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SOBERANIA ALIMENTAR NO BRASIL: LIMITES ECONÔMICOS (GEO)POLÍTICOS E JURÍDICOS NOS MARCOS DO CAPITALISMO PERIFÉRICO

 

Clarissa de Souza Guerra – clarasouzaguerra@hotmail.com

Orientadora: Prof. Dra. Maria Beatriz Oliveira da Silva

A alimentação é elemento indispensável à sobrevivência humana, considerada como um direito fundamental e, para tanto, como um dever dos Estados a sua realização. No Brasil, o direito à alimentação está consagrado na Constituição Federal de 1988.

Além disso, a alimentação expressa uma das formas de relação entre os seres humanos e o meio ambiente, pois é a partir da agricultura e do uso dos recursos naturais que são gerados os produtos que garantem a subsistência das espécies vivas.

Entretanto, o capitalismo, que é o sistema econômico, político e social dominante, transformou tal relação em um vínculo exploratório (trata-se da falha metabólica), movido pela busca incessante do lucro. Sob essa perspectiva, o alimento teve seu sentido original deturpado, tornando-se mercadoria.

Nesse contexto, a Soberania Alimentar, formalizada em 1996, pela Via Campesina Internacional, pode ser entendida como um conceito multidimensional e enquanto um direito, que se caracteriza, substancialmente, como proposta contra-hegemônica, questionando o sistema do “alimento-mercadoria”. Trata-se de uma resposta dos movimentos sociais do campo às imposições do capitalismo, pautada, especialmente, na consideração da fome como uma questão social.

Conceitualmente, a Soberania Alimentar é o direito dos povos de escolherem como organizarão a produção e distribuição dos alimentos, numa estreita relação com temas como a democratização do acesso à terra, modelos produtivos sustentáveis (agroecologia) e pequena produção (agricultura familiar).

A partir da formalização do conceito, no meio internacional, e pressionado pelos movimentos sociais, o Estado brasileiro desenvolveu políticas públicas e editou leis voltados à garantia da soberania alimentar, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); as políticas de Reforma Agrária (com previsão no Estatuto da Terra); o Programa Fome Zero (Bolsa Família); a regulamentação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº. 11.346/2006); a Lei da Agricultura Orgânica (Lei nº 10.831/03); e a Política Nacional de Agroecologia e Agricultura Orgânica (Lei nº 7.794/2012), dentre outros.

No entanto, apesar dos referidos avanços, a Soberania Alimentar ainda se apresenta como uma demanda atual e urgente. Isso se dá em virtude dos limites que a realidade concreta – que é a do sistema capitalista – apresenta à garantia desse direito.

É possível afirmar que os limites econômicos se aprofundam na atual fase do capitalismo que é a do rentismo (geração de dinheiro a partir de dinheiro, sem a produção de mercadorias),acentuando o fosso da desigualdade social, com o enriquecimento dos que já são mais ricos, o achatamento das camadas médias e o empobrecimento, ainda maior, dos mais pobres.

Soma-se a isso os limites (geo)políticos, que se perfazem na produção de commodities, isto é, o modelo produtivo voltado ao atendimento do mercado externo e a desconsideração das demandas nacionais, o que se torna ainda mais evidente no âmbito do neoliberalismo, com o enxugamento do Estado e o fortalecimento do poder do mercado e, por consequência, o não atendimento aos direitos sociais da população.

Especificamente no Estado brasileiro, desde 2016 (golpe político), verifica-se uma série de prejuízos a temas relacionados à soberania alimentar, fruto do “projeto político” de desmonte dos programas sociais e da proteção ambiental, que se aprofunda, ainda mais, no atual governo.

Nesse contexto, embora o Direito, na forma de políticas públicas e legislação, apresente avanços à soberania alimentar, estes não são suficientes para garanti-la. Isso acontece porque o Direito é uma forma social específica do capitalismo, ou seja, serve para dar forma às estruturas desse sistema, legitimando, dentre outros fatores, a desigualdade social.

Nesses termos, Soberania Alimentar, que é resultado da luta de resistência dos movimentos do campo (MST, MPA e Via Campesina), carece da mediação entre tal luta e o fenômeno jurídico para que possa ser garantida: trata-se do uso tático do direito.

Logo, a garantia da Soberania Alimentar pressupõe a transição para uma nova sociabilidade, isto é, uma sociedade além do capitalismo, pautada no sentido originário do alimento: bem indispensável à vida humana e, por isso, um direito de todos.