Ariani Avozani Oliveira – aridireito@gmail.com
Inicia-se a discussão abordando as políticas de responsabilidade socioambiental e sustentabilidade utilizadas pela empresa Vale S.A., uma das maiores mineradoras globais, que realiza na Mina Córrego do Feijão a extração do minério de ferro, para que seja comercializado no mercado nacional e internacional. A empresa adota o modelo de Gestão Ambiental de Qualidade certificado pela ISO 14001, de modo a garantir sua permanência junto ao mercado internacional, diante da relevância dessa certificação.
Ocorre que, muito embora em face da adoção deste padrão, no dia 25 de janeiro de 2019, por volta das 12h28min, enquanto parte dos trabalhadores da Mina Córrego do Feijão almoçavam no refeitório e outros trabalhavam na área, verificou-se que a estrutura da Barragem I (BI) foi rompida, deslocando a lama de rejeito do minério com tal força que, em segundos, equipamentos operacionais e o centro administrativo da empresa Vale S.A. foram destruídos. Constata-se que, em uma velocidade estimada de 70 km/h, a imensa quantidade de lama movida seguiu soterrando casas, hortas e sítios das comunidades das redondezas do Córrego do Feijão e do Parque da Cachoeira, chegando então ao Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, no município de Brumadinho, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais (MG).
Perante este quadro, sabe-se que o rompimento da barragem em questão, muito embora, seja negado pela empresa Vale S.A, tratava-se de uma tragédia anunciada, porquanto, conforme restou comprovado pelas perícias dos Auditores Fiscais do Trabalho, realizadas após o desastre e comprovadas pelas pesquisas efetuadas neste estudo, sérios problemas de drenagem pluvial na estrutra da barragem BI foram apontados e que são preexistentes ao evento.
Constata-se que houve omissão por parte da empresa, pela não realização, anterior ao ocorrido, dos reparos no sistema de drenagem da represa, já que para isto, deveria paralisar as atividades da Mina, o que não fez, ignorando as possíveis consequências. Sabe-se que, mesmo que a barragem estivesse inativa, no sentido de que não recebia rejeito considerado úmido, as atividades na Mina Córrego do Feijão, que eram executadas no subsolo da barragem BI, estavam em plena operação, porém pelo método de processamento a seco, ou seja, sem depósito de rejeito com água.
Sabe-se que o rompimento da barragem em questão foi considerado o maior acidente de trabalho da história do Brasil. Os números indicam que no todo foram 334 acidentados entre trabalhadores, moradores da região e alguns turistas, hospedados em uma pousada. Destes, 312 (trezentos e doze) eram trabalhadores, empregados próprios e terceiros, em que 248 (duzentos e quarenta e oito) restaram mortos e 64 (sessenta e quatro) sobreviveram. Além das vidas perdidas e da produção de impactos sociais e ambientais na comunidade local, percebe-se que o montante total da perda não possui valor estimável.
Em face disto, observa-se as interfaces entre a implementação e efetividade das políticas socioambientais e sustentáveis no ambiente de trabalho da Mina Córrego do Feijão e o objetivo maior da acumulação de capital oriunda da extração mineral. Para tanto, verificou-se as políticas socioambientais e sustentáveis no ambiente laboral da Vale S.A. e as normas de saúde e de segurança do trabalho não observadas pela empresa, bem como as consequências causadas aos seus trabalhadores vitimados pelo desastre em Brumadinho/MG, de modo a analisar se houve uma distorção do objetivo essencial da dimensão social e econômica da sustentabilidade em prol do acúmulo de capital empresarial. De tal maneira, analisou-se as questões de segurança e saúde do trabalho e de políticas socioambientais e sustentáveis no ambiente laboral da Mina Córrego do Feijão, por meio da observação da gestão de risco ambiental, bem como as consequências causadas aos trabalhadores vitimados pela tragédia referida.
Deste modo, buscando contemplar um estudo aprofundado do caso concreto, foram efetuadas entrevistas, cujas perguntas apresentaram-se definidas de forma estruturada, sendo realizadas com trabalhadores vitimados no desastre em Brumadinho/MG, bem como com autoridades envolvidas na apuração do acidente de trabalho ocorrido. Com isso, procurou-se ter como objetivo o detalhamento do meio ambiente e as condições de trabalho na Mina Córrego do Feijão. Neste aspecto, a aproximação pelo levantamento de informações junto aos envolvidos, tornou o estudo mais significativo, já que se percebeu as dimensões das consequências aos trabalhadores vitimados em Brumadinho/MG.
Observou-se as preocupações com as questões socioambientais e de sustentabilidade, como fatores impulsionadores para entrega de um trabalho realizado com excelência em todas as suas esferas, mas que, em realidade, levam a empresa apenas a atender aos rígidos padrões internacionais de gestão ambiental para proveito próprio e que, na prática cotidiana, acabam por descumprir princípios do Direito do Trabalho, principalmente o da proteção ao trabalhador. Percebeu-se que, as políticas de responsabilidade socioambiental e sustentabilidade anunciadas pela empresa servem apenas para atender os requisitos exigidos para o auferimento das certificações, uma vez que as possibilidades de falhas na gestão de segurança do trabalho, por exemplo, a falta de treinamentos aos trabalhadores, de toque de alarme de emergência e de um sistema eficaz de gerenciamento do risco, no meio ambiente laboral, tratam-se de fatores que certamente não foram observados pela Vale S.A, contribuindo com a origem do desastre.
Para tanto, as fragilidades relativas ao desempenho da empresa que, ao apresentar as documentações e licenças ambientais da barragem BI, sem indicar qualquer indício da existência de seu comprometimento estrutural, tem-se como principal inobservância ao meio ambiente de trabalho. Deste modo, aos empregados da Mina Córrego do Feijão houve a inobservância quanto ao princípio da prevenção, mormente no que diz respeito ao cumprimento da gestão do risco no ambiente de trabalho. De tal modo, mesmo que houvesse adequações nos treinamentos e simulados de emergência empreendidos, que hora observou-se como outras falhas da empresa, sabe-se que não haveria tempo hábil para o deslocamento dos trabalhadores, em qualquer que fosse a rota de fuga.
Assim, a empresa Vale S.A. adota um discurso de instituição ideal e de excelência, que aborda as questões socioambientais e de sustentabilidade de tal maneira que consegue impactar quem desconhece o assunto. Todavia, ao agir desta forma, em verdade o faz por idealizar algo que pode ser comparado a um sonho, isso talvez em razão de que possui um representativo poder econômico, equivalendo a maior mineradora do País e a uma das maiores do mundo. Eis que, em face desta percepção, como consequência do desastre, mais uma vez busca-se em compensação monetária uma forma de apagar a dor e o sofrimento causado a vida dos trabalhadores e de suas famílias.
Neste sentido, não obstante, espera-se efetividade no cumprimento das legislações, sobretudo quanto a fiscalização das questões referentes à prevenção e a segurança no ambiente de trabalho, para assim, consagrarem-se as lógicas socioambientais, perante a perspectiva da dimensão social e econômica da sustentabilidade. Entretanto, não se vislumbra esta expectativa na política social, econômica e jurídica do atual momento vivenciado no País e no mundo, vez que continuam sendo empregadas em detrimento da classe trabalhadora.