Ir para o conteúdo PPGD Ir para o menu PPGD Ir para a busca no site PPGD Ir para o rodapé PPGD
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

OS PONTOS CEGOS NO TRATAMENTO JURÍDICO DOS DESASTRES ENVOLVENDO BARRAGENS DE REJEITOS DE MINERAÇÃO

Pablo dos Santos Ritzel – psritzel@yahoo.com.br

Orientadora: Ângela Araújo da Silveira Espíndola

 

No dia 05 de novembro de 2015 quando se rompeu a barragem do Fundão, operada pela mineradora Vale do Rio Doce na cidade mineira de Mariana, os desastres envolvendo barragens de rejeitos de mineração apresentaram, para o Brasil e o mundo, o seu potencial de devastação. A onda de lama tóxica descarregada no meio ambiente atingiu percorreu 663,2 km de cursos d’água, deixando um rastro de destruição até o litoral do Espírito Santo. Além disso, foram mais de 842 famílias impactadas, totalizando 2.575 pessoas e 984 propriedades atingidas.

Transcorridos quase 6 desde a catástrofe, ainda hoje os danos, em especial os ambientais não foram completamente dimensionados. Também os impactos sociais e econômicos continuam produzindo efeitos nas comunidades atingidas. A cadeia econômica da cidade de Mariana tinha parte significativa atrelada à mineração, e com a suspensão das atividades entrou em colapso. O Ministério Público Federal estima os danos, compreendendo os ambientais e econômicos, atingem o montante de R$ 155 Bilhões.

Um desastre de tal dimensão – o com maior impacto ambiental da história entre os envolvendo barragens de rejeitos de mineração – e que colapsou a funcionalidade de tantos subsistemas sociais poderia se constituir como “um divisor de águas”, no sentido de estabelecer melhor padrões de segurança e prevenção para o setor. Após tantos danos econômicos, ambientais e, fundamentalmente, humanos deveria ser um caso a não ser repetido, no entanto, não foi o que ocorreu.

Isto porque, no dia 25 de janeiro de 2019, a barragem da mina do Córrego do Feijão, operada pela mineradora Vale S.A., localizada no município de Brumadinho, rompeu-se despejando 12 milhões de m³ de rejeitos de mineração na bacia do rio Paraopeba. Construída utilizando o método de alteamento a montante, e classificada como de “baixo risco”, mas com “alto potencial de danos”, contrariou o primeiro atributo, mas confirmou, com veemência, o segundo.

Trata-se do maior desastre envolvendo barragens de rejeitos de mineração da história quando consideradas as perdas de vidas humanas. As operações de busca ainda estão em andamento enquanto este estudo é escrito, e até o presente momento os números oficiais contabilizam pelo menos 270 óbitos, sendo 259 confirmados e 11 ainda desaparecidos, mas oficialmente considerados mortos.

Embora estes episódios não tenham sido os primeiros desastres envolvendo barragens de rejeitos de mineração no país, suas consequências superlativas se configuraram como um imenso desafio para o sistema jurídico brasileiro. Os tribunais brasileiros tiveram, e ainda têm, que enfrentar questões complexas como mortes, destruição do meio ambiente, indenizações e reconstrução das estruturas naturais e construídas pela intervenção humana, e, sem dúvidas, não conseguiram cumprir suas funções satisfatoriamente.

O estudo proposto no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria buscou identificar quais são os pontos cegos no tratamento jurídico dos desastres envolvendo barragens de rejeitos de mineração. Para tanto, investigou quais os dispositivos jurídicos aplicados à matéria, tendo como base desta análise os desdobrando judiciais das catástrofes, e, ainda, tangenciando possíveis alternativas para a superação da referida cegueira.

Para alcançar tal intento o estudo foi dividido em dois capítulos, cada subdivido em 3 subitens. O primeiro recebeu o título A colonização dos desastres pelo direito e o gerenciamento dos riscos envolvendo barragens de rejeitos de mineração, e seus itens Aportes para a compreensão dos desastres como riscos sistêmicos, complexos e abstratos, A formação de sentido dos desastres e a dinâmica das catástrofes envolvendo as barragens de rejeitos de mineração e O gerenciamento do risco e a colonização jurídica dos desastres.

O segundo capítulo foi denominado Os pontos cegos: o tratamento jurídico dos desastres envolvendo barragens de rejeitos de mineração e a sustentabilidade. Já seus subitens receberam os títulos de O tratamento jurídico dos desastres envolvendo barragens de rejeitos de mineração no Brasil, Os pontos cegos: o que o sistema jurídico não enxerga e a cegueira deliberada e Uma visão panorâmica das possibilidades de superação dos pontos cegos.

De forma bastante sintética, pode-se afirmar que os principais pontos cegos identificados foram: a ausência de mecanismos jurídicos aptos a compensar os danos ambientais, econômicos e humanos decorrentes destes desastres; a inexistência de incentivos econômicos para práticas de mineração que não necessitam de barragens; a legislação vigente ser focada fundamentalmente nos desastres “naturais”; a falta de mecanismos de integração entre as diversas legislações setoriais (Resíduos Sólidos, Desastres, Defesa Civil e Segurança de Barragens) e; a não obrigatoriedade de adoção dos regramentos internacionais sobre desastres e segurança na mineração, por exemplo.

Também de forma resumida, é possível afirmar que as possibilidades de superação dos pontos cegos conjecturadas são: maior articulação regional e internacional para o enfrentamento de desastres, inclusive com a obrigatoriedade de vinculação aos documentos mundiais sobre tais temas; a reforma da legislação para dar maior atenção aos desastres antropogênicos e, em especial, para os que envolvam barragens de rejeitos de mineração; a instituição de fundos, públicos e privados, destinado à compensação pelos danos decorrentes dos desastres; maior atenção à fiscalização e; incentivo às práticas de mineração de lavra a seco e ao reaproveitamento dos rejeitos.

Os contornos delineados pela pesquisa desenvolvidas evidenciaram que o tratamento jurídico dos desastres envolvendo barragens de rejeitos de mineração, sobretudo na ótica da superação dos pontos cegos, é uma questão de grande complexidade , demandando muitas ações e reflexões de todos os atores envolvidos. Mas isso não significa que essa é uma estrada a ser evitada, pois como o sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirma, é preciso apenas tentar, tentar e tentar novamente. Mais que tentar da forma correta, a arte da vida consiste em nunca abandonar a ideia de tentar.