço da atividade humana sobre esses ecossistemas consiste em cenário que beneficia as grandes nações econômicas do Norte social, detentoras do capital e das tecnologias, e os conglomerados do agronegócio, respaldados por um sistema jurídico incapaz de proteger os biomas nacionais e toda a biodiversidade relacionada.
Já a exploração puramente econômica da biodiversidade busca apenas o favorecimento econômico dos grandes conglomerados, sem qualquer preocupação com a sustentabilidade ou com a manutenção das comunidades tradicionais que dependem intrinsecamente dos ecossistemas.
Neste contexto, as alterações promovidas pelo Código Florestal de 2012 criam um regime que beneficia os infratores. Questões como a flexibilização criada para aqueles que cometeram atos ilegais em face da proteção ambiental até 22 de julho de 2008 e serão submetidos a regime diferenciado daqueles atuados posteriormente viola o Princípio da Legalidade, do Poluidor-Pagador, e delega a segundo plano o Princípio da Vedação ao Retrocesso. Frisa-se que a falta de fiscalização e de registro da degradação ambiental nas áreas consolidadas antes do marco legal de 22 de julho de 2008, dificultam a imposição de sanções e dos requisitos necessários para o Programa de Regularização Ambiental.
Por mais que o Supremo Tribunal Federal tenha decidido pela constitucionalidade dos dispositivos questionados, não há como deixar de defender a incompatibilidade desse julgamento frente aos princípios que regem do Direito Ambiental, tais como os Princípios do Desenvolvimento Sustentável, da Vedação ao Retrocesso Socioambiental, da Dignidade da Pessoa Humana e da Precaução.
O princípio da Vedação ao Retrocesso Socioambiental impõe que que o nível de proteção atingido não possa ser reduzido ou suprimido, inviabilizando qualquer medida legal que signifique a proteção inferior àquela já instituída ou a sua flexibilização. Diante disso, inexiste justificativa para as mudanças na proteção ambiental ocasionadas pela Lei nº 12.651/2012. Desse modo, o julgamento do Supremo Tribunal Federal não afasta a sua consolidação e obrigação de observância pela legislação infraconstitucional, visto que tal princípio está fundamentado nos diversos tratados e convenções internacionais que o Brasil é signatário e encontra respaldo constitucional.
Assim, é necessária uma mudança nos comportamentos públicos e privados, em busca de práticas que promovam a efetiva mudança no pensamento, fugindo-se dos pensamentos simplistas, fragmentados e cartesianos, para a formação de uma ótica baseada no pensamento complexo, multidisciplinar, que agregue tanto os conhecimentos tecnológicos da sociedade contemporânea quanto os saberes das comunidades tradicionais. Buscando-se, a união de esforços na criação de um paradigma que contemple a natureza como sujeito de direitos e não apenas a fonte de recurso para o atendimento das necessidades humanas.