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DIREITOS SOCIAIS EM CENA: diálogo entre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o regime jurídico de políticas públicas brasileiras

AUTOR: Milton Guilherme de Almeida Pfitscher

Orientadora: Valéria Ribas do Nascimento

 

A dissertação defendida no dia 16 de agosto de 2019 trata dos direitos sociais a partir dos contextos global (Declaração Universal dos Direitos Humanos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), local (Sistema Interamericano de Direitos Humanos) e local (Constituição Federal de 1988), para, a partir deste cenário, construir uma teoria dos direitos sociais.

Nesse estudo, verificou-se a potência que é a América Latina no protagonismo da criação da concepção contemporânea de direitos humanos, seja na demonstração de uma consciência jurídica crioula, representada pela singularidade de experiências, seja nas preocupações latino-americanas e tradições jurídicas internacionais. Identificou-se que a atuação do sistema interamericano de direitos humanos tem acompanhado essa concepção crioula e mestiça de direitos humanos ao produzir teoria e jurisprudência séria sobre direitos humanos, especialmente, sobre os direitos sociais, econômicos, sociais, culturais e ambientais, de tamanha importância para o contexto socioeconômico da América Latina. 

O que se constatou, tanto ao debruçar-se sobre o Poder Judiciário nacional como perante as instâncias internacionais, é a timidez com a qual esses direitos são reivindicados judicialmente. Sob o véu da aplicação progressiva, o poder público, o Legislativo, o Judiciário e todos os atores que fazem o Estado caminhar, tornam a aplicação dos direitos sociais, econômicos e sociais uma perfumaria, um plus, uma exigência para o amanhã.

Ao revisitar a criação da Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, a Convenção Americana, o Protocolo de San Salvador, verificou-se que, em todos esses marcos normativos, conquanto alegue-se a indivisibilidade e indissociabilidade dos direitos civis e políticos aos direitos econômicos, culturais e sociais, na prática, os direitos civis e políticos são os que recebem maior atenção dos três poderes que compõem o Estado. Esse fato não apenas não afasta o dever de estudar tais direitos, como motiva a investigar o panorama no qual eles se desenvolvem.

É preciso que os atores jurídicos reconheçam o pluralismo de ordens jurídicas, bem como a coexistência de normas e decisões regendo o mesmo espaço social. Isso, porque a incorporação do direito internacional dos direitos humanos ao âmbito nacional deve, necessariamente, produzir mudanças institucionais.

A partir do contexto dos direitos sociais, explorou-se, na pesquisa, a modificação do entendimento acerca da sua justiciabilidade no sistema interamericano. De um protocolo que garantia apenas o peticionamento direto de dois direitos sociais (educação e sindicabilidade) perante a Comissão Interamericana, com o caso Lagos del Campo, passou-se, com base no art. 26, da Convenção Americana, a reconhecer a justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais como um direito autônomo.

A partir desse mote, investigou-se como se dá a implementação dos direitos sociais no Brasil, perpassando o Plano Nacional de Direitos Humanos, detendo-se mais atentamente ao PNDH-3, atualmente em vigor, para, em combinação com a teoria das políticas públicas, verificar em que medida as decisões da Corte Interamericana dialogam com o regime jurídico de políticas públicas brasileiras.

Para estabelecer esse diálogo, analisaram-se todos os casos contenciosos julgados contra o Brasil na Corte Interamericana e, a partir disso, utilizando-se a metodologia proposta por Rafael Moura, observou-se se as determinações das sentenças eram ou não políticas públicas. 

Assim, concluiu-se que as recomendações e determinações do sistema interamericano não são políticas públicas em sentido estrito, mas que impactam nas políticas públicas. Em continuidade, foram examinadas as supervisões de cumprimento de sentença já publicadas contra o Brasil na Corte Interamericana, buscando-se, mormente os reflexos em políticas públicas nacionais. Com essa análise, tratou-se de dar amparo à teoria de que, sim, as políticas públicas são impactadas pelas decisões da Corte Interamericana.

Então, se as políticas públicas são impactadas pelas decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, e se os direito sociais, econômicos e culturais são garantidos pela via direta de proteção, nos termos do art. 26, da Convenção Americana, por conseguinte, o cidadão brasileiro tem, a partir da virada jurisprudencial no Caso Lagos del Campo, a garantia também do sistema interamericano de que seus direitos sociais, econômicos e culturais sejam tutelados, em caso de esgotamento da via judicial interna ou outras exceções previstas na Convenção.

Tal garantia é de fundamental relevância, porque o cidadão brasileiro ainda não detém o direito ao peticionamento perante o sistema da ONU de proteção aos direitos sociais (PIDESC), visto que o Brasil não aderiu ao Protocolo Facultativo. Há, aqui, uma ligação entre a Constituição Federal do Brasil, e demais Constituições que se comprometem com o princípio da dignidade humana, de longa data, como apontado no início deste trabalho, sobre o protagonismo da América Latina na defesa e construção teórica da concepção contemporânea de direitos humanos, com a atuação do sistema interamericano de direitos humanos, que, mediante  decisões inovadoras, paradigmáticas e substancialistas, produz um direito comum também para os direitos sociais, econômicos e culturais.

A recente virada jurisprudencial da Corte Interamericana tem grandes chances de dialogar com os diversos sistemas de proteção regionais (europeu e africano), pois, evidentemente, os elementos históricos e sociais dos países latino-americanos apontam a necessidade de que se crie, neste território, uma teoria dos direitos sociais adequada à sua realidade. E esse foi o entendimento da Corte Interamericana, seja ao defender a justiciabilidade direta dos direitos sociais a partir do art. 26, da Convenção Americana, seja ao atualizá-la aos tempos democráticos, pois sua feitura remete-se aos tempos de ditadura na América Latina.

Posto isso, portanto, se os Estados latino-americanos foram responsáveis pela firmação dos direitos humanos, categoria de validade universal e intercultural, tal protagonismo reafirma-se com a decisão do Caso Lagos del Campo e decisões que se seguiram. Podendo-se inferir, assim, que se o cosmopolitismo jurídico tem como elemento essencial a proteção do indivíduo (dos grupos, dos animais não humanos e da natureza) nas suas relações com os Estados no plano mundializado, a Corte Interamericana se apropria de tal aporte teórico, colaborando na criação de um direito social comum latino-americano, ainda incipiente, mas que, em razão da força expansiva de suas decisões, pode resguardar, aos cidadãos que o integram, uma última esperança na defesa dos direitos sociais, econômicos, culturais e também ambientais, já que as decisões da Corte impactam também em medidas internas dos Estados, de cunho legislativo, administrativo e judicial, inclusive no âmbito das políticas públicas.